A possível responsabilização dos envolvidos na tentativa de golpe de Estado em contestação ao resultado da eleição de 2022 é um momento histórico para o Brasil, avalia o cientista político e jurista Pedro Fassoni Arruda, professor da PUC-SP. “Pela primeira vez, militares de alta patente estão sendo colocados no banco dos réus num tribunal civil”, destacou, em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato. De acordo com ele, “desde a Lei da Anistia de 1979, vigora no Brasil uma sensação de impunidade entre militares”.
O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta terça-feira (22) novas denúncias contra o chamado “núcleo 2”, composto por militares e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusados de tentar abolir o Estado Democrático de Direito. Entre os sete alvos, está Silvinei Vasques, ex-diretor da Polícia Rodoviária (PRF), apontado de usar a corporação para interferir nas eleições de 2022.
Vasques é acusado de obstruir estradas e impedir que eleitores do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegassem aos locais de votação. “Isso interfere diretamente no livre exercício de um direito democrático e, portanto, na própria democracia”, afirma o professor.
O alerta ocorre enquanto avança no Congresso um novo projeto de anistia, desta vez voltado aos envolvidos nos ataques golpistas de 8 de janeiro de 2023. O Projeto de Lei 2858/2022, conhecido como PL da Anistia, conseguiu na semana passada assinaturas suficientes de parlamentares para urgência na sua tramitação.
Golpistas terão direito à defesa, mas precisam ser julgados
Fassoni afirma que a tentativa de golpe liderada por Bolsonaro e aliados não pode ser minimizada pelo fato de ter fracassado. “Se tivesse dado certo, essas pessoas não estariam hoje no banco dos réus. Mesmo não sendo consumada, precisa ser punida com rigor”, diz.
Segundo ele, o julgamento representa um momento de reafirmação democrática. “Eles terão todos os direitos assegurados: devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa. Mas o Brasil inteiro acompanha esse processo no STF porque o futuro da democracia depende da responsabilização dos criminosos”.
As denúncias que serão analisadas pelo STF incluem crimes como tentativa de abolição violenta do Estado democrático de direito, tentativa de golpe de Estado, envolvimento em organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. As ações teriam começado em outubro de 2022 e culminaram com a invasão e tentativa de destruição das sedes dos Três Poderes, em Brasília, no início de 2023.
Ainda segundo Fassoni, as investigações, delações, documentos e horas de escutas telefônicas indicam que o núcleo bolsonarista também planejava a prisão e até o assassinato de autoridades como o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin e o ministro do STF Alexandre de Moraes. “Isso também é muito grave e pode reforçar ainda mais percepção de que pessoas envolvidas na trama golpistas devem ser punidas exemplarmente”, expõe Fassoni.
O ‘entulho autoritário’ que persiste
O cientista político aponta que a ausência de uma justiça de transição no Brasil contribuiu para a permanência de práticas autoritárias após o fim da ditadura. “A ditadura acabou, mas sabemos que essas práticas continuam sendo adotadas nos porões das delegacias e presídios do país. Ainda há um ‘entulho autoritário’ em vigor na sociedade brasileira, seja na legislação, seja na cultura política.”
A ascensão da bancada da bala e o discurso militarizado da política são parte desse cenário, avalia o professor. Diante do julgamento histórico no STF, ele defende que “é necessário dar sinais inequívocos de que, em uma democracia, o poder civil está acima do poder militar”.
No fim de março, a Primeira Turma do STF decidiu pelo acolhimento da denúncia oferecida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outras sete pessoas, que integram o primeiro núcleo de acusados da tentativa de golpe de Estado e abolição do Estado democrático de direito. Com isso, todos tornaram-se réus.
Para ouvir e assistir
O jornal Conexão BdF vai ao ar em duas edições, de segunda a sexta-feira, uma às 9h e outra às 17h, na Rádio Brasil de Fato, 98.9 FM na Grande São Paulo, com transmissão simultânea também pelo YouTube do Brasil de Fato.