A Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais vai realizar oitivas para acompanhar as denúncias de trabalho análogo à escravidão envolvendo a Cidade das Águas, transportadora que presta serviços ao grupo Zema, empresa da família do governador do estado Romeu Zema (Novo). A iniciativa foi anunciada ao programa Conexão BdF pela presidente da comissão, a deputada estadual Bella Gonçalves (Psol-MG), após a publicação da reportagem do Brasil de Fato que revelou o caso.
“A luta contra o trabalho análogo à escravidão em Minas é constante, porque o estado tem sido recordista, principalmente entre trabalhadores do café, empregadas domésticas e pessoas precarizadas, 90% negros e negras”, afirmou a parlamentar. Segundo ela, há “uma epidemia de crueldade e exploração”, e a falta de fiscalização por parte do governo estadual é agravada por uma postura que chega a ser “de apologia ao trabalho escravo”.
Gonçalves lembrou declarações públicas do governador Romeu Zema, como a de que seria possível contratar uma trabalhadora doméstica no Vale do Jequitinhonha, pequena cidade no interior do estado, por R$ 300, ou de que jovens aprendizes não deveriam receber salário. “Agora vemos um grupo empresarial ligado a ele envolvido com trabalho análogo à escravidão, o que ajuda a explicar a inoperância do governo diante dessa realidade”, afirma.
O governador Romeu Zema é membro do conselho do Grupo Zema. Ele assumiu o comando das Lojas Zema em 1991 e foi responsável pela expansão da rede, que saiu de quatro unidades em Minas Gerais para mais de 400 espalhadas por seis estados. Em 4 de fevereiro, uma fiscalização do Ministério do Trabalho encontrou 22 trabalhadores em situação análoga à escravidão no centro de distribuição do grupo, em Araxá (MG).
Os trabalhadores da Cidade das Águas Transportes, contratados para levar móveis e eletrodomésticos às lojas do Grupo Zema, gigante do setor moveleiro no estado, atuavam em condições degradantes, com jornadas que chegavam até a 19 horas sem pausa para almoço. “Queremos informações mais detalhadas e vamos acompanhar de perto a investigação do Ministério do Trabalho”, garantiu, ao falar da atuação da Comissão de Direitos Humanos.
Bella Gonçalves criticou a isenção fiscal concedida a empresas no estado, que chega a R$ 22 bilhões, e cobrou maior rigor nas punições. “Há uma postura de impunidade, uma ideologia escravagista ainda presente em parte do empresariado mineiro, que trata seus trabalhadores com extrema exploração. E não há, por parte do Estado, a fiscalização necessária: falta exposição dos nomes envolvidos, adoção de medidas para impedir que pessoas ligadas a esses crimes recebam isenções fiscais, inclusive com arrecadação das suas terras e fazendas. Se essas medidas avançassem, acredito que poderíamos tirar Minas Gerais desse vergonhoso ranking.”
Para a parlamentar, essa postura “inerte” faz parte de um “projeto golpista e extremista” representado por Zema. “O govenador sempre teve uma posição de alinhamento estratégico com o empresariado, mas ele está dando agora uma guinada mais intensa à extrema direita, visando 2026. […] Por mais que esteja desesperado para mostrar essa radicalidade, pela sucessão do ex-presidente Jair Bolsonaro, ele não consegue disputar esse lugar porque tem um governo fraco e impopular. E enquanto tenta um lugar ao sol, deixa o estado abandonado.”
Lista suja
Nesta semana, o MTE divulgou a atualização da “lista suja” do trabalho escravo, que exibe os empregadores que submeteram trabalhadores a condições análogas à escravidão. O estado de Minas Gerais lidera o ranking no Brasil e é responsável por 159 dos 745 nomes divulgados, equivalente a 21% do total. Essa lista teria que ser divulgada no site oficial do governo de Minas Gerais, mas o governo Zema é acusado de descumprir a medida.
Para ouvir e assistir
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