Centenas de pessoas caminharam pelo centro de São Paulo, na tarde desta segunda-feira (14), exigindo justiça para o senegalês Ngange Mbaye, mais uma vítima da Polícia Militar (PM).
Os manifestantes, a maioria senegaleses, vestiam camisetas estampadas com o rosto de Mbaye, vendedor ambulante agredido e assassinado por policiais militares na tarde de sexta-feira (11), na região do Brás, na capital paulista.
“Se ele tivesse sido preso, eu cuidaria, levaria comida. Se tivesse com o pé quebrado, eu poderia levar comida no hospital. Mas o policial matou”, lamenta a senegalesa Soda Diop, conhecida como Mama. Há quase duas décadas, ela trabalha prestando apoio a imigrantes recém-chegados na capital.
“Eles não têm o direito de matar. Eles têm toda a possibilidade de nos deixar viver”, protesta Mama, lembrando que a polícia tem recursos para realizar a abordagem sem resultar em morte.
Antes de ser assassinado com um tiro no peito, Ngange Mbaye teve suas mercadorias apreendidas e foi espancado pelos agentes.
“Não foi uma fatalidade. Era uma situação já anunciada”, denuncia José Pedro dos Santos Neto, vendedor ambulante. Ele e outros brasileiros que trabalham nas ruas da cidade se uniram aos senegaleses para denunciar a violência policial contra esses trabalhadores.

Neto informa que, antes do assassinato de Ngage Mbaye, os ambulantes haviam procurado a prefeitura, o Ministério Público do Trabalho e a ouvidoria da PM para denunciar a violência policial. “A gente já tinha avisado com todas as letras que ia acontecer o pior. E é triste eu dizer: se nada for feito agora, vai se repetir essa história”, declara.
A vereadora Luana Alves (Psol) ressalta que o crime contra o senegalês é consequência das operações delegadas, que funcionam como convênios entre a Prefeitura e o Governo do Estado de São Paulo, permitindo que agentes da PM reforcem o policiamento na cidade durante suas folgas.
Essas operações têm foco no comércio de ambulantes. “Não tem nenhuma política pública para regulamentação do trabalho ambulante em São Paulo”, denuncia a parlamentar.
Na manifestação, o professor universitário Mamou Sop Ndiaye relembrou outro caso de violência contra um senegalês. Há um ano, Serigne Mourtalla Mbaye, conhecido como Talla, caiu do 6º andar, após ação policial no prédio em que morava na rua Guaianases, centro de São Paulo.
“Estamos aqui para dizer que matar senegalês não é algo normal. Não pode ser normalizado. A violência policial contra negros é conhecida de todas as formas, mas está ao limite de uma pandemia que nós precisamos eliminar”, diz.
No protesto, os manifestantes vendiam a R$ 50 as camisetas com a imagem de Ngange Mbaye para arrecadar fundos para auxiliar a família da vítima. O ambulante deixou a esposa grávida de sete meses. Segundo o advogado da família, Adriano Santos, que também integra a Comissão de Segurança Pública da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), eles fariam um chá de bebê no último domingo (13).

Parlamentares foram barradas em reunião com prefeitura
Os manifestantes caminharam da praça da República até o prédio da prefeitura, onde representantes da comunidade senegalesa entraram em reunião com o vice-prefeito de São Paulo, Coronel Mello Araujo (PL). Entre os participantes da reunião, estava Babacar Ba, cônsul honorário de Senegal em São Paulo.
Margarida Bernardina dos Santos Ramos, do Fórum dos Ambulantes e do Movimento de Luta dos Camelôs, o ouvidor das polícias em São Paulo, Mauro Cesari, a vereadora Luana Alves e a co-deputada da Bancada Feminista, Simone Nascimento (Psol) foram barrados da reunião.
“É inacreditável o que aconteceu hoje. Não permitiram que parlamentares entrassem e nem eu, da sociedade civil. Então, a gente não sabe o que eles discutiram lá dentro”, protesta Ramos.
Ao final da reunião, Babacar Ba, em entrevista ao Brasil de Fato, informou que haverá uma nova reunião nesta terça-feira (15).
“Nós vamos voltar na prefeitura para poder, junto com outros camelôs, que seja senegalesa, que seja congolês, que seja marfinense ou brasileiros, discutir como fazer para legalizar o trabalho dos camelôs”, diz.
Corpo será levado para o Senegal
De acordo com Alves, o consulado senegalês garantirá o translado do corpo de Ngange Mbaye.
“Existe uma questão religiosa, que o consulado apoia no translado, se é um cidadão senegalês morto numa situação de violência”, explica a parlamentar. “Então essa situação foi resolvida. Ainda que eu ache que o governo brasileiro deveria cobrir a despesa do consulado senegalês”, sugere.
A parlamentar destaca que o Estado brasileiro deverá cuidar, ainda, da indenização aos familiares da vítima e da responsabilização da prefeitura de São Paulo.
Presente na manifestação, a atriz e ativista Mariama Bah, pede a atenção do governo federal para as pautas dos imigrantes africanos. “Isto foi pauta na Conferência Nacional de Imigração [realizada em novembro de 2024]. Políticas públicas que nós não temos levam a esses tipos de tragédia, que são tragedias anunciadas, que poderiam ser evitados a partir de outras medidas”, diz.
Para ela, o governo federal, a prefeitura e o estado de São Paulo devem ser responsabilizados pela morte do ambulante. “A gente precisa dos direitos serem garantidos e, sim, eles precisam de reparação para a família do jovem. Isso para nós é um objetivo, é uma luta e é uma urgência que nós temos.”