O governo de Minas Gerais, comandado por Romeu Zema (Novo), foi um dos signatários de uma carta contra uma decisão do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para proteger a Mata Atlântica.
A medida do órgão, em vigor desde o início do ano, passou a exigir que todos os licenciamentos ambientais que envolvem a retirada de vegetação do bioma tenham anuência, ou seja, autorização da instituição.
“É sabido que o governo Zema tem relações promíscuas com o setor mineral. A gente pode observar isso em uma série de casos, seja em relação ao rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, ou em Mariana, mas também na Serra do Curral. O governador tem privilegiado os interesses do capital mineral, em detrimento dos interesses da população do estado que o elegeu”, avalia Marina de Paula Oliveira, integrante do Movimento Pela Soberania Popular na Mineração (MAM).
As mineradoras, representadas pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), o sindicato patronal do setor, impetraram um mandado de segurança no Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) pedindo a suspensão da medida.
A alegação é que outra lei de 2011 já trata desse assunto e deixa o licenciamento somente ao cargo das secretarias estaduais de meio ambiente. Em nota publicada no site da Fiemg, o presidente da federação, Flávio Roscoe, afirmou que a decisão do Ibama traz “insegurança jurídica e burocracia desnecessária”, além de “ameaçar o setor mineral”.
Governo não fiscaliza
Na carta contra a medida, assinada por várias secretarias estaduais do Brasil, os signatários apontam que a Lei da Mata Atlântica nº 11.428/2006 não prevê a necessidade de anuência do Ibama para atividades minerárias. No entendimento das entidades, o licenciamento ambiental já é suficiente, desde que inclua estudos de impacto ambiental (EIA/RIMA) e medidas compensatórias.
No entanto, Jeanine Oliveira, ambientalista integrante do Projeto Manuelzão, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), aponta que as secretarias estaduais já se encontram sobrecarregadas com uma série de processos de licenciamentos que são exigentes.
Segundo ela, o ideal seria que o estado produzisse também um EIA, ou que, no mínimo, aferisse todos os dados gerados pelo documento, mas, atualmente, não consegue absorver a demanda.
“Existem especificidades de biologia, geografia, geologia, que a secretaria, pelo menos a de Meio Ambiente de Minas Gerais, não consegue atender. Isso porque também não amplia seu quadro e não qualifica seus profissionais. É uma questão de estrutura, de organização; não é impossível, nem muito difícil, nem algo que a ciência desconheça. Falta vontade política para fazer de fato as secretarias funcionarem”, chama a atenção.
No caso específico da Mata Atlântica, Jeanine explica que o bioma fica sob responsabilidade do Ibama por inúmeras questões, mas o principal é que sua unidade ultrapassa os territórios estaduais e suas competências.
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“Se pegar um mapa do Brasil e sobrepor a área da Mata Atlântica, verá claramente que a Mata Atlântica segue ao longo do litoral brasileiro e se estende na vertical por quase todo o continente. É uma porção de mata que extrapola os limites municipais. Como é um bioma adensado, sua ocupação ao longo da história ocorreu em áreas que hoje correspondem às regiões mais populosas do país”, complementa.
Para ela, é essencial que haja um processo que, de fato, consulte as entidades mais competentes e, nesse caso, o Ibama é a mais qualificada quando o assunto é Mata Atlântica.
Por que preservar a Mata Atlântica?
“A Mata Atlântica é essencial para a vida no Brasil. Não é à toa que as capitais se concentram nela. Isso está diretamente relacionado às condições de vida, já que os indicadores de qualidade ambiental e saúde que a natureza nos oferece estão profundamente ligados a esse bioma”, explica Jeanine.
Para ela, no contexto de mudanças climáticas, essa dependência se torna ainda mais evidente. A Mata Atlântica, afinal, fornece ar puro, comida e um ambiente propício à vida humana.
“Esse bioma pode ser visto como uma tecnologia desenvolvida pelos povos originários para garantir nossa existência. Em tempos de crise climática, ignorar sua importância é um erro”, pondera.
Falta respostas
Por esse motivo, de acordo com Jeanine, a centralização do tema da Mata Atlântica é essencial para evitar que cada estado tome decisões isoladas e prejudiciais.
“Minas Gerais está constantemente entre os estados que mais desmatam a Mata Atlântica no Brasil. No entanto, a Secretaria de Meio Ambiente de Minas Gerais justifica o desmatamento alegando que o estado ainda possui uma grande extensão de Mata Atlântica remanescente. Essa lógica é absurda. A interpretação de que Minas Gerais pode desmatar mais porque ainda tem uma grande área preservada é completamente errônea e perigosa”, argumenta.
“Um bioma dessa importância não pode ser tratado com base em matemáticas convenientes aos interesses de determinados setores econômicos”, sinaliza.
O presidente da Fiemg, apesar disso, diz que a decisão do Ibama fere o equilíbrio entre crescimento econômico, conservação ambiental e segurança jurídica.
Marina Paula Oliveira, porém, questiona quais são os impactos econômicos, visto que a população não tem acesso nem mesmo aos impactos ambientais da atividade.
“Se a gente tivesse condições de acessar de maneira completa as informações referentes aos impactos sociais, aos impactos culturais, aos impactos econômicos, aos impactos ambientais e se a gente pudesse escolher de maneira informada, a gente teria condição de avaliar, mas as informações não são fornecidas”, critica.
Para ela, esse é mais um jogo de narrativa de um setor que não trabalha de forma comprometida com os interesses da maioria da população, mas com uma parcela pequena que lucra com a atividade mineral.
“Eles prometem o desenvolvimento e o desenvolvimento nunca chega”, finaliza.