Quais os reflexos de quase 400 anos de escravidão nas relações de trabalho no Brasil contemporâneo? Como o estigma do escravismo se faz presente em formas de relacionamento capital-trabalho corriqueiras no século 21, como a terceirização? De que modo a recente greve dos motoboys por direitos básicos ecoa as lutas de ferroviários, tipógrafos e outras categorias organizadas no Brasil do começo do século passado?
Nesta longa e substancial entrevista, a professora Valdete Souto Severo, que leciona processo e direito do trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), enfrenta essas questões com a destreza de quem estuda e lida com elas no seu dia-a-dia de juíza do trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT4).
O papo se estende por outros temas, como o tratamento que a legislação e a Justiça dão às empregadas domésticas, a reivindicação de direitos trabalhistas pelos trabalhadores por aplicativos, o adoecimento provocado pelo excesso de horas trabalhadas em muitas categorias e a penetração da agenda da extrema direita em uma sociedade ressentida e fragilizada.

Confira a entrevista:
Brasil de Fato RS: Dias atrás vimos uma mobilização grande dos entregadores, dos trabalhadores por aplicativos, uma categoria imensa e que cresceu muito ultimamente também em decorrência da destruição de alguns parâmetros do direito ao trabalho. Mas não é tão comum essa mobilização. Tem algo novo atrás disso?
Valdete Severo: Acho que o evento mais importante da classe trabalhadora dos últimos tempos, junto com a mobilização pela redução da jornada, é esse breque dos APPs, que começa lá na pandemia. Esses trabalhadores conseguiram fazer uma paralisação durante a pandemia, que teve repercussão nacional, porque a atividade deles se tornou parte das nossas vidas.
É importante que o mundo do trabalho, e também o jornalismo, se dê conta do quanto esses trabalhadores estão mobilizados à custa da própria sobrevivência. Como eles não têm os direitos sociais reconhecidos, parar um dia significa não receber.
“Embora direito fundamental na Constituição de 1988, o direito de greve nunca foi efetivamente garantido”
Na verdade, eles estão recuperando um sentido de greve que fazia muito tempo que a gente não via acontecer. A greve tem sido bastante reprimida, a realidade é essa. Embora se tenha transformado o direito de greve em direito fundamental na Constituição de 1988, o direito nunca foi efetivamente garantido. O Estado sempre tratou como realmente algo ilícito. A própria grande mídia milita contra o movimento paredista. O que temos visto é que só quem ousa fazer greve são os servidores, porque têm ainda alguma garantia de se manter trabalhando.
“Os trabalhadores por aplicativos são as pessoas que mais morrem jovens”
Esses trabalhadores (por aplicativos) mostram uma espécie de ressignificação desse fenômeno social que é a greve, porque eles estão também à margem da institucionalidade. Ousam parar mesmo à custa da remuneração do dia. Para mostrar à sociedade que eles são as pessoas que mais morrem jovens. Os motociclistas têm um índice de mortalidade gigantesco, inclusive pelo fato de que essas empresas prometem a entrega do produto em pouco tempo. E entregar um produto em pouco tempo em cidades maiores como São Paulo e mesmo Porto Alegre, significa andar de forma perigosa no trânsito.
São pessoas que se acidentam, que têm que suportar os riscos da própria atividade, porque a moto é deles, porque são eles que colocam a gasolina. São explorados numa situação que é a típica situação de que o direito do trabalho cuida. Há uma empresa que oferece vantagem econômica com o trabalho deles, e remunera esse trabalho com padrões que essa ela estabelece. É a típica relação de emprego mas existe um silenciamento inclusive do governo em relação aos direitos dessas pessoas. Então, é algo que temos que saudar, respeitar e estimular. É efetivamente a prova de que a transformação social, as mudanças se dão pela organização coletiva da classe trabalhadora.
“Os motoboys não aceitam estarem reduzidos a uma condição de precariedade”
Uma liderança do Sindimoto, de São Paulo, cobrou uma maior atuação do governo federal na questão da regulação do setor. Mas lembro que, algum tempo atrás, começou esse debatee havia divergências entre os próprios trabalhadores por APPs…
O que acontece? Eles estão mobilizados pedindo direitos sociais e mais garantias desde antes desse atual governo. Quando o governo (Lula) entra, existe uma fala sobre um diálogo maior com esses trabalhadores. Efetivamente se criam comissões, realizam-se reuniões para tentar chegar a uma espécie de acordo sobre uma regulação que os tire um pouco da informalidade. Mas o resultado final é que o governo acaba apresentando um projeto de regulação que é aquele que interessa às empresas que exploram essa atividade e não aos trabalhadores. E aí consegue a aderência de uma parte dos trabalhadores que são os motoristas de automóveis.
Os motoboys, que são efetivamente a parte dessa classe trabalhadora que se mobiliza desde a pandemia, que têm uma consciência de classe, que têm plena ciência da condição de trabalho deles e sobre o que está faltando para que tenham uma possibilidade de vida minimamente decente, dizem não. Dizem que não vão participar do evento de apresentação do projeto que o governo fez, que não vão assinar esse tipo de proposta de lei. Não é ‘o que a gente quer, a gente quer garantia social efetiva, quer direito do trabalho’. E aí promove-se essa cisão.
Embora exista divergência também entre os motoristas de automóvel, claramente a posição mais contrária ao projeto é dos motoboys. Eles não aceitam estarem reduzidos a uma condição de precariedade. Esse é o projeto: considera que eles são autônomos, garante alguns direitos, mas não garante o vínculo de emprego.
Vê-se claramente que tem uma divisão de classe. Quem trabalha com Uber é um tipo de trabalhador e quem, por exemplo, aluga uma moto ou uma bicicleta é outro tipo de trabalhador, mais precarizado ainda. É interessante ver pois a gente enxerga os trabalhadores de aplicativos como um todo o que, na verdade, não são.
A gente não pode generalizar. Entre os motoristas de automóvel também tem bastante gente que está se dando conta na real. O trabalho foi vendido como um algo que ‘posso fazer quando eu quiser, como um bico, que está tudo certo, que não tem chefe’…
“Tem práticas dessas empresas que lembram até o capitalismo industrial. A ideia do ‘gancho’, por exemplo”
Eu decido a minha vida, os horários que eu quero fazer…
Alguns dos trabalhadores se dizem autônomos. Claro, a gente é produto das circunstâncias. Se todos os dias escuto no rádio que é muito bom ser autônomo e não ter o chefe ali cobrando horário, que os motoristas são parceiros, que a Uber é uma empresa de tecnologia e não de transporte, aquilo acaba sendo introjetado de algum modo. Mas também há muita gente consciente de que, se estraga o carro, fica sem remuneração, sem possibilidade de vida. E tem práticas dessas empresas que lembram até o capitalismo industrial. A ideia do ‘gancho’, por exemplo. Se a pessoa faz algo com que o empregador não concorda, ele impede o trabalho por dois ou três dias. As empresas fazem isso, bloqueiam esses motoristas.
Ou seja, não tem direitos, mas tem deveres…
E estão também à mercê das práticas, por exemplo, de preços que as empresas colocam, das viagens que podem ser feitas ou não. Tem toda uma gestão, um direcionamento da atividade que é muito típico da figura do empregador.
Acho bem interessante a sua colocação porque percebemos com isso que a consciência de classe, para usar um termo marxista, não depende necessariamente de uma condição econômica melhor ou pior. Quem vive a realidade dura de ter que trabalhar para sobreviver e não ter o mínimo de proteção social, sabe exatamente o que está passando. Eles dão uma aula para a gente quando falam, porque têm a plena consciência da situação, da precariedade do vínculo que essas empresas firmam com eles, do quanto elas auferem lucro e eles ficam marginalizados e de quanto isso é insuportável ao longo da vida.
“Classes que se organizaram e conseguiram arrancar leis trabalhistas, como os ferroviários e os tipógrafos, no início do século 20, brigaram por proteção social como os motoristas por aplicativo estão fazendo”
É uma lição para as classes trabalhadoras que podem hoje contar com o direito trabalhista porque as gerações que as antecederam fizeram essa luta que agora os motoboys estão fazendo. As classes que se organizaram e conseguiram arrancar leis trabalhistas no Brasil como os ferroviários, os tipógrafos, lá no início do século 20, também não tinham nenhum tipo de proteção social. Brigaram por isso, como agora os motoristas por aplicativo estão fazendo.
Estão recomeçando do zero depois dessa tempestade que foi a reforma trabalhista do período Temer e que precarizou muito o trabalho. Já tinha esse trabalho por aplicativo, mas a coisa se agravou…
As piores alterações da CLT já eram praticadas na Justiça do Trabalho, nas convenções coletivas. Nesse sentido, (a reforma) é uma espécie de continuidade de uma lógica de precarização e desmanche que, se pensarmos só no período pós-Constituição, nunca parou em nenhum governo. Mas, ao mesmo tempo, é uma ruptura em termos simbólicos. Como se, com a aprovação da reforma da forma como foi, com aquele açodamento, não passando pelas comissões, houvesse uma declaração explícita do Estado de romper com o compromisso que tinha até então quanto aos direitos trabalhistas, ainda que não fossem efetivamente alcançados por boa parte das pessoas que vivem do trabalho.
A reforma é, em alguma medida, um marco desse momento neoliberal, de uma agressão mais ostensiva à classe trabalhadora que dá essa impressão de que temos que recomeçar do zero. Dá uma sensação de que tínhamos uma ideia, pelo menos, de conquista de direitos que, em larga medida, é rompida pela reforma…
“Isso tem muito a ver com a fundação do Brasil, com esse escravismo que nunca nos abandonou enquanto cultura”
E essa precarização passa a ser naturalizada. Dizem assim, ‘Não, é isso mesmo, não tem solução. É a tecnologia, é o mundo novo, acabou o emprego’. Uma das falas de Jair Bolsonaro na campanha de 2018 é muito clara sobre o que pretendia fazer. ‘Vamos ter que decidir entre ter direitos e ter emprego’, disse. Muita gente entronizou isso, tipo ‘O negócio é isso mesmo, agora não tem mais emprego, não tem mais jornada de oito horas, acabou’. Agora a jornada é de 12, 13, 14, 15 horas. E não tem mais feriado, não tem mais domingo, não tem mais sábado.
Sempre penso que isso tem muito a ver com a fundação do que a gente chama Brasil, com esse escravismo que nunca nos abandonou enquanto cultura, porque parece tão fácil desmanchar o discurso constitucional. Está lá a Constituição dizendo ‘máximo de oito horas’. Existe uma naturalização dessa jornada perversa de 12 por 36 horas. É uma falácia, as pessoas não descansam 36 horas.
Desde a reforma, é possível ajustar individualmente, trabalhar 12 horas sem intervalo. Vocês imaginam num hospital, na vigilância, enfim, na limpeza e conservação, são trabalhos que demandam força física, atenção. As pessoas ficam 12 horas sem intervalo e isso é regular. Quando aconteceu agora há pouco, aquela história com uma rede de supermercados, qual foi a primeira reação da empresa? Foi dizer ‘Olha só, a gente está cumprindo a lei, não tem nenhuma ilegalidade’. E eles estão certos. Isso é o que mais dolorido.
Tem inclusive um acordo assinado pelo sindicato.
Exato. E isso acontece desde a década de 1990, acordos assinados por sindicatos dizendo que não precisa intervalo, que a gente vai prorrogar a jornada mesmo sendo atividade nociva, insalubre. Não tem como explicar isso só com a ruptura democrática de 2016 ou só com a reforma (trabalhista). Existe uma cultura em que, por mais que se esforce e que tenha em alguma medida avançado com a Constituição de 1988, a gente não toca. É como se a gente conseguisse mexer aqui, mas no fundo, naquela raiz escravocrata, naquela sensação de que o empregado tem que ser punido, de que o trabalho é favor, o salário é favor, porque o trabalho por quase 400 anos foi explorado sem nenhuma remuneração.
Puxa, agora eles recebem? Estão ganhando, estão reclamando do quê? Só porque estão em más condições? Só porque levam castigos físicos? Só porque estão escravizados? Mas eles até recebem. Então existe uma cultura que é difícil. Passa pela educação, passa por uma reformulação mais profunda da nossa concepção de trabalho. Numa sociedade em que o trabalho remunerado é a condição para a nossa sociabilidade. Não tem consumo, não tem circulação de riqueza sem ter trabalho remunerado.
Todo o campo dos direitos sociais, que é essa espécie de compromisso para tentar humanizar o capitalismo, e que é um compromisso que está sendo rompido agora, só mostra que não saímos de lá, daquele momento fundacional do Brasil que é instaurado sob essa lógica.
“Há uma dificuldade grande de perceber que o que fazemos com a terceirização é o que fazia com os escravizados de ganho”
Parece que a terceirização é a face mais perversa desse modelo quando vemos os casos de trabalho escravo a partir da terceirização. Aliás, em uma coluna para o Brasil de Fato RS, escreveste que andas com raiva, cansada e triste de falar sobre a terceirização.
E por quê? Estou na magistratura e no magistério há quase 25 anos. Desde que entrei na magistratura debatemos esse tema mostrando a perversidade. Quando fiz doutorado na USP, fizemos uma pesquisa de campo entrevistando os terceirizados em Brasília. Quase a metade do Ministério da Justiça já era de trabalhadores e trabalhadoras terceirizados. Isso foi em 2015, faz 10 anos.
E assim, o que a gente enfrenta no nosso campo, não no outro campo? Porque o outro campo, eles nem argumentam. Para eles está tudo certo. É uma forma de reestruturação, de exploração de trabalho e de produção e especialização de atividades. Mas, no nosso campo, enfrentamos o discurso de que ‘Não, são só certas atividades, é especialização, tem que regular’. Isso é uma prova contundente da nossa racionalidade escravista.
Há uma dificuldade muito grande de perceber que o que fazemos com a terceirização é exatamente o que se fazia com os escravizados de ganho. É transformar a pessoa realmente numa peça. Praticamente todos os dias em sala de audiência, tenho discussões em que está naturalizado, por exemplo, o fato de que um vigilante trabalha uma semana durante o dia numa empresa, na semana seguinte à noite, 12 por 36 horas em outra. Daí, depois de duas semanas, passa para um regime de 5 por 12 horas. Como se a pessoa não tivesse vida, como se não precisasse ter tempo para estudar. E isso sequer é problematizado. O que vem no pedido? Pedido de horas extras, às vezes, a partir da 12ª hora. Quando o que tinha que estar ali era dizer ‘Olha só, isso aqui é uma pessoa, ela tem afetos, ela tem vida, ela tem que poder querer estudar, ela tem que poder ter tempo’.
Como alguém vai ter tempo para se organizar minimamente na vida, se trabalhar cada semana num regime diferente, num lugar diferente? Como vai formar relações? No ambiente de trabalho a gente cria afetos. Terceirizado não consegue criar afeto. Mesmo quando está num lugar só – o que o tomador faz, especialmente a administração pública, que é a maior tomadora que temos, inclusive a Justiça do Trabalho – troca as pessoas de lugar. Na minha realidade do tribunal, tem pessoas que estão lá limpando os banheiros, a cozinha, o ambiente de trabalho e, daqui a pouco, um mês, dois, três, somem. Vem outras. Mas cadê a dona fulana? Ela não tem o direito de criar laços. Isso não é nem salário baixo, nem a eliminação das férias que acontece na terceirização, não é nem falar do fato de que ninguém responde aos direitos dessas pessoas.
Agora tem a decisão do STF dizendo que trabalhador tem que demonstrar que a administração pública, por exemplo, agiu com culpa quando terceirizou. Meu Deus! A Constituição diz que contrata por concurso. Terceirizou. Mesmo que parta do pressuposto de que é uma opção administrativa válida, o que a Constituição diz (é que) contratar gente é por concurso público. Artigo 37. Mas vamos admitir que há essa opção. Ao optar, a administração pública causou esse dano. O que mais precisa?
Eu estava numa audiência em que o Estado dizia ‘Não, a gente renovou o contrato com essa prestadora’. Que não estava na audiência, que nem apareceu. E o trabalhador dizendo ‘Olha, eu preciso provar a culpa, meu Deus, tem uma prestadora que já desapareceu, que não vem responder ao processo’.
“Pessoas chegam para trabalhar e recebem a notícia de que a empresa desapareceu. Acontece todos os dias”
E isso é recorrente, não é?
Todos os dias. Aí vai lá o estado, o município, não importa. Muitas vezes sem preposto, só o advogado, só o procurador, que não presta declaração porque estão ali na qualidade de advogados. Há uma prestadora que já desapareceu. Ou que não tem sede própria, não tem conta em banco, não tem como responder. E eles estão ali tranquilos porque quando (o processo) chegar no TST ou no STF, é muito provável que eles saiam do processo. E ninguém vai pagar essa pessoa.
Nem estou falando de pagar, sei lá, diferenças salariais por acúmulo. Não, estou falando de rescisão. Estou falando de pessoas que chegam para trabalhar e recebem a notícia de que a empresa desapareceu e não tem seguro-desemprego encaminhado, não tem saldo de salário, não tem aviso prévio. Acontece todos os dias.
E essa empresa já se transformou em outra empresa. Já é outra fazendo a mesma coisa que vai repetir depois em outra empresa. Imagino que seja assim.
Vocês lembram de um grupo que opera ou operou em Porto Alegre? É uma família que vai mudando a denominação e ganhando licitações. Por quê? Porque as licitações são feitas por menor preço. A facilidade com que as pessoas que operam no mundo do trabalho, tanto a administração pública, quanto o próprio Poder Judiciário, tem que ignorar completamente o artigo 37 da Constituição… É isso que dá o cansaço.
Na prática, na realidade da vida como ela é, significa gente sofrendo. Pessoas que estão ganhando muito pouco e cujos contratos terminam em regra desse jeito. É a regra. Não é a exceção. A regra é essa prestadora que dura de dois a três anos. Tem pesquisas mostrando isso. Licitou por menor preço e não consegue manter a prestação de serviços. E aí desaparece, cria outra denominação, some no ar sem deixar vestígios. Fica só o ente público que, às vezes, retém crédito e paga parte da rescisão para as pessoas. Retêm os últimos créditos da prestadora e dizem ´Só vai dar para pagar 50% da rescisão de vocês`. Distribui entre todo mundo e depois espera o processo caminhar até onde for preciso para sair fora e não responder por mais nada.
“Qualquer terceirização tem como resultado concreto precarização das condições sociais”
Não é uma outra empresa. É o próprio Estado. Ele criou a regra que temos na Constituição. E descumpre essa regra e não quer responsabilidade por isso. Sem falar na terceirização no ambiente privado. Se a gente tivesse compromisso com o discurso constitucional há muito tempo teríamos decisões judiciais, teríamos leis proibindo terceirização e não a terceirização da atividade fim, o que quer que isso signifique. Qualquer tipo de terceirização. Porque qualquer terceirização tem como resultado concreto precarização das condições sociais.
Quando falamos em pejotização, em uberização, estamos falando de uma sequência de produção de cultura no mundo do trabalho de retirada de direitos e de precarização.
E isso começou nos anos 1990?
Começa bem antes. Mas o boom é nos anos 1990. Depois da Constituição.
Na entrada do neoliberalismo. É um sistema muito bem pensado. É o período dos governos Reagan, nos Estados Unidos, e de Thatcher, na Inglaterra, e que depois vai de espalhando.
Temos a lei da vigilância que é da década de 1980. Aí também enxergo com nitidez muito grande o escravismo.
O que é a lei da vigilância?
A lei da vigilância diz que é possível ter uma empresa só para colocar vigilantes para trabalhar para outras empresas. Terceirização. Mas não incomodava ninguém. Quem são os vigilantes? Na sua maioria, homens racializados. Quando chega a década de 1990, a administração pública começa a terceirizar limpeza e conservação. E todo mundo justifica. Não, é atividade-meio. Pode. Por quê? Porque na limpeza e na conservação a maioria são mulheres racializadas.
Quando a terceirização chega no TI, na fábrica, nos setores onde tem gente branca, aí incomoda. E o mundo do trabalho começa a achar que a terceirização pode estar sendo demais. Só que aí é tarde. Na minha percepção, a decisão, por exemplo, do Supremo Tribunal Federal dizendo que trabalhador tem que provar culpa, o STF dizendo que pode terceirizar qualquer coisa não é mais do que o resultado de um processo histórico que tem o primeiro marco decisivo na súmula 331 que é do próprio TST. O TST abriu essa porta.
Que é o quê?
É a súmula que permite terceirização de atividade de MEI (microempreendedor individual) e de limpeza e conservação. Vigilância, limpeza e conservação e outras atividades MEI, que é de 1993. Por isso, a década de 1990 tem um boom em termos de terceirização tanto no serviço público quanto na iniciativa privada.
“Quando falam em Estado grande estão sempre falando em direitos sociais”
Aí vem a reforma administrativa…
Exato. Cada vez diminui mais o tamanho do Estado.
E até hoje a mídia ainda acha que o Estado é grande e tem que diminuir mais…
Mas é engraçado isso. Quando o Estado vai salvar empresa tipo Lei de Recuperação Judicial ninguém reclama. Não tem problema. Aí o Estado tem que ser grande. Quando falam em Estado grande estão sempre falando em direitos sociais. É isso que é interessante perceber.
Quando surgiu essa discussão de quem recebe até R$ 5 mil mensais não pagar imposto de renda, uma das manchetes da GloboNews advertia que a proposta custaria R$ 25 bilhões ou algo assim. Ou seja, o enfoque no gasto apenas e não no benefício para quem ganha até R$ 5 mil. Como se fosse um dinheiro botado fora…
E ver como isso também tem a ver com a nossa cultura, não é? Tem um senso comum aí. A linguagem é usada para convencer mais ainda de que o dinheiro (do Estado) pertence a um grupo só de pessoas.
Até porque vai reduzir de quem ganha até R$ 5 mil mas vai aumentar de quem ganha mais, a partir de R$ 50 mil mensais…
E isso é o mínimo. Ás vezes, as pessoas dizem ‘Ah, mas eu não quero…’ Não, meu amigo. Tu não és super-rico. Tens uma casa na praia e um carro… Reduz um pouco a desigualdade. Só reduz um pouquinho uma desigualdade insuportável. Não tem mais segurança para andar de noite na rua. Mas por que será? Quanto mais eu aumento a desigualdade mais aumento a dificuldade de convivência social das pessoas.
“Vivemos numa sociedade muito adoecida por falta de tempo. Porque as pessoas estão trabalhando demais”
Vamos entrar na questão da escala 6 x 1. A redução de jornada é uma luta antiga. Vem lá do 1º de Maio dos Estados Unidos. Oito horas de trabalho, oito de estudo, oito de lazer. Me parece que o tema vem reavivar o movimento dos trabalhadores. Com muitos jovens, inclusive, participando. As frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e as centrais sindicais vão chamar um plebiscito para setembro, justamente para tratar da redução da jornada e da tributação dos super ricos. Como vê esse cenário?
Brinco que tenho um otimismo patológico. Senão, a gente desiste. Acho que nunca se enfrentou um momento assim, tão difícil. A briga pela redução da jornada é essencial para qualquer mudança de horizonte que a gente queira ter. Isso conversa com as pessoas. Quando falo de tempo de vida, as pessoas sabem do que se está falando. Vivemos numa sociedade muito adoecida por falta de tempo. E não é falta de tempo por conta do ritmo, da tecnologia, não. É porque as pessoas estão trabalhando demais. É realidade em praticamente todos os setores.
Existe uma certa mistura que a pandemia ajudou a fazer entre tempo de lazer e tempo de trabalho. As pessoas são demandadas no tempo inteiro. E isso nem toca na questão do projeto de lei que é a redução. Na verdade, é uma redução da carga semanal porque não existe na lei uma previsão de jornada 6×1.
Mas é que se formos observar a Constituição são oito horas por dia e 44 por semana. Oito de segunda a sexta e mais quatro no sábado. A realidade é que o comércio faz oito horas seis por um. É disso que eles estão falando. É uma demanda antiga. Temos projetos de lei no Congresso Nacional discutindo redução de jornada há muito tempo. Essa foi a pauta do (senador) Paulo Paim por décadas. Há muito tempo ele tem um projeto de 40 horas e tem outros propondo 36 horas semanais. Enquanto temos essa discussão lá, aqui, (ocorre) o aumento cada vez maior da jornada.
A jornada de oito horas é uma luta do século 19. Na internacionalização dessa luta, no início do século 20, a Convenção 1 da OIT fala de jornada de oito horas numa lógica de dividir o dia em três. O que não se justifica. Se eu pegar um terço para dormir e um terço para trabalhar, sobra um terço para todo o resto, inclusive para repor energia, se alimentar. Preciso usar um terço do dia para me alimentar e para viver fora do trabalho. Isso já é absurdo com a tecnologia que temos. É completamente anacrônico e não tem mais nenhuma justificativa. Mas o que vemos não é a discussão sobre essa jornada. É tentar reduzir uma prática que aumentou essa jornada. As pessoas não trabalham mais oito horas. Trabalham muito mais. Então, é uma luta essencial pôr em pauta o tempo de trabalho.
“Nos processos, tem gente que aparece trabalhando, às vezes, 15 dias sem folga”
É preciso dizer que essa mobilização começa com movimentos sociais que se posicionam efetivamente à esquerda, o que não tem acontecido com os sindicatos no Brasil. Se a gente pensar na esquerda como uma crítica à forma de viver em sociedade, na exploração do trabalho pelo capital, é essa juventude que está mobilizando as pessoas. Estão conversando com as pessoas. É panfletar e perguntar ‘Tá boa a sua vida?’, ‘Está bem viver indo para o trabalho todos os dias de manhã e chegando em casa quando seu filho já está dormindo?’
Isso as pessoas conseguem compreender, atingindo-as muito mais porque fala do corpo e do dia-a-dia delas em vez de outras pautas que o movimento sindical encampa. E nessa questão o silêncio do movimento sindical me inquietou bastante. Por isso acho bom que eles estejam vindo agora a reboque.
Logo que a pauta foi colocada pela Erika Hilton (deputada PSol/SP) a primeira fala do ministro do trabalho foi ‘Deixa os sindicatos negociarem. Está tudo certo’. Não! É um governo de trabalhadores! Como pode um ministro dizer uma coisa dessas? Que tipo de negociação é possível? Se o quadro que temos é de jornada de 12 horas sem intervalo? Falar 6×1 é ainda falar pouco. Nos processos, tem gente que aparece trabalhando, às vezes, 15 dias sem folga. E isso está registrado, não é escondido.
Na matéria do Brasil de Fato RS sobre essa empresa de supermercados era 10×1…
Pois é. E o que eles dizem? ‘Não, a gente tem acordo’. Sim, mas não é razoável. Não é necessário. Contratem mais gente. Qual é o sentido de viver numa sociedade em que a gente cumpre as regras do jogo, faz o que tem que fazer, paga imposto e passa o tempo inteiro trabalhando? Qual é o sentido dessa vida? Porque é isso que as pessoas estão perdendo. E aí começamos a entender por que há uma fascistização da sociedade. Por que voto em quem quer me matar. Essas coisas acontecem porque as pessoas estão exaustas.
Tem uma carga física imensa e uma carga psíquica brutal trazida por essa insegurança. ´Não sei o que vai acontecer comigo, com a minha família. Será vou ter dinheiro para pagar essa dívida?` Esse tipo de coisa…
Não é? Vem junto com outras coisas.
O adoecimento que estavas falando… Em Caxias do Sul, uma professora foi esfaqueada por três pré-adolescentes. Ou seja, a família não tem tempo para ver o que está acontecendo com seus filhos…
Exato. E vem com outras coisas. Se o salário é baixo, a jornada alta e ainda por exemplo tem uma lógica de metas, a insegurança é absoluta. Não é só ficar todo o tempo acordado. Preciso ficar trabalhando e ligado para ninguém vender mais do que eu, para ninguém ser o melhor empregado do mês que não seja eu, para ver o outro como inimigo…
Competição no tempo inteiro.
De fazer com que a pessoa fique ligada o tempo inteiro. Precisa ser melhor que os outros. Precisa cumprir metas senão não vai conseguir. Conseguiram destruir a carreira dos bancários, terceirizar boa parte do serviço bancário, criar essa lógica absurda. A pessoa é contratada por uma empresa que não é banco, faz tudo o que um bancário faz, mas ela não é bancária. Então, não tem carreira.
“É de se pensar o quanto isso tem a ver com a guinada para a extrema direita”
Uma empresa de tecnologia…
É a mesma lógica. Há uma pulverização para destruir a carreira que acaba tendo aderência no sistema de justiça porque a resposta da Justiça é ‘Tudo bem’. Ele é um financiário ou nem isso. Ele é um correspondente sei lá o nome… Essas pessoas não conseguem mais ter identidade. Mesmo quem está dentro do banco está lutando para competir com os próprios colegas porque tem que atingir metas muitas vezes inatingíveis. E numa lógica de trabalho que não se resume a oito horas por dia e, às vezes, nem a seis dias por semana. É de se pensar o quanto isso tem a ver com a guinada para a extrema direita. Tem tudo a ver.
Se eu tenho uma pessoa exausta, o que ela faz quando chega em casa? Vai para o WhatsApp, o Instagram que o algoritmo já selecionou o que vai e não vai enxergar, vai reforçando preconceitos. Sabemos muito bem qual é o objetivo de quem dirige esses algoritmos, de quem direciona essa comunicação. Esse conteúdo vai sendo introjetado e essa pessoa não tem ânimo, não tem condição de olhar para o lado.
Está desesperada, quer uma coisa para tirá-la desse desespero…
Ouvi que nunca foi tão ruim a análise do governo. Tem um percentual da população achando que o governo atual é pior que o anterior. Dá vontade de desligar o rádio. Se alguém pode achar que o governo atual, com todas as críticas que merece, é pior do que um governo que negou a pandemia, que negou a vacina, que hostilizava as pessoas, que promoveu discursos de morte, alguma coisa está muito errada em termos de sociedade. Temos que parar tudo e dizer ‘Vamos começar de novo’. Não tem como comparar.
A revolta desse trabalhador que estamos imaginando é por conta das condições que ele está enfrentando para sobreviver.
Claro.
Quem está fazendo isso com ele? Uma entidade chamada o ‘sistema’. Se o ‘sistema’ faz isso ‘então vou votar no candidato antissistema’. Então vota em Bolsonaro, em Javier Milei, em Donald Trump.
É importante que dizer que eles não estão errados nesse raciocínio. Eles sentem essa dificuldade de sobreviver. A questão é como dialogar com essas pessoas que dê conta de pensar o que nos trouxe até aqui. Essas pessoas estão exaustas. Esse é o ponto. Não é ‘Ah, eles não sabem o que fazem’. Existe uma dificuldade muito grande de ter tempo para fazer aquilo que nos faz pensar sobre as coisas: ler, conversar, que é olhar para o lado, participar da comunidade em que a gente vive. As pessoas não estão mais fazendo isso…
No chão de fábrica havia essa interação. Hoje o trabalhador vive em um mundo fragmentado.
Com menos identidade de classe porque ele não enxerga os colegas.
“O direito do trabalho não é revolucionário mas dá a condição material. O trabalhador tem que ter tempo para pensar o mundo à volta”
E não faz parte da vida dele, por exemplo, ‘Ah, eu vou participar de uma reunião do sindicato à noite’. Como ele vai participar de uma reunião à noite?
‘Eu estou exausto, peguei um ônibus lotado para chegar no trabalho, fiquei em pé o tempo inteiro, não tive intervalo porque estou vendendo o intervalo por acordo individual. Em vez de ir para casa ver os meus filhos eu vou para o sindicato’.
Não tem condição material. É isso que o direito do trabalho dá. Não é revolucionário mas dá a condição material. Quer dizer: jornada máxima, salário-mínimo. Isso é o mínimo para podermos pensar numa sociedade politicamente mais engajada.
O trabalhador tem que ter tempo para pensar sobre o mundo à volta dele. Para poder entender, por exemplo, por que no (bairro) Menino Deus estão retirando todas as árvores. Essa é a solução? Por que cai a árvore quando chove? Então, vamos tirar as árvores? As pessoas estão vendo isso acontecer ou estão indo trabalhar com fone no ouvido, gastando toda a energia e a possibilidade de pensamento no ambiente de trabalho e voltando para casa sem dar bola para nada porque já é de noite, porque nem enxerga. Vejam como tem relação.
Não ficarmos dizendo ‘As pessoas não estão percebendo, não têm inteligência suficiente’. Não, elas sabem aquilo que vivem. Só que é preciso ter condição material e tempo para poder refletir sobre isso para poder entender por que que a minha vida está pior agora. Em vez de dizer ‘Está pior agora, então o governo de agora é pior que o anterior porque está pior do que estava antes’.
Essa realidade, se a formos pensar na questão da mulher, sobe alguns degraus. E, se formos pensar na realidade da mulher negra, mais alguns. A questão da desigualdade salarial, a questão de quem é que faz, quem é que cuida dos filhos, quem é que cozinha, quem é que cuida da casa…
É aumenta muito. Se formos fazer recorte, nos damos conta de que essa violência é muito maior para determinadas pessoas do que para outras. E isso também não é um acaso. E isso também tem a ver com a nossa estrutura racista.
Voltando ao tema da escravidão, uma das coisas que ajuda a revelar o caráter da nossa classe média, alta classe média ou das elites, ocorreu quando no governo Dilma houve a regulamentação do trabalho do empregado doméstico. Muita gente entendeu isso como uma espécie de bofetada.
“Ingratidão”.
“Agora deu, né? Agora deu para essa mulher”.
Entrevistavam as empregadas para elas dizerem ‘Não quero direitos. A minha vida é tão boa, sou praticamente da família’. Lembro de ver isso na TV. Essa ‘ingratidão’ vem de uma lei que diz que a trabalhadora doméstica que acompanhar a família em viagem não está trabalhando. Que é possível ter acordo individual para trabalhar 12 horas mesmo que o salário tenha sido ajustado por oito.
Quer dizer, uma lei que não se livra da racionalidade escravista, que é fruto de conquista das próprias trabalhadoras, que tem que ser louvada, que promove avanços, mas que não consegue se livrar dessa lógica da mucama. Imagina uma regra, em 2015, dizer que se a empregada acompanhar a família em viagem ela não está trabalhando e só vai receber pelas horas efetivamente trabalhadas. Sim, mas ela não está em casa, está viajando como se ela fosse uma mala da família.
“A empregada doméstica que limpa cinco banheiros de uma casa não ganha adicional de insalubridade. Mas a pessoa que limpa os banheiros em um escritório ganha”
É uma lógica diferente da de outros trabalhadores.
Exato. Como é possível que isso seja colocado numa lei que é fruto de uma conquista difícil? De uma categoria que sai direto da escravidão para permanecer nas mesmas casas e ser tratada entre aspas como se fosse da família sob uma lógica escravista. Não tem outra explicação. Como eu vou dizer que alguém que sai para viajar, não escolheu viajar, não escolheu para onde vai, vai ficar, muitas vezes, no quarto com as crianças não está à disposição o tempo inteiro? Se o que a lei trabalhista diz é que quando estou à disposição do empregador isso é trabalho efetivo. Mas para a empregada doméstica não é lei.
A mesma lei não reconhece direito ao adicional de insalubridade para a trabalhadora doméstica. Uma mulher – em regra é a mulher – que faça limpeza em banheiros de um escritório ganha adicional de salubridade. Uma mulher que trabalha limpando cinco banheiros de uma casa não ganha só porque não tem previsão legal. Como se entende isso se não percebendo o quanto somos ainda uma sociedade escravista?
“Há o pressuposto de que (os terceirizados) são cidadãos de segunda categoria”
É uma é uma antiga negação da sociedade brasileira. Um país que foi o último das Américas a abolir a escravidão e que teve praticamente três quartos da sua história marcados e manchados pelo escravismo. É um fantasma à nossa volta.
Quando a gente pensa nos damos conta que não se trata só de ofensa de conduta individual. É uma estrutura. As pessoas não se espantam que a trabalhadora em âmbito doméstico não tenha direito (ao adicional de) insalubridade e acompanhando a família não esteja trabalhando.
A terceirização é também emblemática de uma racionalidade racista. Como posso achar que existem trabalhadores e trabalhadoras que podem estar à disposição do empregador para ir para onde ele quiser? Sem direito a um local de trabalho. Como que isso pode ser razoável em 2025? É a prática e ninguém se espanta. E isso nem é discutido judicialmente.
Discutem-se discutem as horas extras, mas o fato de que a pessoa deve ter um direito de pertencimento ao ambiente de trabalho, saber quem é o seu chefe, ter colegas, isso nem se discute. Parte-se do pressuposto de que são cidadãos de segunda categoria. Que podem se sujeitar àquilo que o empregador determina.
Na terceirização é mais evidente mas é uma lógica que está colocada para toda a classe trabalhadora. E essa é a nossa dificuldade de fazer valer direitos trabalhistas. E aí voltamos para a discussão da escala 6×1. Por que é tão difícil reduzir o tempo de trabalho no Brasil? Porque existe uma ideia de que o trabalhador tem que estar à disposição, afinal já está ganhando o salário.
O empregador é o benfeitor. E conseguiu, pelos méritos dele, chegar lá…
Exato. Quando se fala no empregado ‘Tem que punir’ mas ninguém cogita punir o empregador. Quem vive do trabalho fica numa posição de sujeição independentemente da norma jurídica. Mesmo que ele considerado ‘parceiro’ como é o caso do motorista, na prática, o que (as empresas) fazem? Trancam a plataforma. Por que bloqueiam a plataforma? ‘Ah, porque um cliente reclamou, porque não fez o trajeto…’ Mas vocês conversaram com ele? Não. A empresa decide e bloqueia. Então a empresa está dirigindo a atividade. Qual é a diferença disso para um vínculo de emprego?
Como a gente consegue naturalizar que esses sujeitos não tenham direitos? Está aí uma lógica de dois tipos de pessoas, a que se submete e que vai ser parceira e a outra que dita as regras do jogo. Isso não espanta. A maioria das pessoas não se incomoda com essa realidade.
Esta entrevista é uma versão compacta do podcast De Fato. Assista na íntegra:
