À primeira vista, parece uma grande procissão ou até mesmo um protesto, mas as cerca de mil pessoas caminhando pelas ruas de Belém (PA) participam, na verdade, de uma aula pública no centro histórico da cidade.
A iniciativa é do professor e historiador Michel Pinho e começou há cerca de 25 anos. Pinho conta a origem dos prédios públicos e, a partir do patrimônio histórico e cultural, explica a história da chamada capital da Amazônia.
"Eu imagino a cidade como se ela fosse uma sala de aula, então, ao invés de um quadro, a gente tem um prédio, ao invés de uma projeção, a gente tem uma rua, ao invés de uma narrativa, a gente tem as pessoas. Então fazer isso é fazer com que a gente tome para a gente um direito, que é o direito à cidade", explica.
Ao centro, com o apoio de uma pequena escada, o professor garante a atenção dos 'alunos'. / Marci Nagano/Amazônia Vox
Na última aula pública nas ruas, realizada no aniversário de Belém, dia 12 de janeiro, o projeto alcançou um público recorde de cerca de mil pessoas em um domingo de feriado e emocionou o professor, aplaudido pela multidão.
“O que chama atenção das pessoas é reconhecer a cidade e o seu espaço. Ver e entender o nome das ruas, porque é assim ou assado, porque o prédio tem essas características, porque a cidade se apresenta dessa maneira. É muito bonito ver as pessoas se interessarem por isso”.
Em tempos de excesso de informação disponível por diversos formatos, o projeto reforça ainda a importância histórica do papel do professor que facilita o acesso ao saber em linguagem humanizada, dinâmica e coletiva, conquistando um público que vai desde crianças até idosos.
“A gente tem internet hoje, a gente tem TV, tem todas as possibilidades, mas, por incrível que pareça, isso só reforça o papel de alguém, que vai pegar esse conteúdo acadêmico, das dissertações, teses de doutorados, e vai transformar isso em uma linguagem acessível para uma criança de 10 anos ou uma senhora de 95”, comemora o professor Pinho.
Belém possui mais de 3 mil imóveis tombados que guardam sua memória. / Marci Nagano/Amazônia Vox
Sede da Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas de 2025, a COP 30, Belém tem ocupado as principais manchetes do país e desperta a curiosidade sobre os encantos amazônicos, por isso, turistas também são um dos públicos de destaques nas aulas públicas.
“O fato de eu ser carioca não significa que eu esteja aqui e não esteja me conhecendo, porque isso aqui é o Brasil, é a minha raiz, a minha identidade, e descobrir que Belém tem tanta ligação com a África me emocionou. Isso para mim foi o ponto alto do passeio e sou muito grata por essa oportunidade, por estar aqui, por estar em Belém e por me conhecer um pouco mais”, explica a carioca Talise dos Anjos.
Belém também é chamada Mairi, terra de Maíra, em referência às origens indígenas da primeira capital da Amazônia, que já foi povoada por Tupinambás e, com isso, a cada aula, novos temas são abordados e vão desde curiosidades sobre a arquitetura até a relação indígena e africana com a história da cidade.
“A importância da iniciativa do Michel para a cidade de Belém, para a população de Belém, é não invisibilizar a nossa história, é protagonizar a nossa história, porque eu penso que a gente constrói uma identidade cultural quando a gente sabe onde o nosso pé pisa, então o nosso pé pisa numa terra tupinambá, com o espírito de Maíra", declara a professora Inês Ribeiro, coordenadora geral do Auto do Círio, uma das tradições culturais de Belém.
Honorina Nunes, aos 93 anos, comemora poder conhecer mais sobre sua cidade. / Marci Nagano/Amazônia Vox
Caminhando durante todo o percurso da aula pública, aos 93 anos, a ex-vendedora das tradicionais perfumarias e variedades do Mercado Ver-o-Peso, considerada a maior feira aberta da América Latina, a senhora Honorina Nunes faz questão de participar das aulas ao lado dos filhos e netos.
“Quanto mais a gente vive, mais a gente aprende, porque essa é mais uma coisa maravilhosa na minha cabeça."