A primeira engenheira negra do Brasil pintada com cor de pele laranja e cabelo azul. Assim é a arte escolhida pela Prefeitura de Curitiba para divulgar o serviço de atendimento do Centro de Referência Afro Enedina Alves Marques (Creafro).
"A divulgação do Creafro vem com a descaracterização da cor da pele, tipo de cabelo e elementos gráficos europeus…É uma amostra do racismo estrutural que muitos ainda dizem não existir, apagando nossa cultura e distanciando uma identificação visual que acolheria a população negra de imediato", diz Giorgia Prates (PT), vereadora que propôs o projeto de criação do Centro.
Inaugurado em novembro de 2023, o Creafro tem objetivo de encaminhar e acompanhar denúncias de discriminação racial e intolerância religiosa, oferecendo um atendimento multidisciplinar às vítimas por meio de profissionais especializados nas áreas psicossocial, jurídica, pedagógica e de saúde.
Segundo Giorgia, a peça de divulgação da prefeitura distancia o Centro do serviço a que ele se propõe. "Não se combate o racismo com ações que reafirmam o racismo. Não podemos admitir que esse serviço se transforme em mais uma ferramenta de embranquecimento, por receio de fazer um enfrentamento coerente e necessário", afirma.
A vereadora também aponta que já houve desvio do intuito inicial do projeto antes mesmo da inauguração do Creafro, com a mudança do nome. A proposta era que a nomenclatura fosse "Centro de Referência Afro Enedina Alves Marques de Combate ao Racismo e ao Racismo Religioso" e passou a ser "Centro de Referência Afro Enedina Alves Marques". Para Giorgia, a mudança desviou a identificação imediata dos serviços prestados.
"O Centro foi uma conquista importante, mas a maneira como ele tem sido tratado (inclusive por parte da população) mostra o quanto ainda precisamos caminhar no combate ao racismo", alertou.
A vereadora disse ter se colocado à disposição da prefeitura para garantir a boa execução do serviço do Creafro e a livre expressão da população negra na cidade.
Posicionamento da prefeitura
A reportagem entrou em contato com a Prefeitura de Curitiba, pedindo um posicionamento em relação as críticas levantadas. Abaixo, publicamos a íntegra da nota recebida:
"A Assessoria de Promoção da Igualdade Étnico-Racial da Prefeitura de Curitiba reafirma seu compromisso inabalável com a promoção da diversidade e o combate ao racismo. Destacamos que a atuação sistemática visa dar visibilidade às etnias Negra, Indígena e Cigana, sendo o Centro de Referência Afro – Enedina Alves Marques (Creafro) um importante instrumento nesse contexto, focado no atendimento às vítimas de racismo, intolerância religiosa e xenofobia.
Em relação à representação visual do Creafro, esclarecemos que a intenção ao desenvolver o busto da grande engenheira Enedina Alves Marques é valorizar e caracterizar o espaço como dedicado ao atendimento da população negra. As cores utilizadas na divulgação, incluindo os tons terrosos presentes, seguem um padrão institucional da assessoria e não têm qualquer intenção de descaracterização física.
Além disso, na imagem há elementos simbólicos africanos, como a Adinkra, especificamente o símbolo SANKOFA, representado pelo coração. Este símbolo comunica-se com a ancestralidade, enfatizando a importância de adquirir conhecimentos do passado enquanto se olha para o futuro. Destacamos que a Adinkra SANKOFA está incorporada ao cenário da cidade de Curitiba nos gradis dos portões, fortalecendo a conexão com a história e cultura afrodescendente.
Respeitamos a identidade de Enedina Alves Marques e celebramos sua contribuição histórica, inclusive com a inauguração de sua estátua no coração da cidade, a Rua XV de Novembro, no dia 15 de janeiro deste ano. Agradecemos pelo engajamento da comunidade e reiteramos nosso compromisso em construir uma cidade inclusiva, respeitosa e equitativa para todos."