Um segundo ponto extremamente relevante para pensar os embates que estão por vir diz respeito à contribuição que o PT deu nas eleições de 6 de outubro para que partidos da base de sustentação do bolsonarismo obtivessem êxito muito superior ao próprio PT. Por meio da Federação Brasil da Esperança (FE-BR), formada por PT, PCdoB e PV, o Partido dos Trabalhadores estabeleceu coligações com partidos que no cenário nacional se colocam como oposição ao governo federal.
Lula sempre foi muito pragmático em suas alianças. Em 2002 não se furtou em trazer o PL para a vaga de vice, sob a frágil alegação de que seria uma garantia de diálogo com os setores empresarial e evangélico. Após o golpe de 2016, contra Dilma, Lula buscou dialogar com os setores golpistas em nome de uma pretensa governabilidade. Agora, em seu terceiro mandato, o pragmatismo chegou a tal ponto que seu ministério é composto por partidos cujos parlamentares, não raras vezes, votam contra o governo, a exemplo do União Brasil, do PSD e do PP, partidos que sustentaram o governo Bolsonaro e apoiaram os eventos de 8/01/2023.
Os gráficos a seguir evidenciam o pragmatismo eleitoreiro do PT, vislumbrado a partir das coligações estabelecidas, dos candidatos por ele apoiados e no resultado final das eleições onde não haverá segundo turno. O gráfico abaixo traz os partidos com os quais a FE-BR se coligou por todo o país e quantas vezes o fez com cada um deles. Com o PL, partido de Bolsonaro, o PT esteve no mesmo palanque em 85 cidades. Em seguida vem o PSD, com 70, MDB com 34, União Brasil com 30 e Progressistas com 28. Cabe ressaltar que todos estes partidos apoiaram o impeachment de Dilma.
Gráfico 1 / Fonte: G1. Elaboração: o autor
Os incautos poderão questionar a assertiva de que o PT ajudou a eleger os candidatos cujos partidos são oposição ao governo em âmbito federal. Outros, mais otimistas, dirão se tratar apenas de 85 cidades em um universo de mais de cinco mil municípios. Os ignóbeis assegurarão que tão irrisório número não fará diferença em uma eleição presidencial. O séquito apelará para o argumento da autoridade: “foi o Lula que assim definiu”, assim sendo, está definido! Os desavisados questionarão a fonte, como se o problema fosse o mensageiro e não a mensagem. Alguns, incrédulos e desiludidos, reconhecerão: “sempre foi assim”. Outros ainda, um tanto conformistas, “darão de ombros” afirmando que a política é assim mesmo. Há aqueles, no entanto, que elevarão o tom: “quer que faça o quê? Que deixemos tudo para eles?” Os mais oportunistas, que não são poucos, esbravejarão: “Parem de criticar! Vocês querem que a direita volte?” As tentativas tresloucadas de justificar o injustificável, no entanto, partirão de todos eles.
O próximo gráfico, porém, ajudará a caracterizar melhor a complexidade e os impactos das coligações entre a FE-BR e os partidos da direita e extrema-direita. Nele, temos a quantidade de candidaturas a prefeito, por partido, apoiadas pela Federação Brasil da Esperança. Toda e qualquer alegação no sentido de validar esta composição, este apoio, esvai-se diante do fato de que, somando todos os candidatos vinculados diretamente à FE-BR, não se chega a 6%. Dentre as 85 candidaturas, o PT tinha 3, o PV uma e o PCdoB também uma. Por outro lado, os concorrentes de partidos como PP, PSDB, UNIÃO, PL, PODEMOS, Republicanos, constituíram quase 80% dos postulantes.
Gráfico 2 / Fonte: G1. Elaboração: o autor
A coligação da FE-BR com estes partidos, nestas cidades, nestes estados, poderia ser minimamente relevada caso o PT, ou mesmo a própria Federação, representasse a maioria das candidaturas e não justamente o contrário, com apenas cinco de um universo de 85, ainda mais com partidos que têm sua origem na UDN, na ARENA, no PFL/Democratas, no PTB, no integralismo e, essencialmente, no anticomunismo, razão mais que suficiente para nunca se sentar à mesa com qualquer um deles e, substancialmente, não lhes ceder ministério algum.
Os incautos e tresloucados, a outra face daquela moeda, apelam para a dita governabilidade, como uma máxima inquestionável, sem a qual o Lula não teria terminado nem o primeiro mandato! Desde lá, frente a qualquer crítica sobre os rumos políticos e econômicos dos governos petistas, acusam-nos, organizações e personalidades da esquerda, de querermos que a oposição volte, vença, derrube, dê um golpe, tranque a pauta, etc. Mas são incapazes de se espelharem na autocrítica. E, assim, passam-se reformas e mais reformas, impõe-se políticas de austeridade fiscal disfarçadas de “arcabouço”, ameaçando a seguridade social e os pisos dos trabalhadores do magistério e da saúde, enquanto avança a retirada de direitos e a precarização, tudo sob o manto sagrado da governabilidade.
Esse outro lado da moeda, muitos dos quais já não vivem do seu próprio trabalho, acostumados às benesses dos corredores palacianos, das viagens de avião e das noites bem dormidas em confortáveis hotéis, não olha mais para baixo. Estão completamente desconectados da única e real base de sustentação do governo, do único e efetivo suporte para a soberania de fato. Para aqueles que não tratam a política como obra do acaso, que não estão preocupados tão somente com a próxima eleição e, muito menos, com o que farão caso seu partido ou candidato venha a perder o cargo eletivo, dirigem-lhes o deboche e as tentativas de deslegitimação de seus alertas.
Para que não me acusem de proselitismo ou mera eloquência, trago outro gráfico, tão ilustrativo quanto os demais, porém muito mais estarrecedor e nauseante, se é que seja possível! Trata-se do desempenho eleitoral de cada um dos partidos dentro da referida coligação.
Gráfico 3 / Fonte: o autor
Esse gráfico dispensa comentários. A tragédia é visível. O MDB, o UNIÃO e o PSDB, só não elegeram um dentre os seus candidatos. O PL e o PP não elegeram apenas dois dos seus. O PSD conseguiu garantir 14 dentre os seus 18. O PRD e o Republicanos tiveram 100% de sucesso, apesar do número pouco expressivo. A Federação Brasil da Esperança, por outro lado, elegeu apenas um dos seus cinco aspirantes.
Outro dado a observar é que, do total de 59 eleitos, a maioria se localiza em estados do Norte e do Nordeste, justamente onde o PT vinha, até então, garantido votações expressivas a ponto de assegurar sucessivas vitórias para presidente. Dos 13 prefeitos eleitos pela coligação no Maranhão, apenas um compõe a FE-BR. Todos os demais são de partidos da direita ou da extrema direita. No Paraná, com apoio da FE, o PDS elegeu 4 prefeitos e o PL 2.
O entusiasmo de Gleisi Hoffmann, as avaliações otimistas, mesmo que ponderadas, outras, com um tom mais crítico, porém, ainda apostando no PT e vendo como necessária uma nova candidatura de Lula para 2026, desconsideram o fato de que a vitória da direita e da extrema direita na maioria das cidades brasileiras, tanto em número de prefeitos quanto de vereadores, possa, talvez, ser atribuída, em parte, ao próprio PT. Pode-se tentar desqualificar tal análise, acusando-a de leviana, descabida, desproposital, etc. Pode-se argumentar, ainda, que as gestões municipais exercem pouca ou nenhuma influência nas eleições presidenciais e que novos arranjos possam produzir uma espécie de “dança das cadeiras” com os prefeitos mudando de partido.
Só se conforta com essa leitura, no entanto, quem toma a política eleitoral como obra do acaso. Do contrário, as disputas internas dos partidos para definir as candidaturas e coligações restariam inócuas. O exemplo da capital paranaense talvez seja o mais ilustrativo dos casos, no qual o pragmatismo eleitoreiro para 2026 parece ter se voltado contra seu artífice. Além disso, cabe um questionamento: seria prudente desconsiderar o papel desempenhado por vereadores e prefeitos no apoio aos atos golpistas desde 2015 até 8 de janeiro de 2023? Aqueles que financiaram ou participaram do 8 de janeiro por acaso não concorreram aos cargos de prefeito e vereador? Em uma nova crise, como esses indivíduos atuarão? Defenderão a institucionalidade ou a sua ruptura?
Leia outros artigos de Rossano Rafaelle Sczip em sua coluna no Brasil de Fato PR
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.