Donos das SAFs do Atlético Mineiro e do Cruzeiro, sócios majoritários de empresas como a MRV e a TV CNN e herdeiros dos bancos BMG e Mercantil. Esses são alguns dos “atributos” de mineiros donos de fortunas bilionárias. Anualmente, a revista Forbes divulga uma lista de bilionários e em 2024 69 eram brasileiros e 29 de Minas Gerais.
Eles representam menos de 0,001% da população do estado, porém, na avaliação do doutor em economia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Faculdade de Ciências Econômicas (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Weslley Cantelmo, a existência desse grupo é um “contrassenso civilizatório”.
1% dos contribuintes tem renda anual de R$ 1 milhão
“Eu acho que a existência de bilionários é um contrassenso civilizatório. O aperto cada vez maior sentido pela parte de baixo da pirâmide tem a ver com uma maior acumulação financeira na parte de cima. Ou seja, está relacionado ao aumento de bilionários e pessoas que representam o processo de acumulação de capital”, avaliou, em entrevista ao Brasil de Fato MG.
Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em média, a população mineira recebe 2,5 salários mínimos, o que representa aproximadamente R$ 3.530. Dados do mesmo instituto apontam que 58,2% de quem vive no estado passa o mês com rendimento de até R$ 1.212.
Quem são eles?
Rubens Menin
Além de comandar 75% da Galo Holding, Sociedade Anônima do Futebol (SAF) do Atlético, Rubens Menin, que aparece na 34ª posição entre os nomes nacionais, é dono da MRV Engenharia, empresa que se envolveu em polêmicas no último período com a construção da Arena MRV, tem histórico de violações trabalhistas e já apareceu na “Lista Suja do Trabalho Escravo”, tendo sido flagrada sete vezes com trabalhadores em situação análoga à escravidão.
Ele também é dono do Banco Inter, do canal de TV CNN Brasil e da Rádio Itatiaia, reunindo uma fortuna de cerca de R$ 9,5 bilhões.
Além do montante, Menin é conhecido por exercer influência política no estado e seu grupo fez expressivas doações financeiras para candidatos que disputaram as últimas eleições municipais em Belo Horizonte e outros municípios de Minas Gerais. Dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) indicam que nas últimas cinco campanhas eleitorais a família do empresário desembolsou mais de R$ 8,5 milhões.
“Em suma, muitos diriam que o cara é foda. Afinal, possui presença no mercado financeiro, em um grande setor econômico, o da construção civil, na política, e, na comunicação. Mas a opulência do império Menin é reflexo do disfuncional capitalismo brasileiro. Além da questão econômica, a grandeza de tal império viola direitos fundamentais”, avaliou o jornalista Marcelo Gomes, em artigo publicado pelo Brasil de Fato MG.
Pedro Lourenço
Também atuando no ramo esportivo, Pedro Lourenço, dono de 90% da SAF do Cruzeiro, possui fortuna estimada de R$ 7,5 bilhões. Ele ainda é dono da rede de Supermercados BH, empresa fundada em 1996 que também se envolveu em um conjunto de polêmicas no último período.
Em 2024, um sócio da rede foi investigado pelo Ministério Público Federal (MPF) sob suspeita de criar gado em áreas protegidas do Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais. A reserva está ameaçada pela criação irregular de bois.
Outra denúncia envolvendo os Supermercados BH é a de que a empresa teria sido usada pela exportadora de carnes JBS para fazer pagamentos ilegais a políticos do estado nas eleições de 2014, incluindo interlocutores do então candidato à Presidência da República Aécio Neves (PSDB).
O grupo de Pedro possui o quinto maior faturamento do país no ramo de supermercados, com mais de 300 lojas, em 85 municípios mineiros.
João Annes Guimarães
Herdeiro do banco BMG, João Annes Guimarães foi incluído na lista da Forbes no último ano, após a morte de seu pai, Flávio Pentagna Guimarães. Com 64 anos, ele possui uma fortuna de aproximadamente R$ 1,29 bilhão.
Em 2020, a empresa foi investigada pela Polícia Federal (PF) por um suposto esquema de dirigentes do BMG para repassar propinas a políticos do MDB, entre eles o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (PTB).
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Em 2012, diretores do banco foram condenados pela Justiça Federal de Minas Gerais por gestão fraudulenta, envolvendo falsidade ideológica.
A família de João também foi proprietária da mineradora Magnesita, vendida por R$ 1,2 bilhão em 2007.
Consuelo Andrade de Araújo
Assim como o herdeiro do BMG, Consuelo Andrade de Araújo foi incluída no ano passado no levantamento de bilionários. Aos 92 anos, ela é responsável pelo banco Mercantil e possui uma fortuna de R$ 1,15 bilhão.
Ela não atua na diretoria executiva da empresa, mas exerce controle por meio de um acordo de acionistas. Em 2023, o Sindicato dos Bancários de Belo Horizonte cobrou apuração e adoção de medidas cabíveis contra práticas de assédio moral na instituição, que foram denunciadas sucessivas vezes à entidade sindical.
Por que eles devem pagar mais impostos?
Diante da concentração de renda nas mãos de poucas famílias, como as de Rubens, Pedro, João e Consuelo, especialistas apontam um cenário de injustiça tributária no Brasil. Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado no fim do ano passado, indicou que proporcionalmente os mais ricos pagam menos impostos do que os mais pobres no país.
A distorção se dá porque “os rendimentos do capital são menos tributados que os do trabalho", e "os mais ricos têm uma maior proporção de suas rendas relacionadas à remuneração do capital”, afirma Sérgio Wulff Gobetti, pesquisador do Ipea responsável pelo estudo.
Para se ter uma ideia, considerando o pagamento do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF), o Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social do Lucro Líquido (CSLL), quem recebe em média R$ 449 mil por ano — R$ 37 mil por mês — paga de alíquota o mesmo percentual usado para determinar o valor do Imposto de Renda de uma pessoa que recebe R$ 6 mil mensais, 14,2%.
A porcentagem é o ponto máximo de tributação entre os mais ricos, cessando a progressividade e, à medida em que os rendimentos aumentam, diminuindo as alíquotas. Como consequência, para quem tem renda anual de aproximadamente R$ 1 milhão, cerca de 1% dos contribuintes, a alíquota cai para 13,6%. Os que têm renda anual média de R$ 26 milhões pagam a alíquota de 12,9%. E assim por diante.
“A renda acumulada pelo 1% mais rico também é um bom indicador de concentração e, no caso brasileiro, atingiu aproximadamente 23,6% da renda disponível bruta das famílias em 2022. [A regressividade na proporção de imposto] é reflexo de inúmeras distorções e privilégios perpetuados no sistema tributário brasileiro”, disse, ao portal da Agência Brasil.
Diante desse cenário, o governo federal, sob gestão de Lula (PT), estuda a possibilidade de taxação das grandes fortunas e dos super-ricos e a isenção do Imposto de Renda para os trabalhadores que recebem até R$ 5 mil por mês.
Além disso, em todo o Brasil, movimentos populares, partidos políticos, centrais sindicais e outras entidades planejam organizar na semana do 7 de setembro um plebiscito popular sobre a medida. O objetivo é estimular o debate na sociedade sobre as distorções no sistema tributário brasileiro, consultar a população sobre a taxação das grandes fortunas e pressionar o governo e os parlamentares.
“Eu acho que já passou da hora de enfrentar essa questão. A taxação de grandes fortunas como mecanismo de financiamento de políticas de contenção de danos e de um bem-estar mínimo para as pessoas que estão convivendo com a frustração é algo mais do que urgente”, avaliou Weslley Cantelmo.