Os números dos casos da covid-19 no Rio Grande do Sul, registrados pelo Sistema de Informação Geográfica (SIG) do Litoral Norte do Rio Grande do Sul – Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), mostram uma defasagem no registro de dados. Isso repercute nas políticas públicas de contenção do coronavírus.
Os dados do SIG começaram a ser compilados por um grupo de cientistas das mais variadas áreas do conhecimento em 9 de março de 2020. Neste primeiro ano, sem levarmos em consideração o surto de mortes em fevereiro, a curvatura do gráfico nunca tendeu a zero.
Começa aí um problema: nada indica que nesta semana os casos começarão a retroceder. Nada indica que mesmo a bandeira preta do Distanciamento Controlado do governo do estado seja suficiente para controlar a velocidade das transmissões. Talvez até a bandeira vermelha, anunciada pelo governador Eduardo Leite, na segunda-feira (22), com flexibilização da circulação, ocasione uma nova explosão de casos de covid-19 no RS na semana que vem.
Os matemáticos sabem que um sistema que combina uma ou mais variáveis começa em zero e volta para o zero quando em um gráfico. Chamam esta tendência de curva normal e que desenha uma montanha.
O governador Eduardo Leite tem tomado decisões de abrir, flexibilizar, ceder aos grandes empresários gaúchos. Talvez falte perceber que ainda estamos escalando a montanha dos números de mortes e doenças e que a descida pode demorar a começar.
Mas há um agravante. O governador e seus técnicos estão lidando com o ontem e o anteontem e, até mesmo, com o mês passado quando o assunto é a atualização do número de casos e de mortes e de doentes confirmados pela covid-19 no Rio Grande do Sul.
E isso acontece desde março de 2020 quando apareceu o primeiro caso de covid-19 de um homem de 60 anos da cidade de Campo Bom. O demógrafo e professor da UFRGS Ricardo Dagnino conta que precisou desenvolver um outro mapa para tornar os dados mais confiáveis. E o que os cientistas da UFRGS encontraram?
Encontraram uma perigosa distorção nos registros da Secretaria Estadual de Saúde do RS (SES). As diferenças entre os casos reais e aqueles com os quais o governo do estado estrutura suas decisões são assustadoras. Os dados que abastecem o Painel do Coronavírus (Covid-19) – Casos e óbitos no Litoral Norte Gaúcho, com dados dos 23 municípios do Litoral Norte apresentam variações de registros que chegam a variar de 6% a 20%.
Cientistas da UFRGS encontraram uma perigosa distorção nos registros da Secretaria Estadual de Saúde do RS (SES) / Reprodução
Por certo, estamos falando do Litoral Norte, mas é possível ampliar a escala quando se trata de atrasos de comunicação de registros nos 497 municípios gaúchos. Na quarta-feira (24), o Painel do Coronavírus (Covid-19) – casos e óbitos no Litoral Norte Gaúcho confirmava as diferenças. Os dados da 18ª Coordenadoria Regional de Saúde (18ª CRS) apontavam para 42.674 casos de covid-19 no Litoral Norte.
Painel do Coronavírus (Covid-19) – casos e óbitos no Litoral Norte Gaúcho confirma as diferenças / Reprodução
Esses mesmos dados abastecem a Secretaria Estadual de Saúde do RS (SES) e servem para ajustar o Distanciamento Controlado e podem fundamentar decisões sobre as cores de bandeiras que vão modelar o comportamento coletivo dos gaúchos em relação à sua proteção. Mas o problema é que os casos da covid-19, registrados pela SES, eram 33.933, no mesmo dia.
Em linguagem ainda mais clara: o governo do estado fundamenta sua tomada de decisões sobre a vida dos gaúchos em dados que apresentam uma defasagem para o dia 24 de março de 20,5% em termos de registros de pessoas com infecção comprovada.
Ricardo Dagnino refere que é preciso ter cuidado em relação aos casos registrados da covid-19. Isso porque, o Rio Grande do Sul – e o Brasil – nunca investiram em testes como uma política de combate ao alastramento. Quer dizer, já é complicado afinar a política sem dados precisos. Pode-se imaginar a precisão da política pública ante números defasados.
Afinal, há vários estudos que apontam serem os casos da covid-19 cinco ou até seis e 10 vezes maiores que os números oficiais. De qualquer modo, os óbitos no Litoral Norte reforçam a tese de imprecisão do distanciamento controlado.
Na mesma quarta-feira (24), a 18ª Coordenadoria Regional de Saúde (18ª CRS) havia registrado 862 óbitos, enquanto a atualização da Secretaria estadual de Saúde mostrava 805, quer dizer, 6,6% menos.
Dados defasados e ausência de lockdown
“Não estamos dizendo que o estado está manipulando os dados. Estamos dizendo que o estado está trabalhando com dados defasados”, explica Dagnino.
Isso significa que os cenários diários, no Rio Grande do Sul, e no país são piores do que os números oficiais apresentam e que servem para balizar as políticas de contenção.
Em junho do ano passado, o mesmo professor Ricardo Dagnino havia alertado, em entrevista ao Brasil de Fato RS, sobre um sério problema de desenho da política, a saber, a não previsão de um lockdown para conter a circulação de pessoas e, por extensão, do coronavírus.
O professor Dagnino demonstra com exemplos. De 20 a 28 de fevereiro deste ano, por exemplo, entraram dados no SIG de outubro, novembro e dezembro do ano passado. Some-se a essa “distorção dos dados” o compromisso que prefeitos e governador têm com financiadores de campanha e a explicação para o que o professor chama de “explosão de casos em fevereiro” fica cristalina como água de nascente de rio.
A tese sobre as explosões de casos em fevereiro e março podem não estar ligadas somente às aglomerações do Carnaval e à falta de respeito pela vida das pessoas. Podem estar ligadas também à leitura equivocada de governantes sobre o que as suas políticas públicas de saúde respondem com dados imprecisos.
O que se sabe é que sem lockdown, sem vacina e com as portas do comércio abertas, o coronavírus faz a festa. Trágica festa, diga-se. Em um ano já são 801.499 casos da covid-19, 17.499 óbitos e uma mortalidade de 153,8 mortos por 100 mil habitantes no Rio Grande do Sul, segundo os dados defasados da Secretaria Estadual de Saúde do RS em relação às 18 Coordenadorias de Saúde do Estado da terça-feira (23).
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