A Prefeitura de Porto Alegre vai dar início ao processo de remoção de diversas famílias que tiveram suas casas alagadas durante as enchentes de maio de 2024. Moradores da rua Aderbal Rocha de Fraga, no bairro Sarandi, em Porto Alegre (RS), serão os primeiros a terem suas moradias desocupadas no próximo dia 28 de fevereiro. Ao todo, 57 famílias serão impactadas e muitas ainda não acessaram as políticas públicas Compra Assistida, do Governo Federal, para compra facilitada de um novo imóvel, e a Estadia Solidária, que concede R$ 1 mil para pagamento de aluguel. Após o bairro Sarandi, remoções devem acontecer nos bairros Arquipélago e Humaitá, totalizando 1700 pessoas atingidas em toda a Capital.
Na última terça-feira (11), uma reunião da Comissão de Urbanização, Transporte e Habitação de Porto Alegre (Cuthab) tratou da situação e contou com a participação da Comissão Fiscaliza Sarandi, do Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB), da Caixa Econômica Federal (CEF), do Departamento Municipal de Água e Esgoto (DMAE) e do Departamento Municipal de Habitação (Demhab), entre outras representações.
Segundo a presidenta da Cuthab, a vereadora Karen Santos (Psol), não houve a confirmação da prorrogação do prazo da remoção dos moradores. “A desocupação se mantém dia 28 de fevereiro. Não houve, também, a possibilidade de adiantamento 'chave por chave' como foi dito pelos moradores, a priori por toda a burocracia que tem que ser cumprida no Compra Assistida [Programa de moradia]”, afirma a presidenta.
Reunião da Comissão de Urbanização, Transporte e Habitação de Porto Alegre (Cuthab) tratou da situação / Foto: Johan de Carvalho/CMPA
O início do expediente foi marcado pelas falas das representações dos moradores do bairro Sarandi. Em seu discurso, a coordenadora do MAB, Maria Aparecida Luge, além de criticar o prazo de despejo estabelecido, também diz ser insuficiente o benefício de R$ 1 mil oferecido pelo Demhab como medida temporária para as famílias que ainda não finalizaram o contrato da casa nova no Compra Assistida.
“Essa Estadia Solidária não contempla a todos. A gente já tem experiência com algo parecido em outras localidades, o aluguel social. Tem pessoas que ficaram sete anos em aluguel social. Indo para baixo e para cima, sendo despejado. Então, não é uma coisa muito boa. Ninguém quer ficar para lá e pra cá. Eles querem a casa deles.”
A partir do que foi pontuado no encontro, a Cuthab encaminhará um pedido de providência para que haja reavaliação do valor atual do Estadia Solidária. Durante a condução da reunião, a presidenta alertou aos moradores que o reajuste não depende exclusivamente dos vereadores da oposição, ao qual ela está inclusa, mas que será necessário consenso por parte da Câmara.
“Porque é uma modificação de uma lei municipal aumentar o valor do Estádia Solidária que no nosso ponto de vista é necessário”, explica Karen. Em relação aos vereadores aliados à gestão atual, esses não trataram especificamente do tema em suas falas. Ao participar da reunião ao lado do vereador Marco Filipe (Cidadania), o vereador Coronel Ustra (PL) frisa: “Nós vamos juntos à prefeitura, eu como vereador, procurarmos as melhores soluções para a resolução dos problemas… nós fazemos parte do governo. Recebemos as críticas e vamos procurar o prefeito Sebastião Melo (MDB)”.
A vereadora Juliana de Souza (PT), proponente da pauta, atribuiu ao governo Melo a responsabilidade principal pelo impacto das enchentes sobre a moradia das famílias do Bairro Sarandi / Foto: Johan de Carvalho/CMPA
A vereadora Juliana de Souza (PT), proponente da pauta, atribuiu ao governo Melo a responsabilidade principal pelo impacto das enchentes sobre a moradia das famílias do Bairro Sarandi. Em relação ao conflito na obra do dique, criticou a demora da Prefeitura para realizar o cadastro das famílias que serão diretamente impactadas. "Os cadastros chegaram na Caixa em dezembro. Porque os primeiros cadastrados não foram os que serão diretamente impactados. Aí, no início do ano, esses moradores receberam uma notificação que em 28 de fevereiro teriam que sair. É sobre essa falta de planejamento que não considera o sofrimento da população que estamos falando". Também falou sobre a demanda dos moradores de continuarem morando em casas na zona Norte, em vez de apartamentos noutras regiões. Propôs que a Cuthab solicite uma reunião com o secretário-executivo e o de Habitação do Ministério das Cidades.
Convidado para compor a mesa, sendo a segunda representação dos moradores, Edgar Fernandes questionou o governo municipal em nome da comissão de moradores Fiscaliza Sarandi. “Por que não nos chamaram antes?”, indaga. O representante também se queixou sobre a burocracia do Programa Compra Assistida, reclamou da ausência do governo estadual no processo e disse se sentir desacreditado. “Toda hora é reunião e não dá resultado. Não vai resolver o problema. Nós queremos resultado!”, conclui Edgar.
Sistema de Proteção contra as Cheias
O diretor geral do Demhab, André Machado, informa a previsão de 1700 moradores que irão sair de suas atuais moradias, no Sarandi, até o final das reformas do Sistema de Proteção contra as Cheias. A remoção das 57 famílias se inicia do lado par da rua Aderbal Rocha de Fraga do número 900 em diante.
“A situação da Aderbal [Rocha de Fraga] é muito simbólica para todos nós, porque estamos tratando aqui diretamente da primeira comunidade afetada por obra no município de Porto Alegre relativa a enchente. Nós teremos outras obras”, enfatiza André. Sendo assim, tudo que envolve esse processo de remoção será um precedente para os seguintes, como no Arquipélago e no bairro Humaitá, fortemente atingidos pela enchente de maio.
Ao ser questionado sobre a falta de planejamento, o diretor relata que no mês de novembro de 2024 o DMAE notificou o departamento com a previsão de terminar os primeiros passos da obra, que ficavam em uma área sem moradia, em fevereiro deste ano. “Só que essa obra da 10 e da 9 [casa de bombas] terminou muito antes do prazo que se imaginava. Porque não havia casas. Era uma região mais tranquila e acabou precipitando esse processo”, conta o responsável pelo Demhab.
Até o dia 3 de fevereiro, das 57 famílias, 34 deram o aceite para receber o Estadia Solidária. O departamento de Habitação fez um anúncio que ao invés de pagar no dia 28 irá adiantar o pagamento para as famílias que até então (3/2) confirmaram o Estadia Solidária.
Apenas uma família recusou, 11 ainda não retornaram ao departamento sobre sua posição e outras 12 estão aguardando pendências. Agora em relação a lista que concede o benefício do Compra Assistida, do total somente 46 estão habilitados.
“Tem casos que não tem solução, que nós vamos ter que sentar com o Governo Federal. Porque são famílias que excedem do programa”, explica André, ainda complementando que a renda máxima tolerada é de R$ 4.700.
Sobre o prazo de despejo, o diretor alega que não é de escolha do departamento de Habitação e sim do corpo técnico do DMAE. Ao ser indagado pela questão, o diretor adjunto do órgão, Vicente Perrone respondeu que estão trabalhando para que no dia 28 tenham uma solução. "Seja a remoção das famílias com seus direitos, seja o aluguel com outro valor ou alguma coisa, seja um acordo entre todos de extensão de qualquer prazo. O que a gente não pode é simplesmente ignorar os prazos. Então, a posição do DMAE técnica é que a gente consiga até o final deste mês resolver os assuntos burocráticos para a gente ter uma solução técnica definitiva para a região.”
Compra Assistida
Reunião contou com a participação da Comissão Fiscaliza Sarandi e do Movimento dos Atingidos e Atingidas por Barragens (MAB) / Foto: Johan de Carvalho/CMPA
Criado após a enchente de maio, o Compra Assistida é um programa inédito focado para as famílias profundamente impactadas por desastres. Porém mesmo com algumas atualizações a iniciativa tem sido alvo de diversas críticas por conta da burocracia. Tiago Helgueira Nenê, Superintendente Executivo de Habitação da Caixa Econômica Federal, informou que as regras do programa são decididas por meio de uma portaria ministerial e que a Caixa apenas executa conforme colocado pelo governo.
Sendo assim, ele aproveitou o momento para elucidar algumas dúvidas sobre o regramento, desmentindo um dos principais boatos entre os moradores da Aderbal Rocha de Fraga relativo ao tempo de 60 dias. Conforme Tiago, a compra não precisa ser fechada em 60 dias. O que precisa ser feito dentro desse prazo é a definição da casa que o beneficiário tem interesse em comprar, pois esta é a primeira etapa. Já a segunda etapa é a vistoria, papelada e cartório.
Aliás, se procurar a casa não está sendo fácil, a fase de vistoria também não é. Em relação às reclamações dos critérios contratuais, ele justifica: “Nós tivemos alguns problemas relacionados à negativa da aprovação do imóvel. ‘Olha o imóvel não foi aprovado porque tem uma janela quebrada ou uma pia que falta’, e o programa [Compra Assistida] exige que tenha pia na torneira. Em muitos casos os corretores já aprenderam, eles vão lá, olham e avisam, ‘se não tiver torneira nem vai para a vistoria que não vai passar’. Porque a ideia do programa é que a pessoa ao receber o imóvel possa se mudar no mesmo dia. Ela não precisa ir em uma loja comprar isso ou aquele outro para poder colocar um chuveiro na casa”.
O chefe do Demhab comentou a possibilidade de uma reunião nesta sexta-feira (14) com a representação do Ministério das Cidades, da qual seria importante pautar a possibilidade da soma de mais de um benefício em uma única compra. Por exemplo: Se um pátio comporta mais de um núcleo familiar, ou seja mais de uma casa no mesmo terreno, a partir da soma do benefício os moradores daquele determinado pátio poderiam comprar um terreno em conjunto e continuar com a sua forma de viver e morar.
A vereadora Karen Santos ainda alerta para outro ponto: “A gente sabe que ali naquela região em especial tem moradias que o valor do imóvel se sobrepõe a R$ 200 mil”. De acordo com ela, ficou combinado no final da reunião a criação de um Grupo de Trabalho (GT) específico para as famílias que não foram contempladas e ainda não querem aderir ao Estadia Solidária e ainda não encontraram uma moradia própria. O GT será construído junto com o Ministério Público e com os vereadores que comporão a mesa desse encontro.