Em meio à pandemia do novo coronavírus, diversos estados e municípios por todo o país interromperam as aulas na rede básica de ensino, seguindo as orientações de isolamento social propostas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Medidas semelhantes foram tomadas em todo o mundo. No Brasil, apesar de o presidente Bolsonaro permanecer fazendo pouco caso da doença, os governos estaduais e municipais têm tomado decisões fundamentais e acertadas no combate à pandemia, entre elas a suspensão das aulas presenciais.
Aqui no RN, as aulas foram suspensas em toda a rede pública e privada desde o dia 18 de março através de decreto estadual. Essa medida foi prorrogada até o 31 de maio em novo decreto. A data de retorno de aulas presenciais pode ainda ser postergada de acordo com a necessidade de manutenção do isolamento social.
No estado potiguar, não somente a educação básica adotou essa prática. Os Institutos e Universidades Federais também. O IFRN e a UFRN promulgaram decisões semelhantes em 17 de março, sem estabelecer um prazo para o retorno das aulas presenciais.
Nesse cenário, o governo federal apresentou medidas tardiamente em comparação aos chefes de executivo estaduais. Por meio da Medida Provisória nº 934, de 1º de abril de 2020, juntamente ao Ministério da Educação (MEC), dispensou a obrigatoriedade de 200 dias letivos para o ensino básico, desde que se cumpra a carga horária anual mínima de 800h – estabelecidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB).
Na tentativa de evitar a perda do ano letivo, algumas secretarias estaduais de educação, assim como instituições privadas de ensino, têm optado pela adoção de aulas remotas ou tele-aulas, reproduzindo, em certa medida, o modelo de Educação à Distância.
Aqui, destaco que não podemos comparar a construção de conhecimento na modalidade de ensino à distância com o modelo presencial, inclusive, um não deve substituir o outro.
No entanto, essa modalidade que agora vigora, devido à pandemia, para funcionar necessita de estrutura, plataformas digitais e equipamentos, que boa parte das e dos estudantes e também professoras e professores brasileiros não dispõem, não usufruem.
Segundo a edição de 2018 da Pesquisa TIC Domicílios, somente 67% dos domicílios brasileiros possuem acesso à internet. Esse percentual varia de acordo com outros indicadores, como dispositivo pelo qual a internet é acessada (computador, celular ou outros), renda, região do país, etc.
Por exemplo, na zona rural, apenas 44% dos domicílios tem acesso à rede, enquanto nas zonas urbanas, esse índice é de 70%. O quadro se mostra pior também para as famílias com menor renda, entre as classes D e E.
A pesquisa revela que pelo menos 30% das e dos brasileiros não tem acesso à internet. Para além dessa questão, outra problemática que se impõe é o acesso a computadores propriamente ditos: somente 42% das residências brasileiras possuem esse equipamento.
Mais uma vez, o índice é pior para as pessoas mais pobres e as que moram em zonas rurais. Os dados evidenciam, portanto, que o acesso à internet e às ferramentas tecnológicas, no Brasil, ainda se apresentam como um privilégio de poucos, apesar de muitas vezes assumir um papel essencial na vida das pessoas.
O contexto de pandemia que estamos vivenciando é um desses momentos em que as tecnologias exercem uma função preponderante nas nossas vidas, não somente no sentido do contato com uma maior diversidade de informações, mas também em relação ao acesso à convivência social, à arte, à cultura, ao lazer e à educação.
Parte significativa das escolas privadas pelo Brasil, e especialmente em Natal, em razão da quarentena, vem oferecendo alternativas educacionais às e aos estudantes, através de plataformas digitais de transmissão de aulas e disponibilização de materiais e atividades ‘online’.
A partir da análise dos dados apresentados na pesquisa TIC Domicílios, vemos que estudantes mais empobrecidos, boa parte proveniente de escolas públicas, não têm condições materiais de acessarem tais tecnologias e dar prosseguimento ao ano letivo no contexto de isolamento social e de aulas remotas.
A própria modalidade de educação a distância não se aplica de forma unilateral e homogênea para a educação básica – seja pública ou privada –, justamente pelo fato das pessoas não possuírem os meios para que ela seja acessada de forma igualitárias.
As plataformas disponíveis para participar de uma "aula online" e os arquivos em vídeo através dos quais as aulas são transmitidas ou disponibilizadas geralmente são muito pesados e necessitam de dispositivos (computadores e celulares) mais potentes. Nesse sentido, mesmo com acesso à internet (muitas vezes, limitada), os celulares que as famílias possuem não suportam as ferramentas necessárias para o ensino remoto.
A Constituição Federal de 1988 determina que a educação é direito de todos e dever do Estado, garantindo “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola”. No entanto, principalmente durante esse período em que estamos, não há igualdade de condições, em razão dos motivos já mencionados e não somente por isso.
Apesar de o MEC ter dispensado a obrigatoriedade de 200 dias letivos, a carga horária mínima obrigatória foi mantida. Em que condições, após o fim do isolamento social, as escolas públicas irão dar conta de repor as aulas de modo a cumprir tal exigência? Nesse contexto, como promover a permanência das e dos estudantes e evitar a evasão?
Uma saída possível seria a adoção de ensino integral, mas como materializar essa alternativa sem que haja planejamento prévio e estrutura adequada nas escolas? É fundamental que tanto o governo federal quanto as secretarias estaduais e municipais planejem de que forma acontecerá esse retorno à escola sem que haja prejuízo (maior ainda) para os estudantes mais pobres, em especial os que vivem nas periferias urbanas e nas zonas rurais.
O Ministério da Educação (MEC), contudo, não se mostra disposto a observar as desigualdades acentuadas em tempos de pandemia, uma vez que o edital do ENEM, principal porta de entrada ao ensino superior no país, permanece inalterado e com seu calendário mantido.
As entidades estudantis, como a União Nacional dos Estudantes (UNE), defendam a campanha pelo adiamento do ENEM, na qual muitos docentes da educação básica também se somam. Em resposta, o ministro da educação afirmou que o exame “não foi feito para corrigir injustiças”.
Nos últimos dias, MEC ainda divulgou uma propaganda para defender sua postura insensível e descabida, afirmando que uma geração de profissionais poderia ser perdida com o simples adiamento do Exame. Uma mudança de data causaria mais estragos que o descaso que a educação no Brasil vem sofrendo nessa gestão?
Ora, nos parece mais sensato afirmar que o atual governo e seu ministério não se preocupam com a formação integral de nossas e nossos estudantes, tampouco com a vida destes. Sua preocupação, na verdade, é com a manutenção de um projeto de educação (e de país) excludente e desigual.
Precisamos reforçar a necessidade de adiar o ENEM, pelo menos até o restabelecimento das aulas presenciais e pensar em alternativas viáveis para permitir que todas e todos os estudantes possam continuar, de fato, estudando – afinal, educação é direito e não privilégio.
*Marina Dantas é professora de História e militante do movimento Amélias: Mulheres do Projeto Popular