A volta do Neymar ao futebol brasileiro traz uma questão latente para parte da população do país: será que ele vai seguir sendo aquele jovem transgressor dentro de campo, e conservador fora?
A reflexão é da jornalista, escritora e comentarista Milly Lacombe. Em entrevista ao programa Bem Viver desta terça-feira (11), a especialista relatou a “relação de amor” que tem com o talento do craque brasileiro.
Ao mesmo tempo, Lacombe afirma que é “inegociável” ver Neymar jogando e não remeter ao apoio que manifestou diversas vezes ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e também a solidariedade que prestou a Robinho quando o jogador foi condenado por um caso de estupro na Europa.
“O Neymar provoca muitos sentimentos na nação, e sentimentos às vezes são contraditórios e a gente tem que arrumar uma maneira de acomodar tudo isso dentro da gente”.
Milly Lacombe afirma que muitas respostas só chegarão com o tempo. Por exemplo, qual será o desempenho dele em campo e o quanto isso pode se refletir para o futebol e a seleção brasileira? Além disso, qual o peso peso político da volta de Neymar aos gramados do país?
“Eu acredito na transformação das pessoas. A gente viu que o Mano Brown foi lá cantar [na apresentação do Neymar], e a gente viu a relação desses dois homens. São dois homens negros, dois homens que vieram da periferia, eles têm muita coisa em comum”.
“E do mesmo jeito que tem um monte de fascista que pode influenciar o Neymar, tem um monte de gente com o Mano Brown, que também pode".
Confira a entrevista na íntegra
Como foi para você a volta do Neymar ao futebol brasileiro?
O Neymar provoca muitos sentimentos na nação, e sentimentos às vezes são contraditórios e a gente tem que arrumar uma maneira de acomodar tudo isso dentro da gente.
O Neymar é fora de série, ele é um extraterrestre, é monstruoso em campo. Eu estava num jogo da Copinha quando ele tinha 14 anos e ele entrou em campo. E eu lembro da emoção que eu senti, eu estava comentando pelo Sportv esse jogo.
Na mesma hora, eu falei: "tem alguma coisa muito fenomenal acontecendo hoje aqui. Esse menino, essa criança, vai dar muita alegria pra gente".
O jeito como o Neymar joga dentro de campo é muito transgressor. Tudo o que ele tem de conservador fora do campo, dentro do campo ele tem de transgressor.
Ele usou na volta dele, na apresentação lá na Vila Belmiro, a palavra ousadia. E é isso que eu acho que ele traz pra gente, esse futebol moleque, esse futebol de rua, brasileiro, esse futebol do drible que dribla pra frente, dribla pra trás, inventa espaço. O Neymar é Brasil dentro de campo.
Isso dito, eu acho que tem uma série de outras coisas que, para mulheres e homens que estão muito atentos ao que acontece no mundo, são difíceis da gente lidar.
É muito difícil que peçam pra gente assim: “olha só pra ele dentro de campo. Esquece o que acontece fora”.
Ele apoiou o Bolsonaro. Pra mim isso é inegociável. Não tem como alguém apoiar o Bolsonaro. E ele é amigo de jogador que foi condenado por estupro, ele nunca se manifestou a respeito disso. Muito pelo contrário, quando ele se manifesta é para apoiar o amigão. Para pagar a multa, para dar apoio. É a broderagem.
Eu vi o documentário dele, lançado faz um tempinho. Lá fica evidente que ele é um ser humano, ele é cheio de falhas e cheio de virtudes e cheio de tropeços. É um ser humano, não dá pra a gente falar dele como se fosse Deus, ele não é, assim como nenhum de nós somos.
Então as pessoas ficam muito chateadas quando eu aponto os dois lados. Eu nunca só critiquei. O Neymar sempre mexeu comigo no nível, na dimensão do amor, eu realmente me emociono com ele dentro de campo.
E qual deve ser o efeito político de Neymar no Brasil, agora que será mais visto, falado, entrevistado? Principalmente no que diz respeito a essa disputa entre Lula e Bolsonaro?
Pois é, a gente vai ter que ver. Eu acredito que as pessoas se transformam, porque se a gente não acreditar nisso, a gente não luta mais, né? A gente não levanta da cama.
Então, eu acredito na transformação das pessoas. A gente viu que o Mano Brown foi lá cantar, e a gente viu a relação desses dois homens. São dois homens negros, dois homens que vieram da periferia, eles têm muita coisa em comum.
E do mesmo jeito que tem um monte de fascista que pode influenciar o Neymar, tem um monte de gente como o Mano Brown que também pode.
O contrato dele com o Santos é de seis meses, ninguém sabe o que vai acontecer depois.
O Brasil teve sua camisa de futebol apropriada por parte da população que apoia a extrema direita. Isso foi um efeito que aconteceu de forma rápida, mas foi muito notório e perceptível para todo mundo. Você acha que a esquerda abriu mão muito fácil desse símbolo nacional?
Eu não sei se havia muito o que fazer. A direita se apropria de símbolos, de linguagem, de conceitos, de uma forma muito inteligente. Tudo o que eles fazem tem uma inteligência por traz que a gente tende a menosprezar.
Não tem burrice ali, tá tudo muito organizado, mais organizado do que o campo da esquerda.
Então ali a única coisa que eu acho que poderia ter sido feita é deixar levar. E a CBF, se tivesse interessado em salvar a camisa amarela dessa associação com o fascismo, colocava uma camisa branca ou preta para jogo.
Porque a camiseta era branca até 1950, ela passou a ser amarela depois do Maracanaço. A branca foi aposentada culpando o Barbosa, um goleiro negro que pagou sozinho por uma derrota que foi de todo mundo, inclusive da torcida que estava lá na semifinal, dando a vitória na final como certa.
Eu acho muito difícil que essa camisa volte tão cedo a representar alguma coisa da ordem do aceitável.
Hoje eu vejo a bandeira do Brasil, eu me arrepio de medo. Eu não sei se ela está em disputa, eu não acho mais que ela esteja em disputa.
A África do Sul mudou a bandeira dela depois que Mandela assumiu a presidência, mudou o hino.
Você gostar da sua nação e da sua cultura é uma coisa muito diferente de você ser um nacionalista, patriota, como a gente está vendo aí. A direita detesta a cultura brasileira.
A gente vem lutando errado, vamos fazer uma outra camisa. É que a CBF também não está interessada, né? Ela está interessada em usar uma camisa amarela.
Começamos o ano com mais episódios de violência entre torcidas pelo Brasil. Como agir diante desse problema tão antigo?
Quando a gente olha para essas brigas de torcida, a gente tende primeiro a se distanciar disso. Todos nós temos uma dimensão de violência muito grande na gente, principalmente quem torce.
A gente tende a ser muito violento no pensamento com os rivais, com outro time. Então, primeiro, a gente precisa se implicar nisso, entender que essa violência existe, mas ela tem que ser domada.
Você não pode deixar a violência sair. Mas o que é que deixa a violência sair? É a ideia do que é ser homem. Existe dentro da masculinidade dominante o vetor da violência.
Quem se permite ser violento? A violência é um direito dado ao homem ao nascer, e não é só um direito dado, a masculinidade é validada através da violência. Se você não for violento, você não é homem.
Então os clubes precisam educar, se educar. A CBF precisa se educar, as escolas precisam se educar, o papel do Estado é ensinar identidade de gênero, questões de gênero, aula sobre o que é ser homem e o que é ser mulher.
Aulas de verdade, não essa ideia adoentada de masculinidade e de feminilidade.
O Brasil viveu uma onda de críticas as Bets, mas isso perdeu força nos últimos meses. Na sua opinião, segue sendo um problema as Bets?
É um problema muito, muito marcado pelo capitalismo. Porque esse capitalismo tardio, esse neoliberalismo, destrói as nossas vidas, obrigando a gente a trabalhar 15 horas por dia, 7 dias por semana, e depois oferece ilusões de uma de escape. Isso é muito perigoso.
A gente sabe que é viciante. Eu sou filha de um pai que era viciado em jogos. Eu sei que nada de bom vem disso.
Ao mesmo tempo, eu entendo que a gente não vai mais mudar esse cenário, então a gente precisa de soluções que diminuam ou eliminem até que algo aconteça.
As propagandas de Bet têm que ser proibidas, mas, enquanto não proibirem, é preciso colocar um aviso: “se você acha que está com problemas, ligue para tal número”. Existem associações, isso precisa ser muito divulgado, a gente parou de falar disso. É muito perigoso, as pessoas estão se matando, as pessoas estão morrendo, as pessoas estão perdendo tudo por causa das Bets.
O capitalismo joga a gente nesses lugares. Por que a gente se entorpece? Porque a gente perdeu o sentido disso aqui. A gente perdeu muita coisa fundamental, o capitalismo é um moedor de carnes e de almas. Então, acho que isso precisa acabar.
Então você está perdendo a esperança?
Não, eu mantenho o meu otimismo. Eu acho que no curto prazo as Bets não vão sair, então a gente tem que arrumar uma maneira de conviver com elas.
Eu quero acreditar que o capitalismo não vai destruir o futebol. Eu sei que ele já está infectado de todos os lados, mas o futebol é imenso, é tão enorme que ele dá um jeito de se reinventar.
O Manchester City está perdendo, está sendo goleado. O Paris Saint Germain, com aquela trinca, Mbappe, Neymar e Messi não conseguiu ganhar nada, nada de relevante. Ganhou lá uns campeonatos franceses, mas se a gente colocar lá o Bragantino para jogar o campeonato francês, talvez o Bragantino ganha o campeonato francês.
Então é isso, eu tenho esperança.
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