Quem precisa de uma consulta médica especializada ou exame pelo Sistema Único de Saúde (SUS) na Região Metropolitana de Porto Alegre tem enfrentado uma longa espera. Em alguns casos, a demora ultrapassa um ano. A situação de hospitais superlotados e demora para iniciar um tratamento mobilizou prefeitos da região, que cobram ajuda dos governos estadual e federal.
Nos hospitais de Porto Alegre, que são referência para a maioria das especialidades do estado, a fila de exames quase dobrou em menos de dois anos – saltou de 84 mil para mais de 162 mil. Já os pedidos de consultas passaram de 155 mil para mais de 200 mil.

A Associação dos Municípios da Região Metropolitana, a Granpal, cobra dos governos estadual e federal mais recursos para os hospitais que recebem maior volume de pacientes. O presidente da Granpal e prefeito de Guaíba, Marcelo Maranata (PDT), diz que o cenário se intensificou após a pandemia e as enchentes.
Confira a reportagem em vídeo:
“Existe uma crise e ela tem vários fatores que somam-se ao processo, desde a saída da pandemia e isso, sim, tem reflexos importantes, que são as cirurgias eletivas e uma série de demandas que foram se acumulando e a população foi adoecendo. Logo depois disso, a gente tem três enchentes, uma em setembro, outra em novembro e outra em maio. E isso [se soma] ao acúmulo de pessoas que estão necessitando de saúde também, você vê agravada a saúde mental das pessoas. De alguma forma, isso vai refletindo na saúde física da população”, comenta.
Governo estadual não investe o mínimo constitucional
Maranata explica que um dos principais entraves é a insuficiência no repasse de verbas à Saúde pelo governo estadual. Entre as críticas estão os critérios de distribuição de recursos aos hospitais pelo Programa Assistir e a não aplicação do mínimo de 12% de receita estadual na Saúde, o que é uma obrigação constitucional. Os municípios afirmam que o investimento está em um pouco mais de 9%, o que equivale a R$ 1,5 bilhão a menos que o mínimo.

“Tem o projeto do Assistir que promete desafogar a região metropolitana e isso não acontece. A gente vê cada vez mais os hospitais e as filas, principalmente em demandas eletivas, aumentando. A isso soma-se que o estado que não investe os 12% em Saúde e a gente também busca essa colocação de recursos do estado, não só para botar mais dinheiro, que também não é só esse o problema, a gente está falando de estruturas que estão sobrecarregadas, então você precisa pensar a região metropolitana como um todo.”
Prefeitos recorrem ao governo federal
Além dos diálogos em andamento com o governo estadual, prefeitos da região foram a Brasília no dia 8 de abril e levaram o tema ao ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Está no pleito a mudança no limite de recursos federais destinados ao financiamento da atenção de Média e Alta Complexidade (Mac) do SUS.
“É necessário recompor também, fazer uma requalificação do Teto Mac, uma atualização da tabela SUS, e isso foi uma das coisas que a gente foi fazer em Brasília. E também fazer uma compensação daquele, de quem veio do interior para a Capital e que não estava referenciado para a Capital, para que a gente possa fazer aí uma junta de compensação”, pontua o presidente da Granpal.
Controle social reprova as contas do estado há mais de 10 anos
O Conselho Estadual de Saúde do Rio Grande do Sul (CES/RS) também destaca o não cumprimento dos 12% constitucionais em Saúde pelo governo estadual. “Historicamente, há mais de 10 anos a gente reprova as contas do estado”, afirma a presidenta do CES/RS, Inara Ruas.
Segundo ela, o Ministério da Saúde aceita o subfinanciamento para não travar a Saúde. “Mesmo o controle social reprovando as contas, o Ministério da Saúde, mesmo sendo um governo de bandeiras diferentes, aceita as contas do estado. Por quê? Porque se o Ministério da Saúde também reprovar as contas do estado, ele vai parar de mandar recursos. Parando de mandar recursos, daí a saúde para de vez.”
Ruas aponta que os problemas começam já nos postos de saúde, já que a Atenção Básica, além de subfinanciada, tem sido entregue à iniciativa privada. “É que se investe pouco em Atenção Básica. Se a Atenção Básica cumprisse seu papel de trabalhar com o seu território, com a saúde da família, com o médico de família, enfermeiro da Unidade de Saúde da Família (USF), enfim, com a equipe, com os agentes comunitários de saúde. Mas o que se vê em Porto Alegre hoje? 95% das unidades terceirizadas.”
Segundo ela, com a terceirização, as equipes atuam nos postos de saúde com contratos mas não são servidores públicos, o que gera rotatividade e prejudica o vínculo com os pacientes. “As equipes acham um outro salário melhor e vão para outro plantão e não existe a continuidade. A lógica da saúde da família, que é acompanhar aquela família, conhecer o seu território, isso hoje em dia praticamente não existe.”
Para o governo estadual, desafios são realidade nacional
Já a Secretaria Estadual de Saúde evita falar em crise. Para a diretora do Departamento de Gestão e Atenção Especializada da pasta, Lisiane Fagundes, o termo correto é “desafio”. “Os desafios são gigantes na área de saúde pública. Isso faz parte do Sistema Único de Saúde e não é uma realidade só do Rio Grande do Sul”, afirma.
Fagundes reconhece a pressão nos hospitais, mas também defende que o problema começa na ausência de serviços pré-hospitalares de menor complexidade nos municípios. “A gente precisa ter estrutura de serviço que proteja a porta de grandes hospitais. Porque o grande hospital, grandes hospitais, eles precisam estar ali para atender aqueles casos que realmente são mais graves.”
Segundo a diretora, o estado tem ampliado investimentos e reativado serviços no interior para aliviar os hospitais da capital, com o programa Assistir. “O governo do estado, desde 2019, passa a fazer a organização da forma como eram distribuídos os recursos estaduais para incentivos hospitalares. O estado investia, aplicava, pouco mais de R$ 700 milhões por ano. Hoje nós já estamos em R$ 1,2 bilhão. Nós tínhamos a concentração de quase 50% dos recursos estaduais em menos de 8% dos hospitais e isso não acontece mais. A gente tinha uma ausência de critério técnico para a distribuição desses recursos e hoje os critérios são claros e objetivos.”
Sobre garantir o investimento mínimo de 12% na Saúde, ela diz que o tema está em análise. “Essa é uma pauta que está sendo tratada pelo governo, através da Procuradoria-Geral do Estado, então certamente a imprensa, enfim, todos os veículos terão informações sobre isso quando essa pauta tiver encaminhamentos do núcleo de governo e da nossa PGE.”
Municípios investem mais para suprir necessidades
Segundo o presidente da Granpal, enquanto não se amplia o financiamento, quem arca com o aumento da demanda especializada são os municípios. “Os municípios da região metropolitana, em média, investem 22% em saúde, quando o constitucional é 15%. Então se você faz essa análise, todos nós estamos colocando acima, retirando recurso da atenção primária e do recurso livre para colocar em alta complexidade, que não é a nossa vocação”, afirma.
Maranata diz ver boa vontade dos governos estadual e federal, mas ressalta que é preciso mais agilidade. “Agora a gente tem que dar o remédio. E não interessa o preço do remédio, a gente tem que ir atrás dos recursos para salvar a população nesse momento de angústia que a gente está vivendo e que antecede o inverno, que a situação tende a piorar.”
