Hoje é o Dia Internacional das Catadoras e Catadores de Materiais Recicláveis. Escolhemos esse dia por causa da luta e da importância da categoria para o planeta. Este dia é também em memória das catadoras e catadores colombianos assassinados na Universidade Barranquilla na Colômbia no ano de 1992. As catadoras e catadores eram chamadas para pegarem papelão e quando entravam na universidade, eram assassinadas para que seus órgãos fossem estudados e depois vendidos.
Lembro de minha infância, das minhas manas brincando com copos plásticos, barbantes e pedaços de madeira que formavam uma casinha, dos meus pais sentados com um saco preto de resíduos misturados entre as pernas e tantos outros entre abertos ao seu redor, cada um com um material diferente, plásticos, metais e papéis.
No saco de papéis brancos, eu via a maioria manchado de café, com assinaturas e informações que outrora foram importantes, mas que passaram a ser apenas lixo, algo causador de problemas ambientais e de grandes prejuízos econômicos e que ninguém mais quer por perto, mas meus pais queriam e nas suas mãos, passavam do algo ruim para o bom, tornando-se um bem, o qual geravam ocupação decente, renda, economia de recursos econômicos e ambientais e o brinquedo das minhas manas.
Esse pensamento sobre a infância é a base do que me tornei, a ideia de ter a vida e tudo que eu conhecia ligados a catação, dali meus pais se ocupavam, dali minhas manas brincavam, dali provinha a nossa vida, logo, tornar-se catador foi apenas reconhecer-me como alguém ligado as minhas próprias raízes. Assim ocorreu em milhares de outras famílias, famílias catadoras.
Caminhei junto com minhas companheiras e companheiros para a organização da cooperativa, da cooperativa para o movimento local e internacional, uma grande alegria ver nossos símbolos, que unificam nossa luta e nossa existência. A bandeira do MNCR, a alegria do encontro, a firmeza da marcha, a garra expressada no rosto de quem grita palavras de ordem que abalam a normalidade da política bélica, as quais são obrigadas a pararem e atônitas, as vezes na força, construírem políticas de vida.
A organização da nossa categoria é um processo de coletivizar este importante trabalho e a luta para vencer os preconceitos, a exclusão social, a exploração econômica, e mais do que isso, colocar o ser humano que vive da catação como uma pessoa importante, que existe, tem direitos e pede passagem, apoiado principalmente por quem não pode falar, mas que se falasse, iria nos agradecer fortemente pelo dia de hoje. A mãe natureza iria sacudir o planeta gritando a fortes pulmões oceânicos amazônicos. "Obrigado catadoras e catadores."
Viva o 1º de março, viva as catadoras e catadores, viva a vida!
*Alexandro Cardoso é catador, escritor e antropólogo.
* Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato.