Sobre o que vêm passando, mas sobretudo, sobre o grande acontecimento do último sábado, 1º de fevereiro. O dia em que pessoas trans, travestis, lésbicas, gays, não bináries, encabeçaram uma manifestação antifascista de perto de 1 milhão e meio de pessoas. Isso é reparAção histórica. O dia que pessoas de um grupo enorme, embora minorizado, foram as primeiras da fila.
A fúria estourou com as palavras de Milei em Davos. Um discurso de ódio e cheio de inverdades sobre a comunidade trans-sapatão-travesti-gay+, no que tratava as pessoas de pedófilas e outros absurdos que me nego a reproduzir.
De tão mentiroso e cheio de ódio, a bomba lhe estourou na mão. Ou na boca? Dizem que o peixe pela boca morre. Quem sabe tenha sido a gota que faltava.
Com certeza ajudou a acordar a raiva da comunidade. E a se organizAR.
Lembremos que o povo já vinha muito cansado com as ameaças de recortes de 76% em medicamentos para HIV, tuberculose, hepatites. Desde o ano passado os recortes para pacientes oncológicxs é fato, assim como as pessoas que já estão morrendo pela falta de fármacos. É muito assusta-dor.
Agora também o caminho ao fechamento do Hospital de saúde mental Laura Bonaparte, um projeto de avançada, de atendimento gratuito, que que leva o nome de uma das Madres de Plaza de Mayo.
O governo argentino também se esmera em acabar com a figura legal do feminicídio e com o aborto legal, duas lutas hisHERStóricas e muito caras para o movimento feminista. O governo de Milei também quer acabar com as cotas no trabalho para pessoas trans e os documentos para pessoas não binárias.
Por isso, e, finalmente, a fúria estourou.
E foi tal, que começou uma convocatória urgente de boca em boca para o sábado 25 no Parque Lezama. Assim, em dois dias, juntaram-se umas 5 mil pessoas LGBTTQIA+, num colorido que dava água na boca, e organizaram a grande marcha nacional para o sábado seguinte.
Acabou sendo internacional com atos em Roma, París, Berlim, Santiago; e, no Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis. O chamado era desde a comunidade LGBT para toda a sociedade. Há só dois gêneros: o fascismo e o antifascismo.
O dia que pessoas de um grupo enorme, embora minorizado, foram as primeiras da fila / Instagram
Calcula-se que sábado, houve uns 2 milhões de pessoas nas ruas. Argentina, nunca será fascista.
Tenho uma amiga muito próxima de Buenos Aires que foi uma das mais de 5.000 pessoas que esteve no parque, agitando, e muito feliz a semana toda pela enorme mobilização. Imaginei que estaria na marcha. No sábado enviei uma mensagem perguntando como estava o clima nas ruas, além das redes que estavam pegando fogo e eu morrendo por estar lá. Ela não estava bem, a voz tremia, sentia o mundo girando muito rápido. Quase caiu das escadas do seu miniapartamento. Não tinha condições de sair de casa. Há quase 30 anos que ela convive com o vírus do HIV, isso quer dizer que há quase 30 anos ela toma medicação. Ela está em pânico. Quando conversamos, me dizia, tudo que Milei prometeu, o fez. Agora com o recorte é muito provável que eu morra esse ano. Me arrepiei todx.
O que se diz a alguém nessa situação?
Milei tem uma política de extermínio, a mesma que fará em grande o tio Sam.
Lembrei de um poema que eu tinha certeza que era do Brecht e agora fui procura-lo e fiquei sabendo que não era nem poema nem do Bertolt Brecht, mas uma citação de Martin Niemöller baseada na sua própria história, como pastor, quando acabou caindo nas garras dos alemães.
“Primeiro eles vieram buscar os socialistas, e eu fiquei calado – porque não era socialista.
Então vieram buscar os sindicalistas, e eu fiquei calado – porque não era sindicalista.
Em seguida, vieram buscar os judeus, e eu fiquei calado – porque não era judeu.
Foi então que eles vieram me buscar, e já não havia mais ninguém para me defender.”
Quando será que a humanidade vai tomar consciência do coletivo? e ver que a direita é o egoísmo.
Lutar, se organizar, estar nas ruas, pensar coletivamente gera tantas endorfinas que o capitalismo não aguentaria, por isso cria inverdades.
* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.