Quando menina eu não era incomodada. Ninguém se metia comigo, ninguém falava comigo, aprendi então a ser invisível perante essa sociedade racista e machista. Na adolescência estava sempre sozinha porque mesmo que os meninos demonstrassem algum interesse eu pensava: "não é para mim".
E assim fui me contentando com aquilo que eu podia ter. Depois veio o casamento e os muitos problemas. Nesse momento tive que sair de casa e ir pra rua, trabalhar, batalhar, mas não só por mim: para poder criar os filhos. Continuava invisível, mas agora tinha responsabilidades e outras pessoas que dependiam de mim. Nada diferente das outras mulheres negras a quem o espaço da rua sempre foi imposto. Enquanto que o feminismo branco brigava para poder trabalhar fora de casa, ainda no início do século, para nós mulheres negras, desde a escravização, o trabalho foi mais um peso em costas muito cansadas.
Sem voz, mas com muitas coisas por fazer todos os dias. Apesar de tudo, dentro desta invisibilidade consegui passar (quase) ilesa. Mais uma história igual a tantas, a mesma estrutura racista que nos esmaga e nos faz sentir pequenas, as mesmas dores, a mesma solidão, as mesmas obrigações e a mesma invisibilidade, se não fosse pela luta.
Bem perto da maturidade, quase a ponto da aposentadoria, me engajei no movimento sindical. Neste campo me dei voz. Soube que nada aqui são favores que me fazem, mas este espaço é meu. Passei a brigar pelos meus direitos e assumir meu papel enquanto mulher e, acima de tudo, mulher negra.
Hoje tenho corpo, que já não pode ser invisibilizado e dele emana uma voz que já não pode ser silenciada. Sou Shirley Pinheiro, mulher negra, apenas respeite o meu espaço.
Não sou do lar.
Nem recatada.
Muito menos bela
Sou mulher guerreira
Sou mulher negra
Sou mãe
Fui parideira
Dei conta das minhas crias
Trabalhando noite e dia
Batalha vencida na vida
Hoje sou viajante
Visito terras distantes
É meu direito adquirido
Não abaixo minha cabeça.
Não mudei minha essência.
Hoje tenho a aparência.
De quem nesta vida venceu.
Não me chame nem de bela, muito menos de recatada.
Apenas respeite o meu espaço.
Ele é meu.
Nunca foi seu.
Se queres ao meu lado caminhar.
Vai ter que me respeitar.
Sou mulher aguerrida.
Sou dona do meu corpo e da minha vida.
Não sou propriedade de ninguém.
Nasci livre e livre morrerei.
Não tenho que me curvar a ninguém.
Meu nome!
Mulher.
Meu sobrenome?
Liberdade!
Shirley Pinheiro, diretora de Formação e Política Sindical do Sindicato dos Urbanitários do Paraná