Um protesto aconteceu neste sábado (23), no bairro Vila Hauer em Curitiba, para denunciar mortes de pessoas em situação rua por violência. Só em janeiro de 2019 já foram 3 assassinatos. Entre estes, um morador de rua morreu carbonizado próximo ao Terminal do Vila Hauer, no dia 21 de janeiro.
No mesmo local, entidades, movimentos sociais, parlamentares e moradores de rua se reuniram no sábado para distribuir panfletos com o objetivo de sensibilizar a população para que compreendam a situação de vulnerabilidade das pessoas em situação de rua. Além deste caso, ainda um outro morador de rua foi morto a tiros, no dia 18 de janeiro, no bairro Boqueirão. E, no dia 25, em Colombo, na Região Metropolitana de Curitiba, outro foi carbonizado.
A Policia Civil do Paraná em resposta ao Brasil de Fato informou que dois suspeitos pela morte do morador no bairro Vila Hauer foram presos na última segunda feira. Em nota, a Fundação de Assistência Social (FAS), órgão da Prefeitura de Curitiba que presta atendimento à população em situação de rua, diz que “todo apoio para as investigações está sendo prestado e o atendimento preventivo à violência é feito diariamente nos Centros de Referência da cidade de Curitiba”.
O protesto também teve como objetivo organizar ações para reivindicar do Poder Público com urgência a formulação de uma política voltada para a população de rua. Serão realizados outros atos iguais a este em diferentes bairros da cidade de Curitiba e Região Metropolitana. Segundo Leonildo Monteiro, do Movimento Nacional da População em situação de rua (MNPR), está sendo realizada uma campanha para que a sociedade compreenda quem são as pessoas em situação de morar na rua. “O morador é um corpo fácil, exposto no espaço público, sujeito à diferentes violações”. Leonildo esteve nessa situação por cinco anos e sabe as dificuldades de acolhimento da cidade.
Segundo Tomás Melo, do Instituto Nacional de Direitos Humanos da População em situação de rua (INRua), “por mais que a gente não tenha números oficiais, conseguimos perceber a olhos nus que tem crescido muito o número de pessoas em situação de rua em Curitiba. Isso se deve também a situação de crise e desemprego. As pessoas vão sendo expulsas do centro e estão vindo para as periferias. Isso gera muito conflito nos próprios bairros porque é também um espaço que as pessoas passam a competir por recursos escassos”.
Outro agravante, segundo Melo, é que atualmente e cada vez mais as pessoas estão fazendo justiça com as próprias mãos. “Essa violência que vem da sociedade tem a ver com este momento em que as pessoas vem se sentindo legitimas e autorizadas a cometer atos violentos contra pessoas em situação de rua”.
Poder público sem proposta
Sobre o retorno da Prefeitura de Curitiba e do Governo do Estado a respeito dos casos de violência, os movimentos sociais e entidades são taxativos em dizer que não existe resposta ou proposta. “Desde que a nova gestão da Prefeitura de Curitiba assumiu nós tentamos diálogo e até apontamos alguns caminhos sobre esta violência. Mas essa gestão que está aí não quer conversa, só quer ouvir os lados dos comerciantes e lojistas”, informa Leonildo, do MNPR.
Além da inexistência de uma política voltada para a população de rua, há ainda muitas vezes precariedade e falta de preparo técnico. Para Eliane Silvério Betiato, do Conselho Regional de Serviço Social, “essa violência é velada em espaços institucionais em que estas pessoas deveriam ser acolhidas. No dia a dia existem dificuldades para acessar serviços, precariedades nos espaços de acolhimento. Muitas vezes temos preconceitos e falta de preparo técnico nessa acolhida”.
“O que eu mais quero é sair da rua”, diz João Marcelo, há 6 anos na rua.
Presente no protesto na Vila Hauer, João Marcelo de Carvalho, de 39 anos, diz que o que mais deseja é sair da rua, onde está há 6 anos: “O que me falta é oportunidade. Mas não temos acesso ao que mais precisamos que é casa e emprego. Eu desejaria ter, para eu poder levantar minha cabeça, ter meu dinheiro, chegar no mercado, pagar minha comida. Eu não quero morrer com essa vida”.
Política de moradia social é a solução
Criar uma política de moradia para a população em situação de rua vem sendo o norte apontado por entidades, movimentos e grupos de pesquisa sobre a população de rua. Para Melo, do Inrua, “é preciso urgente uma política pública permanente que consiga criar condições de superar a situação de rua de forma também permanente. A gente entende que a política adequada para fazer isso é a política habitacional com investimento público”.
Esta é uma das soluções já utilizadas em países como a Finlândia que erradicou a população de rua com programa habitacional. Trata-se de um programa contínuo, com cartas de compromisso assinadas pelas Prefeituras, que tem como medida inicial o aluguel de moradias adaptável aos moradores de rua em situação de vulnerabilidade.
“Vários estudos apontam o morar como condição de organização psíquica do indivíduo. Geralmente o que se pretende é que primeiro o morador de rua se cure, consiga um trabalho. Mas é a partir do lugar privado, para ele refletir, se organizar, fazer higiene e descansar é que ele consegue sair dessa situação“, finaliza Melo.