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‘Retomar política pública de inclusão é tão difícil quanto iniciá-la’, diz ex-ministra Matilde Ribeiro

Ex-chefe da pasta de Promoção da Igualdade Racial avalia atual gestão e vê golpe contra Dilma como divisor de águas

Para a ex-ministra Matilde Ribeiro, os desafios da atual gestão do governo Lula são tão grandes ou até maiores do que quando iniciou seu mandato em 2003.

À frente da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial por seis anos, Ribeiro defende que desde o golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, a população vive uma “descrença” em políticas públicas de inclusão.

“Nós temos que afirmar que houve um golpe no Brasil e que esse golpe tem ressonância nos nossos dias. Houve uma baixa, houve um descrédito em relação a políticas de cunho democrático popular e de inclusão, e retomar essa agenda, reaquecê-la, acho que é tão mais difícil do que iniciar”, diz em entrevista ao programa Bem Viver de terça-feira (4).

Segundo a ex-ministra, o grande êxito da sua gestão foi conseguir ampliar a compreensão nacional da necessidade do país ter políticas de combate ao racismo.

“Cada momento histórico tem os seus desafios. Lá nos início dos anos 2000, o nosso grande desafio era ainda registrar na agenda governamental, na agenda do Estado brasileiro, de que o racismo existe e de que é preciso ter políticas para o enfrentamento ao racismo”, explica Ribeiro que atualmente é professora Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira.

Na entrevista, a ex-ministra avalia a gestão de sua sucessora, Anielle Franco, e fala dos desafios para o país implementar a lei que garante o ensino de história afro-brasileira nas escolas.

Confira entrevista na íntegra

Na sua gestão foi o período que começou a se implementar o sistema de cotas no Brasil. Na época, havia muita resistência por diversos setores da sociedade, inclusive dentro do governo. Podemos dizer que hoje há unanimidade nesse tema?

Unanimidade não podemos dizer, até os dias de hoje. Porque nós temos, no Brasil, em todas as áreas da política pública, um posicionamento muito conservador em relação a acesso a direitos.

Tem uma visão que se perpetua de que o gasto com educação, com políticas sociais, é um vazamento de dinheiro do governo que não tem retorno. Isso não é verdade.

Eu sou ativista do movimento negro brasileiro desde os anos 1980 e o movimento negro brasileiro, o grande setor dele, vem batendo na educação como uma importante porta para a cidadania.

Nós sabemos que a educação universal, as formas de acesso historicamente, elas sempre funcionaram como um funil.

Desde que a lei de cotas foi oficializada, em 2012, nós temos parâmetros para dizer que as cotas são vitoriosas.

E aquelas pessoas conservadoras que diziam que com a realização das políticas de cotas ia ter a queda do ensino, ia ter a ampliação de conflitos raciais e sociais… Isso caiu por terra, uma vez que este contingente de pessoas que entram pelas cotas têm notas iguais ou superiores aos que entram pelas modalidades tradicionais. 

Então, nós podemos dizer que a medida é assertiva, que tem que continuar, e lembrando que o objetivo é que nós cheguemos no momento na nossa sociedade em que nós não precisemos mais das cotas, considerando que elas são políticas transitórias. 

Como a senhora comentou, a lei de cotas é um sucesso, os números mostram isso. Mas, por outro lado, uma medida mais antiga, a que tornou obrigatório o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana nas escolas brasileiras, não teve o mesmo resultado, ainda não vemos tanto na prática. A que se deve isso?

A Lei 10.639 foi assinada pelo presidente Lula em 9 de janeiro de 2003. Foi a primeira lei depois da posse.

Isso só foi possível porque havia uma sociedade ativa anterior a este fato. Existia por parte de setores do movimento negro que atuavam na área educacional um trabalho muito intenso de justificativa da importância do ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira. 

No Congresso Nacional já existiam minutas de projetos de lei com eminências deste poder Legislativo, atuando em prol da luta travada pelo movimento negro. 

Então, o presidente Lula, de maneira muito positiva, foi esperto. Ele pegou uma fatia de uma ação que já vinha sendo construída há muito tempo e efetivou algo que o Brasil fugia durante toda a sua história e já estava mais do que na hora de efetivar.

Quando nós falamos das dificuldades para a implementação, elas são reais, é muito difícil transformar a lei em ação prática justamente porque isso implica em mudança de cultura, mudança de postura, e atitude do professorado, das instituições, das comunidades, das famílias.

Vou citar um exemplo que é muito comum eu ouvir por parte de educadores quando faço oficinas e atividades com eles, é sobre a relação à religiosidade. A religiosidade de matriz africana é um elemento importante quando se fala dos aspectos culturais e do nosso jeito de ser brasileiro. 

Não a religião pela religião, mas a religião como uma forma de cultura, como uma forma de expressão social e política. E quando isso entra dentro da preparação do professorado, dos educadores, nós vamos nos deparar com muitos preconceitos, que religião de matriz afro é demônio e por aí vai.

Existe uma demonização quando se trata dessa religião. Então, é preciso muito tempo e muita persistência para trabalhar esse preconceito e essa negatividade junto aos educadores, junto a toda a comunidade. 

Esse é um exemplo apenas. Existem muitas situações de recuo de quem tem condição de contribuir para que a implementação aconteça. 

E o remédio para isso é trabalhar mais a formação política do professorado e também colocar na ordem do dia das instituições de ensino.

Porque as pessoas que assumem cargos de gestão, diretores, diretoras, coordenadores pedagógicos etc, elas são o instrumento para que a lei se transforme em prática.

E têm, sim, que ser estimulados e estimuladas, e não apenas como uma tarefa dentro do ato de educar, mas como a tarefa junto com as outras que são tão importantes quanto.

Como a senhora avalia a atuação da ministra Anielle Franco? Acredita que ela pode deixar o cargo nessa mudança ministerial que se desenha?

Eu acredito muito que o que nós iniciamos em 2003 foi o resultado de uma organização política de amplos setores do movimento negro, de um partido em especial, o Partido dos Trabalhadores, do qual eu faço parte. 

Lá em 2022, nós do movimento negro tínhamos um posicionamento de que a ministra não tinha atuação prévia na área e que era importante dar continuidade com pessoas com maior conhecimento de causa.

Mas já se passaram três anos, nós estamos entrando no terceiro ano, e eu acredito muito na capacidade das pessoas de aprenderem fazendo, foi assim comigo, foi assim com o presidente Lula.

Eu tenho visto grande esforço da Anielle Franco e da sua equipe em tocar as políticas de igualdade racial na sua dimensão de agora.

A senhora acredita que o desafio dela é maior do que o seu, quando iniciou o ministério em 2003?

Cada momento histórico tem os seus desafios. Lá nos início dos anos 2000, o nosso grande desafio era ainda registrar na agenda governamental, na agenda do Estado brasileiro, de que o racismo existe e de que é preciso ter políticas para o enfrentamento ao racismo. 

Essa tese de que o racismo existe e que precisa ter políticas de enfrentamento já foi um pouco mais absorvida pela sociedade.

Mas nós tivemos a infelicidade de ter tido desde o impeachment da presidenta Dilma, esse golpe. 

Nós temos que afirmar que houve um golpe no Brasil e que esse golpe tem ressonância nos nossos dias. Houve uma baixa, houve um descrédito em relação a políticas de cunho democrático popular e de inclusão, e retomar essa agenda, reaquecê-la, acho que é tão mais difícil do que iniciar.

Mas a gente tem uma memória, nós não podemos jogar fora a memória de um período que foi exitoso, porque eu não tenho dúvida de que a criação da Secretaria Especial de Promoção de Igualdade Racial é um marco inabalável na história do Brasil, um marco positivo, e trouxe memória que não foi apenas com a minha gestão. 

Então, esta memória não pode ser jogada fora. E é com essa memória que se pode criar antídoto para essa ala conservadora que sempre quer puxar para baixo. Memória e história são fundamentais. 


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