O processo que apura a tentativa de golpe de Estado após a eleição de 2022 é essencial para a democracia e precisa resultar em punições exemplares, acredita o jurista Pedro Serrano, advogado e doutor em Direito do Estado. “Não se trata apenas de tirar de nós o direito de eleger representantes; é o fim do reconhecimento de direitos. Um regime autoritário coloca o poder político acima dos direitos, e isso nos desumaniza”, explica, em entrevista ao Conexão BdF, do Brasil de Fato.
“Somos seres humanos porque somos corpos protegidos por direitos. Quando o Estado retira esses direitos, nos tornamos apenas corpos sujeitos à violência. Um golpe desumaniza a todos, não há nada mais terrível. [A tentativa de golpe] tem que ser punida com penas graves”, complementa.
Por unanimidade, a Primeira Turma do STF decidiu tornar réus seis integrantes do chamado “núcleo 2” da tentativa de golpe. Segundo a Procuradoria Geral da República (PGR), o grupo era responsável por coordenar ações golpistas e contava com membros ligados a instituições de segurança pública e militar. Eles se somam aos outros oito réus do “núcleo 1”, que inclui o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mesmo se as delações premiadas, como a do tenente-coronel Mauro Cid, fossem desconsideradas, como pediram advogados da defesa de alguns réus, o jurista considera que o material reunido nas investigações já é mais do que suficiente. “O conjunto probatório é muito forte e foi obtido independentemente da delação. Se a delação não trouxer provas ou caminhos para obtê-las, não vale nada”, indica.
Segundo Serrano, o Ministério Público precisa comprovar a autoria e o grau de participação de cada réu, mas a existência do crime está evidenciada. “A materialidade do crime está mais do que provada. Mas é preciso provar a autoria, a participação de cada um e a extensão dessa participação. Caso não se consiga comprovar a responsabilidade de algum dos réus, ele deve ser inocentado.”
Julgamento é dividido por núcleos para garantir clareza e defesa
Serrano explica que a divisão dos processos por núcleos é necessária para evitar confusões que possam comprometer o andamento da Justiça. “Manter um processo único com número grande de réus criaria duas dificuldades: a apuração se tornaria mais tumultuada e a defesa seria comprometida. É importante separar os núcleos para apurar com mais precisão o papel de cada um.”
A investigação da Polícia Federal é, segundo ele, uma das melhores já feitas em casos de crime político no Brasil. “É uma investigação excepcional, muito bem feita, extensa, precisa, com métodos científicos, não abusivos. Aponta com clareza a atuação de uma organização criminosa composta por vários núcleos. Cada um deles tinha um papel diferente na tentativa de golpe.”
Justiça Militar não deve julgar crime civil, diz jurista
Durante a entrevista, o jurista também se posicionou contra a possibilidade de o caso ser transferido à Justiça Militar. “Quem deve julgar é a Justiça civil, como está ocorrendo. O Supremo foi atacado por golpistas dentro da própria sede. Não tem cabimento que um juiz de primeiro grau ou um tribunal militar julgue isso. O STF é o tribunal mais potente do país.”
Ele ressalta, no entanto, que é necessário aplicar punições administrativas aos militares envolvidos. “Mas a legislação brasileira protege muito os militares. O sujeito comete crime, perde a patente, mas continua recebendo benefícios. É uma legislação corporativista demais”, lamenta.
Bolsonaro fala em perseguição, mas é tratado com todas as garantias da lei
No caso de Jair Bolsonaro, Serrano defende que a decisão de mantê-lo em liberdade está, até o momento, juridicamente correta. “Ele não deu sinais de que tenta fugir. Está com todos os direitos assegurados, inclusive o de responder ao processo em liberdade. Não faz sentido alegar perseguição”, esclarece.
Serrano lembra ainda que o tratamento dado ao ex-presidente contrasta com o histórico recente de abusos no sistema penal. “Lula, por exemplo, ficou preso por dois anos de forma abusiva. Bolsonaro, por sua vez, estava de jet ski na semana passada. Não há qualquer indício de abuso ou excessos contra ele – ao contrário, o processo tem respeitado com rigor suas garantias legais.”