Os impactos da exploração de fontes energéticas em territórios indígenas foram um dos temas abordados no 21º Acampamento Terra Livre, realizado entre 7 e 11 de abril, em Brasília. A plenária “Por uma transição energética justa para todos os povos”, realizada no dia 9 de abril, abordou as violações de direitos, consequências ambientais e sociais, e os interesses econômicos que impulsionam esse modelo de desenvolvimento.
“O Brasil quer, nos próximos anos, ser um dos principais exportadores de petróleo do mundo. Mas isso terá um custo muito alto para nós, povos indígenas”, afirmou o cacique Kretã Kaingang, do Rio Grande do Sul.
Em março de 2023, o Ministério de Minas e Energia lançou o programa Potencializa E&P, com a meta de transformar o Brasil no quarto maior produtor mundial de petróleo, alcançando uma produção diária de 5,4 milhões de barris até 2029. Em fevereiro de 2024, o país formalizou sua entrada na Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep+) , a aliança de grandes produtores de petróleo.
Além disso, a liderança indígena relembrou os projetos legislativos que tramitam no Congresso, como a Lei nº 14.701/2023 (Marco Temporal das Terras Indígenas) e a PEC 490, que, para ele, podem acentuar os risco de impactos socioambientais nos territórios indígenas.
“Estão trilhando um caminho perigoso no Congresso. Propostas como a PEC 490, a Lei 14.701 e projetos que liberam mineração em terras indígenas ocorrem sem qualquer aplicação da Convenção 169. Seja ouro, prata, diamante ou qualquer outro tipo de extração, não aceitamos a exploração dos nossos territórios”, concluiu.
Os desafios da transição energética
A chamada transição energética tem sido severamente denunciada por lideranças indígenas e movimentos sociais como um processo que, na prática, viola direitos e aprofunda desigualdades. Os principais problemas apontados incluem a devastação dos territórios tradicionais, a ausência de consulta prévia, livre e informada — garantida por tratados internacionais —, o avanço de projetos de exploração de petróleo, gás e até de energias ditas “limpas” sem consentimento das comunidades.
“Nosso território está sendo devastado. Já não temos mais onde pescar ou caçar”, afirmou. Ele também criticou a ausência de consulta prévia aos povos indígenas e a negligência do Estado: “O governo também nos abandona. Existem órgãos que autorizam a exploração de gás e mineração em nossas terras sem consultar os verdadeiros povos que vivem nesses territórios”, denuncia o cacique Jonas Mura, do Amazonas.
Para a coordenadora da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp), Luene Karipuna, os saberes tradicionais devem estar no centro das discussões sobre transição energética. “Não queremos exploração de petróleo na Amazônia, nem em lugar nenhum. A energia precisa ser pautada pela sabedoria tradicional e ancestral.”
“Precisamos ter muito cuidado com esse termo, pois quando se fala em transição, geralmente se refere à energia eólica, solar e híbrida — e nós sabemos que é justamente em nossos territórios que essas estruturas estão sendo instaladas, destruindo nossos rios, nossos ambientes, nossos lares e também nossos conhecimentos tradicionais”, afirmou a liderança Karipuna.

“Explorar petróleo na Amazônia é acelerar a crise climática, é causar impactos diretos aos nossos territórios”, concluiu.
A advogada da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Maíra Pankararu, alertou para os impactos das chamadas energias “limpas”, como a eólica, que vêm sendo instaladas em territórios indígenas, inclusive em áreas sagradas. “Aquelas grandes pás estão entrando em nossos territórios, onde nem nós temos acesso livre sem rituais. E o Estado, junto a empresas privadas, forçam a entrada sem consulta. Isso é ilegal”, denunciou. “Não é energia limpa quando destrói o nosso modo de vida,” destacou.
“Falta um Plano Nacional de Transição Energética no país”
De acordo o diretor da ONG 350.org na América Latina, Ilan Zugman, é importante construir alternativas energéticas com base nos saberes tradicionais. “Hoje, não basta dizer ‘não ao petróleo’. Precisamos propor soluções. O Brasil precisa de um Plano Nacional de Transição Energética Justa, com energia de baixo impacto, descentralizada e gerida pelas comunidades.”
Ele citou como exemplo a Comunidade São Raimundo, no Médio Juruá (AM), que implementou um sistema de energia solar conectado à produção sustentável de pirarucu. “São essas soluções que a gente precisa que o governo implemente e os bancos invistam. O problema é que os governos seguem querendo investir nos modelos ultrapassados e não têm a coragem de romper os ciclos da indústria fóssil”, criticou Zugman.
Mapeamento e leilões
Outro tema crítico da plenária foi sobre os impactos da atual política energética brasileira a partir do loteamento de territórios no país com foco na exploração de energia fóssil.
O assunto foi debatido pela diretora-executiva do Instituto Internacional Arayara, Nicole Figueiredo de Oliveira. Segundo ela o Brasil possui 2.658 blocos de exploração de petróleo e gás, dos quais 48 afetam diretamente 56 Terras Indígenas (TIs). Ao todo, 230 TIs estão ameaçadas por projetos energéticos. “Isso representa 28% de todas as TIs do Brasil. É um ataque em larga escala aos direitos originários e à preservação ambiental”, afirmou Oliveira.
Desde 2021, a Agência Nacional do Petróleo (ANP) promove leilões que colocam em risco territórios indígenas, áreas costeiras e a Amazônia. Para movimentos ambientais e lideranças indígenas, trata-se do “Leilão do Fim do Mundo”. A próxima rodada de leilões de petróleo e gás está prevista para acontecer no Rio de Janeiro, no dia 17 de junho.
A diretora do Instituto Arayara citou a licença do bloco FZA-M-59, localizado na costa amazônica, o qual se tornou um símbolo da resistência ambiental pelos indígenas e organizações contra a venda para exploração de petróleo. O local fica na Margem Equatorial, que se estende do Amapá ao Rio Grande do Norte. “Se o bloco 59 for licenciado, o Ibama perde qualquer argumento para barrar os próximos. A costa inteira corre risco. Não podemos permitir isso”, alertou.

Além disso, Oliveira denunciou também a falta de consulta prévia, livre e informada às comunidades locais em processos de leilão de territórios, o que viola a Convenção 169 da OIT, ratificada pelo Brasil. “A Constituição brasileira e tratados internacionais garantem esse direito sempre que houver medidas que os afetem diretamente.”
A ativista defendeu que é possível impedir os avanços de empreendimentos que impactam o meio ambiente e comunidades tradicionais a partir da mobilização popular e ações jurídicas. “Nós entramos nas consultas públicas, apresentamos pareceres técnicos, mobilizamos comunidades e usamos o caminho jurídico sempre que necessário. É possível barrar essas atividades. Não é só uma luta ambiental, é uma luta pela vida”, declarou.
ATL 2025
O Acampamento Terra Livre (ATL) 2025, em sua 21ª edição, reuniu entre 8 mil indígenas de mais de 200 povos originários de todas as regiões do Brasil, além de representantes de comunidades indígenas internacionais. Realizado em Brasília, de 7 a 11 de abril, o ATL é considerado a maior mobilização indígena do país.
:: Receba notícias do Distrito Federal no seu Whatsapp ::