Atualmente enfrentando um pedido de perda de mandato com relatório aprovado na última quarta (9), o deputado Glauber Braga (Psol-RJ) entra, nesta terça (14), em seu sétimo dia de greve de fome. A ação foi deflagrada, segundo ele, como forma de responder politicamente às investidas de cassação, solicitada pelo partido Novo. Enquanto o tema ainda não tem data para ser submetido à análise do plenário, ao qual cabe a palavra final sobre esse tipo de pedido, a bancada do Psol e outras lideranças do campo progressista tentam costurar com atores dos demais grupos políticos da Casa uma eventual reversão do processo.
Braga responde a um processo de quebra de decoro por ter se envolvido numa discussão que chegou ao embate físico com um militante de extrema direita ligado ao Movimento Brasil Livre (MBL). Para casos de quebra de decoro, o Código de Ética da Câmara prevê quatro possíveis penalidades: censura, verbal ou escrita; suspensão de prerrogativas regimentais por até seis meses; suspensão do exercício do mandato por até seis meses; e perda de mandato. “Na aplicação de qualquer sanção disciplinar prevista neste artigo serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida”, diz ainda o documento.
Vice-líder do Psol e um dos articuladores políticos que buscam frear a cassação, Chico Alencar (RJ) afirma que o partido ainda não consegue projetar o possível resultado da votação do relatório em plenário. “Hoje mesmo conversei com parlamentares de direita e eles mesmos falam ‘cassação é algo pesado, é demais, mas vamos ver com o meu partido e tal’. Então, é um jogo cujo resultado a gente não tem muita clareza de qual será. Há muita animosidade contra o Glauber, sobretudo por causa da questão das emendas”, ressalta o deputado carioca, ao mencionar as críticas de Braga à política do orçamento secreto.
O partido tem investido também no discurso de que Braga seria alvo de perseguição por parte do ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL), com quem o deputado protagonizou diferentes enfrentamentos públicos nos últimos anos. À imprensa, o pepista tem negado participação no processo. Em nota enviada ao Brasil de Fato, afirmou que a acusação é “ilegítima”. Nos bastidores da Casa, diferentes parlamentares associam o pedido de cassação a uma eventual costura de Lira, fiador da eleição do atual presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), que não tem falado publicamente sobre o assunto e, segundo o Psol, não tem atendido ligações do partido para tratar da pauta.
Esvaziamento
Um elemento da rotina da Câmara nesta semana tem chamado a atenção do Psol, segundo membros do partido: o fato de Motta ter desconvocado as sessões presenciais e tê-las substituído por sessões semipresenciais. Em geral, parlamentares consideram que as agendas presenciais facilitam os diálogos entre partidos naquilo que se refere às mais diferentes pautas. No caso do processo de cassação de Glauber, os psolistas entendem que a dinâmica dos trabalhos nesta semana cria embaraços para as negociações.
“Isso inviabiliza qualquer conversa porque esses diálogos ou são pessoais e diretos ou não têm eficácia quase nenhuma. Fiquei impressionado – e até tirei uma foto nesta segunda – porque por volta das 18 horas só tinha eu no plenário. Quando a ordem do dia encerrou, havia 12 deputados. E a tendência pra esta terça é a mesma. Falar pra um deputado que ele não precisa vir presencialmente é como dar milho para bode. É sempre eficaz. Vai ser fraquíssima a semana. Acho que só melhora dia 22”, lamenta Chico Alencar.

Conjuntura
A respeito da conjuntura, Alencar menciona o desafio de fazer a pauta extrapolar os limites do campo da esquerda. “Se a base do governo, inclusive os membros do Centrão, que tem ministérios na gestão, garantir que não vota pela cassação, a gente vence a parada. Bastaria isso. Agora, se a pauta ficar só no pessoal do PT, do PSB e do PDT, o Glauber será cassado. Nós vamos trabalhar até onde der, mas não temos ilusões”, afirma o vice-líder do Psol.
Nos holofotes, a proposta de perda do cargo conta com apoio especialmente da extrema direita, que aglutina nomes do Novo, do PL e membros de algumas outras siglas. Mas a pauta também divide os parlamentares. Além de integrantes das siglas do campo progressista – PT, Psol, PDT, PSB, PCdoB e Rede –, alguns membros de legendas de fora desse segmento têm dado sinais contrários à ideia de perda do mandato. É o caso do líder do PL, Sóstenes Cavalcante (RJ), que, na segunda (14), disse ao portal Metrópoles ser pessoalmente contrário à proposta. Conhecido aliado de Jair Bolsonaro e opositor da bancada do Psol, o deputado chamou o relatório de “exagero”.
“Pessoalmente, acredito que cassação deveria ser para casos graves, como corrupção ou o caso da Flordelis [ex-deputada cassada por tramar assassinato do marido], por exemplo. Acredito que uma punição de seis meses de suspensão, no caso de Glauber Braga, estaria de bom tamanho. Contudo, como líder do PL, não posso destoar da posição da bancada do partido, que se mostra favorável à cassação. Vou acompanhar a posição da bancada”, completou Sóstenes.
Quem também causou algum nível de surpresa no ambiente político ao manifestar oposição à proposta de cassação foi o deputado Otoni de Paula (MDB-RJ), pastor e membro da bancada evangélica da Câmara, além de opositor de diferentes pautas defendias pela esquerda. Em manifestação feita no plenário na última semana, o parlamentar disse que votará contra a medida quando ela for submetida à análise dos 513 membros da Casa. Ele criticou a bancada do Psol por ter votado a favor da cassação do ex-deputado Daniel Silveira (PTB-RJ), condenado pelo STF pelos crimes de ameaça ao Estado democrático de direito e coação no curso do processo.
“Agora o mal se volta contra o Psol, mas vingança não faz parte deste lado dessa tribuna onde está este deputado. Pelo menos eu não tenho esse comportamento. Acho que o deputado Glauber Braga deve se manter no mandato e somente a população é que deve ser juiz neste caso de determinar se ele fica ou se sai. Ele foi provocado, sim, nesta Casa. Ele foi agredido verbalmente, sim, nesta Casa. Ele teve uma reação que não deveria ter tido, mas existem outros expedientes que esta Casa pode usar, como suspensão temporária, como um ato de correção pública. Existem outros expedientes. A cassação do mandato de um deputado federal deve ser em última instância”, opinou.
O processo enfrentado por Braga no Conselho de Ética começou a tramitar em abril de 2024, quando ele expulsou o integrante do MBL da Câmara a chutes. Após o ocorrido, o deputado disse ter reagido a uma provocação feita pelo militante, que teria xingado a mãe do deputado, Saudade Braga, ex-prefeita de Nova Friburgo (RJ). Na época, ela se encontrava em estágio avançado do mal de Alzheimer e chegou a falecer menos de um mês depois.
“Eu não vejo, no caso do deputado Glauber Braga, por mais provocador que ele seja, por mais lutador daquilo que ele pensa [a necessidade de cassação]. Isto aqui é uma casa de democracia, e nós precisamos respeitar a vontade popular. Nós não temos autoridade para dizer para os milhares de eleitores do Rio de Janeiro que se sentem representados por Glauber Braga que ele não pode ser mais deputado porque teve uma reação humana que não deveria ter tido, mas que, no mínimo, não significa a quebra de decoro a ponto de perder o mandato. Se alguém quer se vingar do Glauber, que se vingue, mas não se vingará com o meu voto”, disse Otoni de Paula, numa declaração que foi entendida como uma menção indireta a Lira.
Greve de fome
Glauber Braga está acampado desde a última quarta (9) no plenário 5 da Câmara, espaço onde o Conselho de Ética se reuniu para deliberar sobre a cassação. Desde então recebe visitas de apoiadores e é alvo de mobilização de políticos e representantes civis que pedem um freio ao processo de perda de mandato. Na segunda (14), recebeu nas dependências da Casa a ministra dos Direitos Humanos, Macaé Evaristo, que depois se manifestou sobre o assunto pelo Instagram. “O caso da cassação do mandato do deputado Glauber Braga me remete ao processos de violência política que tanto sofremos nos últimos anos. Visitei Glauber hoje na Câmara e me solidarizei com a sua luta pela manutenção do seu mandato parlamentar, instrumento central para a democracia”, disse a mandatária.
Na noite do mesmo dia, representantes civis organizaram um samba na porta da Câmara como forma de protestar contra a proposta de cassação. Outras manifestações surgiram ao longo do dia, entre elas a do advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, conhecido como Kakay. Em vídeo publicado nas redes, ele se disse “estarrecido” com o processo. “Nós vivemos momentos difíceis do país. Recentemente, um deputado federal disse que procurava autoridades americanas para interferir no Judiciário brasileiro. Nada foi feito. Um senador da República pediu que os Estados Unidos invadissem o Brasil. Nada foi feito. Agora, forças políticas querem simplesmente tirar o Glauber do Congresso Nacional. Acho isso injusto”, comparou.
No fim de semana, o psolista também foi visitado por outros personagens da política. Além de parlamentares de esquerda, ele recebeu os ministros das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, e da Secretaria de Comunicação, Sidônio Palmeira. Segundo sua assessoria, Glauber tem se mantido à base de água e isotônico. “Ele está bem, dentro do possível. Está sendo acompanhado por uma equipe de médicos voluntários que se revezam para fazerem uma análise sobre o estado de saúde dele e também pela equipe de profissionais de saúde do departamento médico da Câmara. Hoje ele começou a apresentar algum abatimento, mas ainda tem bom estado mental, psicológico e físico. Mas, claro, é uma situação que exige cuidados e atenção para preservar a saúde e a vida dele, acima de tudo”, comentou a deputada Sâmia Bomfim, esposa do parlamentar, em conversa com o Brasil de Fato.
A parlamentar disse ter esperança na possibilidade de uma redução de danos no plenário. “Há vários atores políticos em cena. As visitas dos ministros do governo Lula também foram nesse sentido de pessoas que estão se dispondo a abrirem canais de interlocução, assim como vários outros colegas parlamentares de outros partidos. E nós ainda persistimos para buscar uma boa saída política, porque eu acho que a esta altura, sinceramente, já está bastante evidente que se trata de um processo injusto, desproporcional e que abre um precedente perigoso para o conjunto da Câmara, das demais casas legislativas e de partidos políticos”, avalia.
“Hoje a gente está falando de um parlamentar de esquerda, do Psol, de perfil combativo, mas quantos não são os deputados que acabam se envolvendo em algum entrevero e brigas? Nenhum deles foi cassado, mas esse fato inédito vai abrir um precedente que pode atingir qualquer um. Então, é a partir desse apelo de critérios de razoabilidade e de precedente político perigoso que a gente está buscando dialogar com os demais parlamentares”, emenda a deputada.
O trâmite do pedido de cassação está atualmente na Comissão de Constituição & Justiça (CCJ), à qual Glauber Braga recorre para questionar detalhes de ordem processual. O colegiado não pode apreciar o mérito do parecer do relator, Paulo Magalhães (PSD-BA), ficando restrito apenas às questões jurídicas. Na sequência, se a CCJ não acatar os questionamentos da defesa, o processo segue para o plenário.