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Sente o negro drama, vai, tenta ser feliz

Estudante teve sua matricula cancelada após banca de heteroidentificação rejeitar sua autodeclaração

Aprovado no curso de medicina da USP, um estudante teve sua matricula cancelada após a banca de heteroidentificação rejeitar sua autodeclaração como pardo. Como ele descobriu que não estava matriculado? No primeiro dia de aula. Agravante da situação, a análise da banca se deu por chamada virtual, o estudante relatou que durou menos de um minuto, nenhuma pergunta sobre sua trajetória foi feita, ele apenas leu sua declaração de autoidentificação.

O episódio traz à tona o debate sobre autodeclaração, colorismo e o abismo entre a institucionalidade e a realidade. É claro que assim que a notícia foi ao ar, o tribunal virtual está trabalhando a todo vapor, há os que reconhecem fenótipos negroides no estudante, há os que dizem que sua pele não é escura o suficiente, mas, neste engodo social, como encontraremos uma saída concreta para realidade brasileira? Como lidar com posturas afroconvenientes quando brancos reivindicam uma “negritude de sangue”? Como construir consensos concretos sobre a concepção de brancos e não brancos?

São muitas perguntas e não haverá resposta simples para uma situação tão complexa, ainda assim, cabe-nos uma reflexão profunda sobre os caminhos que temos trilhado na construção de analises teóricas que deem conta deste conflito social.

  1. A concepção de racismo no Brasil não tem raiz em nossa ascendência genética porque é pautada nos nossos traços físicos, por isso pessoas negras de pele clara são condicionadas estruturalmente às mesmas exclusões impostas a pessoas negras de pele escura. Esta afirmação não anula a constatação de que quanto mais retinto for um corpo, maior a violência do racismo, a questão é que a variação nos mecanismos de opressão não anulam as estruturas de exploração.

  2. O pensamento social brasileiro se debruça sobre o tema da questão racial, desde o século passado com vários expoentes, temos repertório suficiente para analisar nossa realidade, no entanto a hegemonia de teóricos estrangeiros nos aprisiona em conceitos e análises que em nada dialogam com a formação social/racial brasileira. Clóvis Moura, Oracy Nogueira e Jacob Gorender, por exemplo, são autores considerados “muito militantes” para academia, não são “clássicos” dos temas que abordam, consequência direta é que falamos mais de colorismo (conceito estadunidense) que de racismo de marca e racismo de origem (teoria brasileira).

Acrescente a esta complexa problemática a questão indígena, porque nem todo pardo é descendente de brancos e pretos.

Atravessando a fronteira das redes sociais onde tudo se resume a um limite de caracteres, no Brasil real temos várias definições do sujeito miscigenado, exemplo: cafuso, caboclo, mameluco, guaranissei ou orientupi, sarará, bugre e ciganagô. Viu como no Brasil a questão racial não é apenas uma questão de pardos, pretos e brancos?

Entre tantos caminhos que podemos construir no pensamento social brasileiro, nenhum que dependa exclusivamente das elaborações “de fora”, será capaz de contribuir com a concreta análise de nossa realidade. Todo mecanismo de reparação histórica é legitimo, ainda assim, se queremos construir um futuro emancipatório, faz-se necessário avançarmos, principalmente na academia, em construções analíticas materialistas, a saída para qualquer ponto geográfico que se localize no sul global, partirá do chão em que pisamos.

 

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