Por Eliane Martins*
Quando a Lei do Trabalho Livre foi assinada em 1888, saímos do regime escravista enquanto classe trabalhadora com a roupa do corpo e continuamos as lutas ao longo do século, sob condições muito adversas até chegarmos em um formato de Constituição com promessas formais de cidadania. Ao longo deste século, em pouco mais de cinco décadas, o trabalho ganhou status de dignidade social, consolidou leis e direitos em meio a uma modesta democracia a cada pouco golpeada. Assim, sob as brutalidades da classe dominante, a classe trabalhadora lutou, aprendeu, maturou, formulou e construiu uma ferramenta política voltada para disputar o Estado e o projeto de desenvolvimento nacional.
A fase histórica em que o trabalho e os trabalhadores tiveram alguma consideração na tarefa de construir a nação, ainda que braçalmente, foi também a fase da maturação do seu próprio partido político. Estamos neste 10 de fevereiro, celebrando 45 anos de vida, de história e do futuro deste que é o nosso partido, o partido dos trabalhadores e trabalhadoras e sim, temos orgulho e temos necessidades de PT.
Orgulho porque o PT é, genuinamente, uma espécie de síntese das lutas de milhões de brasileiros e brasileiras que aprenderam que a democracia ou será uma conquista construída por nossas mãos ou não acontecerá. Que a maioria do povo constrói a riqueza da nação e essa maioria precisa falar por si mesma, que não se deve esperar por conquistas vindas através das elites dominantes, e que a organização da classe trabalhadora é fundamental para construir uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores, dos explorados e oprimidos pelo combo do capitalismo, do colonialismo racista e do patriarcado enrustido e decadente.
Estas sínteses dos aprendizados coletivos estão lá na raiz, na carta de fundação do partido e seguem absolutamente atuais, assim como o aprendizado quase mítico da experiência de sentir o poder da reunião e do movimento das massas em torno de objetivos comuns. Desse aprendizado sentimos um misto de saudades e de urgências de retomada dessa força poderosa e tão necessária nestes tempos sombrios. É um orgulho celebrar o nascimento de um partido que vem ao mundo como um fruto da concepção do trabalho enquanto organizador da vida em sociedade e como decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas concretos pelo fato de existir para beneficiar a velha, obtusa e violenta minoria de privilegiados.
Ao buscarmos as fontes fundacionais do PT, encontramos mais do que orgulho de suas raízes e razões para homenageá-lo, apesar de suas contradições, encontramos também a necessidade urgente de recolocar o partido em sua posição de direito. A posição de liderar e representar os interesses, o projeto e o programa das massas exploradas e hoje mais do que nunca cansadas, adoecidas e sem razões para ter esperanças de futuro.
Sem razões para nutrir maiores esperanças porque não nos basta o crescimento econômico, o acesso ao emprego precário ou informal, uma bolsa e um salário baixo, ou a um sistema de avisos online sobre a próxima catástrofe climática. Não nos basta um presente melhorado se a economia e a vida social seguem atoladas no pântano do capitalismo neoliberal, que tira do armário o fascismo e o nazismo como se isso fosse um direito democrático. Crise de esperanças porque vivemos em uma sociedade atolada nos valores do individualismo social, da competição, da concorrência e da alienação, valores que naturalizam o trabalho sem direitos e legitimam drenar a última gota de vida da força de trabalho e dos recursos naturais para o topo mais alto da pirâmide social.
Nesse modelo zumbi, terrorista e decadente de desenvolvimento econômico neoliberal, sobra uma parcela do povo, um “excedente” estrutural de força de trabalho. São milhares de homens e mulheres, aprisionados na luta pela sobrevivência, se alistando em todas as políticas públicas possíveis para manter a feira da semana. Políticas sociais positivas no objetivo de matar a fome e distribuir alguma renda e negativas em seu método de gestão neoliberal, porque alimenta o beneficiário, ou seja, coloca milhões de pessoas em um lugar passivo, sem papéis sociais, sem espaços coletivos para formular seu agir político, sem lugar para organizar e dizer suas palavras.
A massa de beneficiários sem papéis e sem esperanças, cansada, humilhada, expostas a barbárie das violências, explorada por falsos milagres, falsos profetas, coaches e tigrinhos, apesar de tudo, é também parte do chamado “lulismo”, portanto é também parte do coração do PT e como tal precisa deste partido. Precisa para ajudá-la a enfrentar a fragmentação, a desorganização, a falta de uma causa unificadora de suas lutas populares, sindicais e institucionais. Por isso se precisa do PT, para caminhar junto na construção de uma nova agenda do trabalho, do trabalho digno e portanto estruturador de um outro modo de vida em sociedade, uma vida que é também para além do trabalho, porque plena e integral.
O PT unificado e na liderança da estratégia e do programa do trabalho digno e do desenvolvimento nacional com o povo como sujeito político é simplesmente uma questão de necessidade vital para milhões de pessoas. Um PT com este conteúdo e unidade, com sua história, seus compromissos com os explorados e oprimidos, com suas experiências de governos, com a capilaridade nacional que possui, combinados com uma agenda de táticas, de organização, formação e funcionamento interno é algo “terrivelmente” necessário para dar voz, formular palavras de ordem e contribuir em forjar uma ordem unida na heterogênea classe trabalhadora em suas demandas e interesses reprimidos.
A tarefa de pautar a estratégia de reconstrução popular de um projeto de desenvolvimento nacional e dele um programa audacioso de transições e de reformas nacionais, democráticas e de caráter estrutural, capazes de enfrentar as feridas da escravidão e do colonialismo, poderá ser a grande causa política capaz de reascender a energia, a criatividade e a renovação da militância da esquerda, dos humanistas e dos progressistas deste país. Um programa audacioso, porque centrado no desenvolvimento sustentável com a economia da resolução dos grandes problemas e necessidades do povo, de modo coletivo, voltada para produzir o bem estar da coletividade e o florescer da vida do povo brasileiro. Uma causa encantadora dessa natureza é também a mística necessária para aglutinar novamente milhares de pessoas em suas coloridas diversidades, mas em torno de um objetivo maior e comum.
Um objetivo estratégico, traduzido em uma narrativa de causa política vigorosa e poderosa, com um método de organização de base para se enraizar em todas as camadas e frações da classe trabalhadora, com um amplo programa de formação política e ideológica de base, militantes e quadros para fermentar e transformar força social em força política capaz de pautar e sustentar a decisão de submeter a economia aos interesses populares.
Enfim, nossos sonhos enquanto Movimento Brasil Popular de que o Brasil possa ser dos brasileiros, inclui o PT enquanto lugar do corpo, da voz e do rosto da dignidade da classe trabalhadora, então enquanto sonhamos, vamos trabalhando pela vida longa, forte e necessária do Partido dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Parabéns, PT.
* Direção do Movimento Brasil Popular, fevereiro de 2025
** Este é um artigo de opinião e não necessariamente representa a linha editorial do Brasil do Fato.