Simone tem cinco filhos e poucas perspectivas de futuro. Se tiver que sair da atual residência construída, onde vive desde o início dos anos 2000, na rua Olga de Araújo Espíndola, no bairro Novo Mundo, afirma que não tem como viver noutro lugar. E é a mesma história de Jhonir, de Luciana, de Nilson, um remanescente de famílias que agora se posiciona contra a ordem de reintegração de posse.
Em ofício datado de 21 de março, o Juiz da 12ª Vara Cível de Curitiba/PR, Marcelo Ferreira, solicita reforço policial à Coordenadoria Especial de Mediação dos Conflitos da Terra (Coorterra/PMPR) de assessoramento às ações e operações da Polícia Militar do Paraná, sinalizando pressa na execução da reintegração. Por outro lado, o próprio Coorterra havia solicitado presença da Comissão de Conflitos Fundiários do Tribunal de Justiça do Paraná.
Esses moradores de certa forma relatam uma situação que assombraria o escritor checo Franz Kafka. Alguns são pressionados a deixar a casa onde vivem, porque seu lote teria sido vendido a outra família pela associação de moradores – que, por sua vez, não reconhece o fato e acusa o grupo de moradores de não pagamento de prestações da casa.
O conflito se intensificou neste ano entre os dois agrupamentos. “Há noites em que ninguém dorme, ficamos no celular um falando com outro, não sabemos: se para um motorista de aplicativo, se é algum risco para nós”, conta Simone.
Ao todo, então, essas oito famílias vivem a incerteza em um residencial de cerca de 50 pessoas. A atual associação de moradores tem o mesmo nome da rua. A Associação Olga de Araújo Espíndola tem mais de uma década e foi criada no meio do processo judicial de reintegração de posse movido pela Ecora S/A – Empresa de Construção e Recuperação de Ativos, que teve sua falência declarada, para então negociar a situação da área com a massa falida.
Os moradores com risco de passar pela reintegração de posse afirmam à reportagem que uma pessoa teria sido tirada de casa e hoje paga aluguel. Outro terreno vazio, com imóvel simplesmente destruído, é de um antigo proprietário cuja mãe faleceu e hoje ele mora na rua. Acusam que há, ainda, em assembleia recente, a qual a reportagem do Brasil de Fato Paraná recebeu um vídeo, moradores que estão à espera do terreno, porém não moram hoje na vila.
A assembleia mais recente não foi realizada na comunidade ou em eventual sede da associação, mas em frente à faculdade Santa Cruz, que fica ali perto, porém colocando em dúvidas como foi feita a convocatória da assembleia e respeito ao quórum. No entanto, a associação de moradores justificou à reportagem que não haveria necessidade de uma sede própria e de realizar assembleia na própria comunidade onde as pessoas moram.
"Precisamos de todos juntos na negociação para chegar numa solução”, conclama o juiz Augusto Guterres / Pedro Carrano
Ausência de mediação neste momento
Neste episódio, a Comissão de Soluções Fundiárias não foi autorizada pelo juiz para realizar audiências, diante do entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as particularidades do caso.
Antes dessa decisão, porém, a comissão chegou a realizar visita técnica na região, onde teve contato com as famílias, com ambos os lados e com a situação de conflito.
O juiz integrante da Comissão, José Augusto Guterres, neste sentido afirma que espera pelo recurso para que eventualmente possa retomar a mediação.
“No relatório da visita, eu coloquei que via muita chance de acordo, vejo um cenário favorável, espero que a gente possa voltar a mediar pelo Cejusc Fundiário. (…) Pretendia chamar todo mundo, inclusive a massa falida e quem tiver disposição para poder estar junto. Para assim se verificar a possibilidade de pagar, ou conseguir algum programa habitacional. Precisamos de todos juntos na negociação para chegar numa solução”, conclama Guterres.
A Defensoria Pública do Estado, por sua vez, na figura de João Victor Longhi, tem apresentado recursos. O relatório da Nufurb, inclusive aponta possíveis irregularidades no processo da associação, no que se refere à representatividade dos moradores e aquisição de imóveis.
Defensoria Pública do Estado, Ministério Público e Comissão de Conflitos Fundiários têm buscado caminhos para famílias não serem despejadas / divulgação com realce de trechos
A associação de moradores, por meio da compra da área, foi sub-rogada nos direitos sobre os lotes que ainda estão ali. E – fato incomum – é a associação que, agora, está pedindo a reintegração de posse, substituindo a Ecora.
Na opinião da advogada popular Bárbara Esteche, da campanha Despejo Zero, “O Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (NUFURB) e o Ministério Público vêm denunciando, no processo, irregularidades da Associação e na negociação. Seria importante que os referidos órgãos públicos tomassem medidas administrativas em face dos desvios que eventualmente foram constatados”, aponta
Outro lado: associação de moradores acusa
A associação de moradores Olga Espíndola, por sua vez, responsabiliza as oito famílias por eventuais atrasos e problemas no processo de regularização fundiária. Afirma que as famílias nunca teriam pago prestações, o que tornaria onerosa a suposta dívida com o que chama de "credores".
Indagada sobre possibilidade de mediação e negociação com os moradores sobre o preço das prestações, Marcia Bueno, empreendedora social e vice-presidente da associação, afirma: "Quantas vezes essas famílias tiveram essa possibilidade (de negociação)? Como fizeram? Achando que não precisavam pagar? A situação se estende há mais de quinze anos, o desespero era tão grande, que estávamos todos em reintegração de posse", afirma.
A associação enxerga pouca chance para mediação, em que pese a sinalização positiva da Comissão de Conflitos Fundiários. "Foi tudo negociado com as mais de 70 famílias. Esses seres acham que vão viver sem pagar. Nós temos dívidas e esses moradores não pagam luz, nem água, nem por suas casas", critica.
Por fim, questionada também pela reportagem, Bueno não rechaça o fato de que a associação não tem controle sobre o cadastramento das famílias no processo de regularização da área, o que abre espaço para venda de terrenos no local. "As famílias fazem o que quiser na posse delas", comenta. E completa: "Estamos há mais de vinte anos nesse processo, o grupo (famílias com pedido de reintegração) nunca assinou uma ata. (…)", critica a vice-presidente.