Membros do Congresso dos Estados Unidos estudam combater a desigualdade no berço, com o projeto American Opportunity Accounts Act, mais conhecido como Baby Bond. Apresentada por dois senadores e uma congressista democrata, a ideia é dar, a partir de 2022, US$ 1 mil a cada bebê nascido em solo americano.
Dependendo da renda e da realidade familiar de cada criança, outros US$ 2 mil anuais podem ser depositados em uma conta-poupança até que o menor em questão complete 18 anos, idade no qual teria acesso ao dinheiro arrecadado graças ao benefício.
Assim, ao chegar à maioridade, uma pessoa inserida num contexto familiar de baixo poder aquisitivo pode ter acesso a cerca de US$ 50 mil, enquanto jovens mais ricos teriam US$ 1,6 mil em conta.
"Acho essa proposta muito boa, porque ela entende a diferença entre renda e patrimônio", explica ao Brasil de Fato a antropóloga Dra. Naomi Zewde, professora de Saúde e Políticas Públicas na City University of New York.
Ela ainda completa: "Renda é aquilo que a maioria de nós usa apenas para pagar as contas básicas e sobreviver de forma digna, enquanto o patrimônio ou a riqueza é algo além, que serve como proteção para tempos difíceis ou como um facilitador para decisões maiores, como uma mudança, a compra de um imóvel, a chegada de um filho ou mais".
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De acordo com essa lógica, o “Baby Bond” pode ser uma solução eficaz para a desigualdade crescente no país. Segundo dados do Instituto de Política Econômica dos EUA, o avanço das fortunas dos 1% mais rico quase dobrou, saltando de 7,3% em 1979 a 13,2% em 2019. No mesmo período, os salários médios anuais dos 90% mais pobres permaneceram na faixa de US$ 30 mil, aumentando de US$ 30.880 para "apenas" US$ 38.923.
Ainda que os argumentos favoráveis ao projeto tenham sido claramente elaborados, há muitos contrários à medida. Uma das principais críticas diz respeito à maturidade dos jovens, que talvez optem por gastar o montante com itens considerados supérfluos, como carros e viagens.
"A gente nunca sabe o que uma pessoa vai fazer com dinheiro, independentemente de sua idade, então acho que não devemos policiar como os jovens vão gastar esse dinheiro", acrescenta Zewde, "a mesma coisa acontece com jovens de famílias ricas: eles gastam como e quando querem, e ninguém os controla ou critica. No final das contas, quem tem condições financeiras vai ser ajudar seu filho, seja com a entrada de uma casa, com os gastos universitários e além".
A docente pondera também que o projeto não foi submetido ao Congresso, e que alterações ao texto são esperadas. É possível, por exemplo, elevar a idade de acesso ao dinheiro, passando de 18 a 23 anos – "é nesta fase que os jovens saem da faculdade", disse.
Outra medida que também pode ser feita para "blindar" o programa é limitar o destino do dinheiro, autorizando o resgate financeiro apenas para auxílio em questões de moradia, saúde e educação.
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Avaliado em US$ 60 bilhões, o Baby Bond precisa cativar a simpatia dos republicanos para entrar na pauta do Congresso, mas enquanto isso não acontece, os Estados Unidos precisam discutir novas e velhas maneiras de fechar o abismo social que separa a realidade de seus cidadãos.
"Precisamos de uma grande mudança estrutural, e eu espero que a atual administração esteja disposta a encarar esse desafio", pontua Zewde. "É necessária mais transparência financeira internacional para evitar a evasão do dinheiro, e retomar as conversas sobre taxar grandes fortunas. Acho que deveríamos taxar em 10% todas as fortunas acima de US$ 10 bilhões, porque é dinheiro demais".
Segundo levantamento da ProPublica, as famílias americanas cujos ganhos médios ficam em US$ 70 mil anual contribuíram com 14% em impostos federais, enquanto as 25 pessoas mais ricas contribuíram com apenas 3,4% de suas riquezas.