Desde a implementação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida como ADPF das Favelas, no fim de 2019, o Rio de Janeiro viu uma queda significativa nas mortes decorrentes de ações policiais: de 1.814 registros em 2019 para 699 em 2024. A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), articulada pelo ministro Edson Fachin, determina uma série de regras para as operações policiais em favelas, como o uso de câmeras em viaturas e a proporcionalidade no uso das forças.
A professora Carolina Kristoff Grilo, da Universidade Federal Fluminense (UFF), coordenadora de pesquisas do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos (Geni), acredita que outras medidas determinadas pelo STF também foram fundamentais para essa redução, como o uso obrigatório de equipamentos de áudio e vídeo em fardas policiais e a exigência de prestação de contas das operações ao Ministério Público do estado. “Todos esses controles contribuíram para a redução da letalidade policial, embora tenhamos nos frustrado com a decisão final [da ADPF das Favelas], que voltou atrás em pontos importantes”, afirmou em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato.
Entre os maiores retrocessos, ela aponta a liberação do uso de helicópteros com plataforma de tiro nas operações e a retirada da proteção a escolas e unidades de saúde em perímetros de conflito. Ainda assim, Grilo considera que o atual cenário é “melhor do que o de 2019”.
Durante a entrevista, a pesquisadora ressaltou a importância da criação de uma comissão de monitoramento do cumprimento da ADPF no Conselho Nacional do Ministério Público. Apesar da subnotificação – cerca de 40% das operações não são comunicadas ao MP –, ela defende que o órgão atue com mais rigor. “A expectativa é que o MP, mesmo tendo sido leniente até aqui, passe a fiscalizar com mais responsabilidade”, pontua.
Sobre a atuação da Polícia Federal no estado, Grilo observa uma mudança de foco com a resolução final da ADPF: a investigação atualmente está restrita a milícias e facções; agora, deve atuar também em casos de graves violações de direitos humanos. “Se a PF passar a investigar chacinas policiais, isso pode significar um avanço na responsabilização do Estado e dos agentes envolvidos”, comemora.
PEC da Segurança Pública e acordo entre facções
Quanto à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) da Segurança Pública, Carolina Grilo afirma que o texto não avança pouco além de formalizar práticas já adotadas. “Há avanços na padronização de dados e na presença do SUS, o que é importante, mas não se trata de uma transformação estrutural. A PEC não resolve os problemas da segurança pública no país”, avaliou.
A resistência de alguns governadores à PEC tem um sentido político, na visão da professora. “Vivemos um crescimento do populismo penal e uso abusivo da força bruta por parte das policias, e a Polícia Militar virou plataforma de campanha para muitos governadores no Brasil. Então qualquer tentativa de controle ou limitação da força da polícia é vista como cerceamento da liberdade de ação por parte dos governadores, mas não há intromissão federal nas políticas de segurança pública estaduais, apenas a tentativa de estabelecer parâmetros democráticos para a condução delas.”
Por fim, Grilo vê com cautela a notícia sobre um possível acordo entre as facções Comando Vermelho e PCC. “Isso pode significar menos homicídios em territórios periféricos e favelas, onde as pessoas são muitas vezes vítimas em meio ao fogo cruzado. […] Mas é preciso desmantelar as redes criminosas por meio do ataque à sua base econômica, com a regulação de mercados explorados por esses grupos e o combate à lavagem de dinheiro”, observa. “O crescimento do crime organizado é um dos maiores desafios para a democracia brasileira”, afirma.