A construção de uma estrada para o escoamento de rejeitos de mineração, que atravessaria um trecho de 1,8 km do Parque Estadual da Serra do Rola Moça, em Minas Gerais, é alvo de protestos de comunidades da região. Movimentos populares denunciam a falta de transparência e potenciais danos irreversíveis à fauna, flora e recursos hídricos de uma das mais importantes unidades de conservação do estado.
A proposta faz parte de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado entre a empresa Mineração Geral do Brasil (MGB), a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) e o Ministério Público Federal (MPF), com o objetivo de descomissionar duas barragens.
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O acordo, assinado em 2023, só veio ao conhecimento da população quando uma reunião do conselho consultivo do parque foi marcada para o dia 7 de abril.
“O projeto prevê mais de 2 mil viagens mensais de caminhões de 35 toneladas cada, ao longo de cinco anos, conforme alertado por Ronaldo José Ferreira Magalhães, do Instituto Estadual de Florestas (IEF), durante reunião no auditório do parque. Isso representa uma sobrecarga na infraestrutura local, intensificando a poluição sonora, a poeira e o risco de acidentes”, alerta Camila Leal, advogada popular e moradora do distrito de Casa Branca.
População e impactos ignorados
Segundo a especialista, a construção da estrada dentro da unidade de conservação representa um impacto ambiental severo e prejuízos diretos para as comunidades locais, que chegam aos moradores de Casa Branca, Brumadinho e Jardim Canadá, em Nova Lima, município da Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) .
“Além disso, a estrada impactará os mananciais que abastecem a RMBH, colocando em risco o fornecimento de água para milhões de pessoas”, alerta.
A advogada cita as nascentes dos mananciais Taboões, Bálsamo e Mutuca, localizadas no interior da área protegida e fundamentais para o abastecimento de água da região metropolitana.
Leal argumenta que o escoamento do material fora da área da Mina Casa Branca é desnecessário. “O próprio material do descomissionamento pode e deve ser utilizado na recuperação da área degradada, eliminando totalmente a justificativa para a construção da estrada dentro do parque”, afirma.
Ela também denuncia a ausência de estudos técnicos que comprovem que essa seria a única solução viável e aponta a possibilidade de o projeto ser, na verdade, uma tentativa de retomar atividades minerárias na área.
“Documentos da própria empresa indicam que o descomissionamento faz parte do licenciamento para retomada da mineração”, chama a atenção.
Suspeitas, omissões e o fantasma da Serra do Curral
O histórico recente em Minas Gerais aumenta a desconfiança da população. “Diante do que aconteceu na Serra do Curral, onde houve um escândalo de conluio entre a Agência Nacional de Mineração (ANM), o governo estadual e mineradoras, a possibilidade de a empresa estar maquiando um projeto de mineração sob o pretexto da descaracterização da barragem não pode ser ignorada”, diz Leal.
A participação do ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles como representante da MGB também desperta preocupação, segundo a advogada.
“Salles foi investigado por favorecimento a mineradoras durante a sua gestão, e sua atuação em Minas levanta suspeitas de conluio entre agentes públicos e interesses privados”, alerta.
Outro ponto questionado é a legalidade do TAC, já que o acordo, segundo a especialista, fere diretamente a legislação federal, pois o Parque Estadual da Serra do Rola Moça é uma Unidade de Conservação de Proteção Integral.
“A Lei do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) proíbe qualquer atividade que envolva o uso direto dos recursos naturais, como a mineração. A homologação desse acordo pelo MPMG e pela Semad é extremamente suspeita e levanta questionamentos sobre um possível conluio entre a mineradora e os agentes públicos”, finaliza.
Do lado oeste, o mesmo grito
A moradora de Ibirité e ativista ambiental Alenice Baeta, do movimento Serra Sempre Viva, reforça a gravidade da situação.
“Já lutamos contra outras mineradoras na zona de amortecimento, e agora vemos a ameaça avançar para o coração do parque”, relata.
Ela cobra uma auditoria externa para verificar a real necessidade da retirada dos rejeitos. “A gente duvida que precise tirar tanto minério assim. Talvez nem precisasse passar caminhão nenhum. O que queremos é transparência e alternativas menos destrutivas”, defende.
Baeta também aponta a ausência de consulta prévia às comunidades locais, incluindo povos tradicionais da região, como os indígenas Kamaka Mongoió e Curucariri.
“A Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, exige consulta livre, prévia e informada. Mas ninguém foi ouvido. Isso é mais uma violação”, afirma.
Um problema sistêmico
Para as lideranças locais, o caso do Parque Estadual da Serra do Rola Moça é mais um capítulo de uma longa história de desrespeito ao meio ambiente em Minas Gerais.
“A política de licenciamento ambiental do governo de Romeu Zema (Novo) tem se mostrado conivente com interesses privados. Já vimos isso no Rodoanel, na Serra do Curral, e agora aqui”, afirma Baeta.
A preocupação central é com os recursos hídricos. “A Serra do Rola Moça é um dos últimos redutos de abastecimento da RMBH. Comprometer esse ecossistema é colocar em risco a sobrevivência de milhões de pessoas”, alerta Camila Leal.
Enquanto isso, a luta segue organizada. Moradores das porções leste e oeste da serra estão unindo forças em movimentos como o “Rola Moça Resiste”, exigindo transparência, responsabilidade ambiental e a suspensão imediata do projeto.
“A Serra é uma só. Não adianta proteger um lado e destruir o outro”, conclui Alenice Baeta.
Outro lado
A reportagem entrou em contato com a mineradora e aguarda respostas. O conteúdo será atualizado quando houver posicionamento.