Paulo Venturelli, escritor, educador, radicado em Curitiba, tem transitado por vários gêneros literários.
Foi dos primeiros autores a publicar na categoria infanto-juvenil romances que, como ele mesmo diz, destoam da "papinha literária do mercado", apresentando narrativas com conflitos densos e sem classificação mercadológica. O Anjo Rouco, Visita à Baleia, Pê e o Vasto Mundo, Paisagem com Menino e Cachorro, Casa do Dilúvio, No Vale dos Sentidos, entre outras publicações, são narrativas de grande qualidade estética, obras abertas e dialógicas, oferecidas às crianças.
Estudioso de literatura homoerótica, cujo acúmulo de alguma forma confluiu em publicações como o romance Madrugada de Farpas (Arte e Letra).
Venturelli também há anos tem transitado por um gênero híbrido, a prosa poética, experimentada de modo particular e restrito na História da literatura por um Baudelaire, Cruz e Souza, Francis Ponge, e, atualmente, em Curitiba, por Andréia Carvalho Gavita, para citar um exemplo. A morte, Histórias sem Fôlego, Bilhetes para Wallace foram trabalhos produzidos nesse sentido e apresentam um fio contínuo que agora prossegue em "A marca dos retratos na parede não é apenas ação do tempo" (Kotter editorial, 2024).
Só que desta vez Venturelli retoma a forma do verso, desta vez em tom de cântico, apontando uma dicção poundiana – no que tem de histórico, cotidiano e dialogando com a tradição e paideuma poético.
Nesses cantos, o escritor catarinense radicado em Curitiba experimenta o diálogo com a tradição grega, chegando à acidez do olhar sobre a atual conjuntura – certamente são poemas compostos no duro contexto de retomada neoliberal no país, de 2015 para cá.
Aqui está em Venturelli buscando uma obra de totalidade, como é próprio na organização Cantos, como sabemos, de Whitman a Neruda, do íntimo ao exterior. Do cotidiano ao polítikós, do experimento pessoal ao olhar para a urbe.
Mas aqui está um Venturelli de tom machucado, que busca na contemplação do corpo, da beleza viva, do momento e da juventude, uma saída de contemplação diante da fugacidade e da passagem contraditória do tempo. O tempo massacra. A beleza do corpo do outro dá sentido às coisas.
O desencanto com o cotidiano, o amargor que caracteriza o diálogo com o nada sartreano, está exposto no versos de Venturelli:
"o amargor mais raso/ da cidade – a aparência / deixa de mostrar o que de / fato ela tem longe do / tom oficial, o terno-e-gravata / Você deve ter percebido / rua morosa e rua oxidada / estas a gente deixa pra lá / O torrencial de pessoas / é só golpe de vista", página 59, Todo mundo lê o pergaminho da cidade.
Herman Melville, Fernando Pessoa, Hilda Hilst, Clarice Lispector, nada escapa do turbilhão de diálogo e pontes da obra de Venturelli. Como o autor afirma, nada em sua obra se dá fora de um contexto com outras obras: "Leio a fim de encontrar o fio", página 87, Lendo dentro do verão.
Classificações e rótulos são babaquices sem tamanho, ainda mais em se tratando de arte. Não é possível, porém, deixar de assinalar aqui o manifesto de que Paulo Venturelli, aos 73 anos, alcança a totalidade de uma obra que transitou e se metamorfoseou por vários gêneros, sem perder o alto grau estético.
Marxista, crítico, freiriano, bakhtiniano, penso que é mais um dos autores sutilmente boicotados nos espaços culturais onde, entre o popular, a vanguarda, e a transgressão, os meios oficiais se contentam com um liberalismo que não fede e nem cheira. A obra de Venturelli merece muito mais atenção.
Paulo Venturelli, aos 73 anos, alcança uma obra com publicações em poesia, contos, prosa poética, infanto-juvenil, romance e teatro / Paiol literário