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Diversidade sexual na pauta do Estado brasileiro:uma conquista social

Legado construído pelo movimento LGBT no país deve ser honrado por todos que acreditam na Democracia

No Brasil, uma longa trajetória de luta por direitos acompanha as pessoas e entidades reunidas na sigla LGBT+, representando Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transgêneros, Transexuais e Travestis, adotada em 2016 pela Conferência Nacional LGBT.

Na década de 80, em Salvador, lembro da destacada atuação política do Grupo Gay da Bahia (GGB) na prevenção e enfrentamento da AIDS, exigindo serviços públicos de qualidade e realizando ações educativas com distribuição de preservativos. Para além do combate à discriminação contra os portadores do vírus HIV, o GGB sempre foi um aliado de movimentos sociais urbanos e rurais e apoiou a causa dos povos indígenas na Bahia pela conquista de seus territórios, como os Kiriri de Mirandela e os Pataxó Hãhãhãe de Pau Brasil, nos anos 80.

Na linha do tempo, as conquistas do movimento LGBT+ foram se consolidando, apesar do cenário de violência ainda persistir com agressões físicas e morais, homicídios motivados por questões de identidade de gênero e sexual e crimes de homofobia. Segundo o Dossiê divulgado no site do Observatório de Mortes e Violências contra LBGTI+ no Brasil, foram 273 mortes de pessoas LBTI+ de forma violenta no país, em 2022. Desse total, 228 foram assassinatos, correspondendo a 83,52% dos casos; 30, suicídios (10,99%); e 15 mortes por outras causas (5,49%). No relatório, a sigla LGBTI+ se refere a pessoas lésbicas, gays, bissexuais, travestis, mulheres e homens trans, pessoas transmasculinas, não binárias e demais dissidências sexuais e de gênero.

Vale lembrar que em 2005, pela primeira vez, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu o direito de pensão previdenciária por morte de companheiro homossexual. Alguns avanços foram registrados a seguir, como o direito do uso do nome social no Sistema Único de Saúde (SUS) em 2009, a condição de dependente junto à Receita Federal para fins de Imposto de Renda em 2011 e a adoção de crianças por casais homoafetivos em 2015.

A transexualidade foi retirada da lista de doenças da Organização Mundial de Saúde (OMS) em 2019, ano em que o STF tipificou o crime de ódio contra a população LGBT+ e em que o Senado aprovou a alteração na Lei Maria da Penha para garantir os direitos à mulher, independente da identidade de gênero. Na Bahia, em 2022, a Defensoria Pública do Estado (DPE) instituiu a política de promoção da equidade de gênero e enfrentamento a todas as formas de violência e discriminação contra as mulheres. O documento garantiu a licença maternidade/gestante para a mãe não gestante de casal homoafetivo, mulheres trans e homens trans gestantes, cabendo ao casal decidir quais dos companheiros ou companheiras utilizarão a licença maternidade ou paternidade.

Mesmo com essas conquistas, noto que ainda há muito desconhecimento na população sobre os três elementos que compõem a sexualidade humana: a orientação sexual, o sexo biológico e a identidade de gênero que combinam fatores psicológicos, sociais e biológicos. Didaticamente, identidade de gênero é a maneira com a qual você se vê e se identifica; a orientação sexual é por quem você sente atração; o sexo biológico é o seu aparelho genital e sua carga genética; expressão de gênero é o comportamento pelo qual você expressa seu gênero.

O que importa reconhecer é que os conceitos de masculino e feminino são construídos socialmente e vão se transformando conforme o contexto cultural e o momento histórico de cada sociedade. Essas e outras noções básicas estão bem apresentadas na cartilha “Entendendo a diversidade sexual”, publicada pela DPE-BA em 2020, que deve ser amplamente divulgada. No Brasil, conteúdo como esse deveria ser incluído na formação de professores e adaptado para compor o material didático para alunos. Enquanto o julgamento moral conservador sobre a sexualidade predominar na estrutura social, impregnando as práticas pedagógicas e as relações sociais, ainda temos muito o que avançar.

O controle social das políticas públicas, previsto na legislação brasileira, pode ser uma porta aberta à democratização do acesso das pessoas LGBT+ aos serviços e direitos. Nessa direção, o Governo Federal, através da Portaria 07 do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) instituiu o Comitê de Monitoramento da Estratégia Nacional de Enfrentamento à Violência contra as pessoas LGBT+ para acompanhar e apoiar a implementação de programas, planos, projetos e ações que promovam e assegurem os direitos das pessoas LGBT+. Outras medidas concretas precisam ser adotadas para aprimorar o compromisso do Estado brasileiro com a defesa da diversidade sexual e os direitos constitucionais desse segmento.

O legado construído pelo movimento LGBT+ no país nas últimas décadas deve ser honrado por todos que acreditam na Democracia. Os avanços conquistados custaram muito para a militância política e podem ser ampliados no horizonte da construção de um Estado Democrático de Direitos, livre de transfobia, homofobia e opressão de gênero.

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