A cerimônia de posse da nova diretoria da Federação Comunitária das Associações de Moradores de Curitiba e Região Metropolitana (Femoclam), feita no Sindicatos Permissionários Centrais Abastecimento Alimentos (Sindaruc), cuja sede fica no Ceasa, no dia 15 de junho, um sábado, contou com apenas um único pré-candidato a prefeitura de Curitiba: Eduardo Pimentel (PSD).
Há anos, Pimentel e o grupo político do atual prefeito, Rafael Greca (PSD), tenta consolidar uma base de apoio popular por meio de três ferramentas: a Femoclan, o Ceasa (Centrais de Abastecimento do Paraná), via distribuição gratuita de alimentos, sob acompanhamento das administrações regionais da prefeitura. O atual vice-prefeito de certa forma conhece este terreno, afinal já foi diretor agrocomercial do Ceasa.
Como fio que entrelaça esses espaços, está a tentativa de garantir apoio de lideranças sociais, que recebem serviços e auxílios tanto do Ceasa, como da Femoclam, por meio de relação que pode ser considerada clientelista. Afinal, o Ceasa entrega alimentos gratuitos diretamente a comunidades e bairros periféricos de Curitiba e região. De acordo com o próprio governo Ratinho Jr (PSD), por exemplo, em 2022, foram 331 entidades atendidas, cerca de 130 mil pessoas alcançadas mensalmente em todo o Paraná. Em Curitiba, o Banco de Alimentos atendeu aproximadamente 75 mil pessoas e 134 entidades, o que dá mostra do enraizamento dessa política.
A Femoclam garante, ainda, a regularização legal de uma associação de bairro ou de moradores, algo necessário para, por exemplo, receber os alimentos do Ceasa. Bem como, em alguns casos, atendimento jurídico – dois itens necessários para qualquer liderança comunitária.
No evento do dia 15 de junho, o apoio expresso diretamente a “Eduardinho”, como é conhecido pelos íntimos no meio político, na voz de representantes da Femoclam e do Ceasa, deixa as seguintes perguntas: Esse apoio foi aprovado em alguma instância dessas entidades, sobretudo no caso da Femoclam? As associações foram consultadas para este apoio? E, o princiipal, se alguma comunidade se recusar a ter o mesmo posicionamento e não apoiar Pimentel, poderia perder os atuais benefícios?
Até o fechamento desta edição, os representantes procurados pelo Brasil de Fato Paraná não responderam essas questões (veja abaixo). Nilson Pereira, atual presidente da Femoclam, chegou a bloquear o celular da redação.
No dia da posse, estavam presentes ainda à festividade o vereador Tico Kuzma, o deputado estadual Mauro Moraes – figura também bastante presente na relação com lideranças de associações. Todos são do PSD do governador Ratinho Jr. Compareceram também administradores regionais, caso de Fernando Wernek Bonfim (Bairro Novo); Raphael Keiji Assahida (CIC); Marcelo Ferraz Cesar (Tatuquara); e Gerson Gunha (Fazendinha/Portão).
Movimento comunitário
A Femoclam, como a própria entidade coloca em seu site, afirma ser “reconhecida como o maior movimento comunitário do Paraná, tem 38 anos de atividades”, reunindo atualmente 1.500 associações de moradores e clubes de mães de Curitiba e região. Neste sentido, ao lado do Ceasa e dos serviços das diferentes administrações regionais de Curitiba, estamos falando de uma rede de contato, apoio – e também inevitável pressão -, sobre presidentes e associações de moradores.
Durante a posse da federação, Pimentel colocou que se trata de uma relação de “8 anos” ao lado da entidade. De fato, em 2023 também houve festa para as lideranças comunitárias receber o abraço do atual vice-prefeito. O formato é agradável, garante fala e foto ao lado de lideranças. “Sou parceiro de vocês. Tenho compromisso com a Femoclam, vocês são a primeira entrada na comunidade”, afirmou, neste ano.
Representante do Ceasa aponta Pimentel como já “prefeito”
Já o Ceasa, órgão ligado ao governo do Paraná, e ao governo federal, por meio de recursos e programas, expressou um apoio ainda mais declarado à candidatura do PSD à prefeitura da capital. A partir de 2010, o banco de alimentos do Ceasa está instalado em Curitiba, Foz do Iguaçu, Cascavel, Londrina e Maringá. Uma gravação recebida pelo Brasil de Fato Paraná, de uma liderança comunitária, presente no festejo do dia 15, atesta a seguinte fala em nome do Ceasa, ainda que a gravação não permita entender quem foi o administrador a pronunciar a seguinte fala:
“A Ceasa procura ajudar, com o banco de alimentos, no atual governo Ratinho Jr, um programa grande e bonito, que ajuda muita gente, com o auxílio e ajuda do nosso prefeito, e já digo prefeito, do nosso candidato, Eduardo Pimentel, para continuar o bom trabalho que Rafael Greca vem fazendo em parceria com Ratinho Jr (…)”. O representante ainda afirma que, em São José dos Pinhais, o apoio é para “Nina” (Margarida Maria Singer, do Cidadania, atual prefeita, que deve disputar a reeleição em São José dos Pinhais). Contem com a Ceasa e fiquem com Deus”, encerrou a fala o representante.
Gerente do Banco de Alimentos do Ceasa Paraná, Jaqueline Gomide de Macedo, que tem contato cotidiano com o fornecimento de alimentos para áreas de ocupação e comunidades, procurada pelo Brasil de Fato Paraná, preferiu não se pronunciar e de imediato recusou o vínculo político apontado no evento. Apontou que passaria o contato da direção do Ceasa, mas até o fechamento da edição não recebemos contato. Mais tarde, apontou que o diretor do Ceasa, Eder Bublitz, estaria em viagem.
O programa Banco de Alimentos da Ceasa é orientado pelos princípios e diretrizes que regem a Política e Sistema Estaduais de Segurança Alimentar e Nutricional, instituídos na Lei 15.791, de 1º de abril de 2008, e Lei 16.565, de 31 de agosto de 2010, as Leis Federais nº 11.346/2006 e nº 14.016/2020 e a Lei Estadual nº 16.565/2010.
Uma relação marcada pela submissão?
A Femoclam, fundada em 1986, é a entidade que organiza as disputas de eleições para associações de moradores na capital. Os chamados bate-chapa. Conta com expertise e experiência para tanto. Oferece também serviço jurídico. Que, na prática, lideranças afirmam que tem pouca efetividade. Ao mesmo tempo, é também bastante criticada por associações de moradores e lideranças independentes, pela pressão que exerce em sua base e pela relação de submissão aos executivo estadual, municipal e regional também.
Há exemplos também, já noticiados pelo BDF PR, de associações abandonadas e sem vida, sem participação popular, que estão na base desta entidade.
O entrelaçamento entre a federação de associações de moradores e o governo do Paraná se evidencia não só pela figura de Pimentel, que cumpre papel de vice-prefeito e, no âmbito estadual, foi secretário de Estado das Cidades no governo estadual, agora licenciado. Mas também pelo fato de que João Pereira é integrante do Núcleo de Assuntos Comunitários da Secretaria de Estado do Trabalho. Pereira é integrante histórico e presidente de honra da Femoclam.
Nessa condição, Pereira participa de várias reuniões nos bairros, como mostram suas redes sociais, em nome do Núcleo e também sempre com a bandeira da federação a tiracolo. Há outros líderes comunitários nesta condição, no interior do aparelho do Estado, cuja porta de entrada para este jogo no governo foi justamente a relação com a Femoclam e com a administração regional da prefeitura.
Com isso, a ponte Ratinho Jr, prefeitura de Greca e comunidades da capital se completa.
Pressões fortes, segundo lideranças de associações de moradores
As pressões políticas e por votos existem, de acordo com lideranças, ex-presidentes de associações e diretoras, que apontam que pode partir, sobretudo, das administrações regionais. O ano de 2020, no auge da pandemia, é considerado um marco neste sentido. As lideranças precisavam garantir o apoio na base.
“Sei que essa pressão existe, eles vêm na associação, dizendo para apoiar tal candidato, sabíamos que estava a mando disso”, afirma antiga presidente de associação de moradores no bairro Novo Mundo, em Curitiba, que preferiu não se identificar.
Já um ex-presidente de associação na Cidade Industrial de Curitiba (CIC) confirma a relação de troca de mercadorias: o apoio a determinado candidato a câmbio de auxílios, doações, e atenção especial por parte do poder público às demandas comunitárias.
“Foram três anos de pressão e no ano da última eleição de vereador pessoas da regional foram na associação e levaram o candidato à reeleição para apresentar a liderança e ‘pedir’ apoio. Sabemos que não é bem assim: se você aceita, tudo começa a acontecer. Se você recusa tudo de ruim começa a acontecer”, afirma, que preferiu não se identificar.
Já uma associação independente e surgida dos anos 1990 – desvinculada da Femoclam –, reconhece que a ingerência e a falta de visão sobre independência das associações são problemas comuns. As lideranças, na pressão para resolver problemas gritantes e imediatos, não têm como reagir ou não se atentam à cooptação.
“As associações são levadas a acreditar que têm obrigatoriamente de usar da Femoclam para conseguir dar conta da burocracia e dos registros das entidades. De fato, como tem alinhamento com o poder municipal, eles têm verba e penetração pelas regionais para oferecer vantagens (que deveriam ser para todos) e cooptar lideranças e tomar as entidades de bairros. Inclusive avançando seus tentáculos nos conselhos municipais e estaduais”, afirma uma liderança à reportagem do Brasil de Fato Paraná. Ela também preferiu a não identificação como forma de não haver qualquer retaliação.
A mesma liderança questiona o apoio de um líder comunitário à gestão Greca/Pimentel. Para ela, um paradoxo: “Afinal, houve o pacotaço contra os servidores e congelamento de salários; houve despejos forçados em Curitiba, caso da Guaporé; a prioridade do asfalto é nos bairros ricos; as cheias seguem atingindo bairros periféricos; o povo não deveria apoiar alguém que se preocupa com o povo?”, questiona a liderança.
"Esse apoio foi aprovado em alguma instância dessas entidades, sobretudo no caso da Femoclam? As associações foram consultadas para este apoio?". Foto: / Levy Ferreira SMCS
Histórico das associações de moradores remete aos anos 1980
O economista Lafaiete Neves é autor do livro “Movimento Popular e Transporte em Curitiba” (Editora Gráfica Popular), em que traça um histórico das mobilizações e criações de associações de moradores nos 1980, na onda de mobilizações operárias e de migrantes, já no final da ditadura, criando ocupações em Curitiba.
Neves considera que a Femoclam surge para contrapor organizações de lutas que surgiram naquele período, caso do Movimento de Associações de Bairro (MAB), que chegou a reunir 15 mil pessoas em encontro, além de Federação de Bairros de Curitiba e RM, com influência de Roberto Requião, e União Geral de Bairros, Vilas e Jardins de Curitiba.
Ao contrário de uma visão de autonomia e independência do Estado, para associações e lideranças ligadas à Femoclam, Neves aponta que a visão é de uma verdadeira extensão do Estado. Um braço. “A Femoclam é uma correia de transmissão da prefeitura, desde a origem, para se contrapor às associações mais à esquerda. Havia a federação ligada ao Requião e Cesar Pelosi, havia o MAB. A Femoclam surge como uma extensão do Estado, sem qualquer vínculo com a população, vinculados organicamente com o Estado, via regionais e cabides de emprego”, aponta.
História confirma movimento de lideranças
O Movimento Curitibano das Lideranças de Associações de Moradores de Curitiba e Região Metropolitana (MOCLAM), surgido em 1986, em 1989, transformou-se em Federação Comunitária das Associações de Moradores de Curitiba e Região Metropolitana.
Talvez a senha esteja justamente aí. A Femoclam não organiza população coletivamente, na condição de movimento popular. Pelo contrário, seu enfoque são, realmente, lideranças consideradas, muitas vezes, vinculadas ao poder público.
ANEXO. Perguntas enviadas para Femoclam e para Ceasa
Para Ceasa. Muito bom dia, em nome da redação do Brasil de Fato Paraná, veículo jornalístico, gostaríamos se possível de resposta às seguintes perguntas. Não obtivemos contato ontem (24), pedindo se possível resposta até às 9 horas da manhã de hoje:
– Eduardo Pimentel é o candidato oficial da gerência do Ceasa?
– Essa escolha não impede uma relação independente e enquanto poder público com as comunidades atendidas pelo Ceasa? Em outras palavras, não politiza a relação?
– Associações que eventualmente optarem por não apoiar Pimentel, ou até apoiadores outras candidaturas, terão alguma forma de retaliação?
– Por ser uma entidade comunitária, ampla, a Femoclam não deveria ter chamado outros pré-candidatos para sua posse? Nesse sentido, representantes do Ceasa não deveriam ter se resguardado de explicitar apoio a Pimentel no evento?
– A visão da gerência da Ceasa é de que associações de moradores devem ser independentes e autônomas ou não em relação ao Estado?
Para Femoclam. Muito bom dia, em nome da redação do Brasil de Fato Paraná, veículo jornalístico, gostaríamos se possível de resposta às seguintes perguntas. Não obtivemos contato ontem (24), pedindo se possível resposta até às 9 horas da manhã de hoje. Atenciosamente, desde já agradecemos:
– Eduardo Pimentel é o candidato oficial apoiado pela Federação Comunitária das Associações de Moradores de Curitiba e Região Metropolitana (Femoclam)?
– Essa escolha teve consulta e apoio das 1500 associações filiadas, como o próprio site da entidade coloca?
– Associações que eventualmente optarem por não apoiar Pimentel, terão alguma forma dissenso da entidade?
– Por ser uma entidade comunitária, ampla, a Femoclam, não deveria ter chamado outros pré-candidatos para sua posse?
– A visão da Femoclam é de que associações de moradores devem ser independentes e autônomas em relação ao Estado?
“Sou parceiro de vocês. Tenho compromisso com a Femoclan, vocês são a primeira entrada na comunidade”, afirmou Pimentel, neste ano / Divulgação Femoclam