Durante quatro dias São Paulo reuniu a nata dos pensadores do campo progressista para debaterem propostas práticas para a superação da crise causada pelo liberalismo e o imperialismo. Com foco na economia subordinada à melhoria da vida do povo, a essência da conferência Dilemas da Humanidade foi definida por João Pedro Stedile.
“A economia é importante demais para ser discutida apenas por economistas”, disse o dirigente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, ele próprio um economista de formação, além de marxista e católico.
O encontro ocorreu majoritariamente no Sesc Pompeia – uma “conquista da classe trabalhadora”, explicou Stedile – onde mais de 70 pensadores, lideranças políticas e populares contribuíram para a formulação de ideias para a esquerda enfrentar os desafios atuais. O fato desta quarta edição do Dilemas da Humanidade ocorrer com o tarifaço anunciado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, como pano de fundo aumentou o senso de urgência do evento.
“Mesmo sem termos combinado, esse encontro ocorreu em uma semana importante, em que o imperialismo usou seus tradicionais instrumentos de controle contra o sul global, contra o mundo todo”, disse a economista Juliane Furno no fechamento do evento.

“Estamos no calor do momento, e a extrema direita acelera o mundo novo, força elaborações que nos sirvam de munição para a nova realidade.”
Ideias, ideias, ideias…
A abertura na segunda-feira (7) ocorreu na Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo. Claudia de la Cruz, candidata à presidência dos Estados Unidos em 2024 e cofundadora do The People’s Forum, organização voltada para a classe trabalhadora e comunidades marginalizadas, e o escritor e historiador indiano Vijay Prashad apresentaram diagnósticos para provar que o liberalismo que dominou o sistema global nas últimas décadas é incapaz de oferecer um futuro livre das crises que ele mesmo criou.
Na terça-feira (8) Jeffrey Sachs, prêmio Nobel de economia por seu trabalho em busca da eliminação da pobreza, disse que Brasil e América Latina devem buscar “crescimento baseado em ciência, tecnologia e habilidades humanas”. Por vídeo, o estadunidense enfatizou a necessidade de superar o modelo econômico baseado em exportação de commodities. Ainda neste dia, o economista marroquino Najib Akesbi defendeu uma quebra gradual, mas radical, com as regras do sistema financeiro internacional. “Soluções reformistas do passado são insuficientes para uma economia que favoreça o Sul Global“, disse ele.
Na quarta-feira (9), o debate focou em como o Sul Global pode escapar do papel de mero fornecedor de matérias-primas para os países desenvolvidos. Mais: como pensar a política industrial como meio de conseguir avançar em melhorias sociais, disse o economista indiano Surajit Mazumdar.
Antes, a ministra de Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, Esther Dweck, reconheceu que o boom das commodities no começo dos anos 2000 gerou um aumento da produção, mas também “dificuldade nossa de sair deste ciclo”. “À época nós tínhamos basicamente estatais e multinacionais. O que se segue [no governo Temer] é que as estatais são ‘vendidas’ e este processo segue até hoje. No Brasil empresas são compradas para fechar, e não para industrializar”, avalia. A ministra, no entanto, ressalta que “a pandemia teve um papel nos riscos de uma baixa autonomia produtiva”.
O Dilemas da Humanidade foi também tema de O Estrangeiro, podcast de política internacional do Brasil de Fato neste dia. À tarde, o presidente do IBGE, Marcio Pochmann falou sobre como proteger riquezas dos países em desenvolvimento e ressaltou ser fundamental “ter esperança e evitar o futuro que nos é desenhado pelo Norte Global”.
A quinta-feira viu o economista russo Yaroslav Lisovolik explicar por que o Sul Global deve apostar em regionalismo contra as crises produzidas pelos países desenvolvidos. “Blocos como Mercosul têm mais capacidade e interesse em ajudar seus membros do que instituições como FMI“, disse ele.
Tempo histórico acelerado
Ao final do encontro, Stedile disse que encontrar formas para deixar de ser refém da moeda estadunidense é chave para a emancipação do Sul.
“O dólar é usado como mecanismo de proteção pelo imperialismo para continuar explorando os trabalhadores. Temos que travar uma luta dura porque ele é mais perigoso que a bomba atômica”, disse Stedile, que defendeu também “a natureza e a soberania alimentar. Sem agroecologia, não haverá combate às mudanças climáticas.”
“Nosso objetivo central é superar a desigualdade social, e as Big Tech não vão resolver isso; vão aprofundá-la.”
Juliane Furno alertou para o fato de que uma das contradições dos dias atuais é que a extrema direita “está derrotando o livre comercio, a Organização Mundial do Comércio (OMC), o mundo pós-segunda guerra” que era combatido tradicionalmente pela esquerda.
“Um novo mundo é possível, mas no momento há a destruição. É possível que o tarifaço isole os EUA, acelere o tempo histórico e una o Sul Global.”
“Devemos aproveitar a oportunidade para fortalecer a integração com alternativas mais radicalizadas, para tirar países da periferia”, completou.
