Em tempos de lucro imediato, superficialidade e velocidade, a leitura continua sendo uma caminhada e um desafio ao mesmo tempo. Muitas vezes, o reconhecimento dos limites do leitor não se dá apenas no que se refere ao campo da linguagem, mas se estende a um conjunto de valores e práticas que conformam uma religião de matriz africana, o candomblé.
O livro “Corpo Oralidade – memória e permanência no Candomblé” (Poncã Produção e arte, 2019, 177 páginas), do educador, babalorixá e artista Pedro Almeida, acompanhado de um ensaio paralelo da socióloga e dançarina Tatiana Araújo, cumpre então o papel de ensaio e aprofundamento sobre a relação entre corpo e religiosidade, ao mesmo tempo em que cumpre um papel pedagógico ao emprestar o olhar de uma socióloga que tem contato pela primeira vez com o candomblé.
Mas o trabalho também nos oferece uma entrada importante na compreensão de que não há a divisão “corpo e alma” para o candomblé. O corpo e o material assumem papel central nesta religião.
“O sistema corpo como veículo e objeto de linguagem, é o responsável por toda a manutenção dos saberes, por toda a transmissão dos conhecimentos, e deste modo pela permanência destas culturas matrizes. O Candomblé se destina a cultuar a natureza, assim, se configura como uma perspectiva, uma lente sobre as coisas do mundo”, descreve.
O que Almeida e Araújo nos trazem aqui é algo vivo, que remete a uma continuidade ancestral, que faz parte de um corpo, signo e simbologia de resistência contra intolerâncias e ataques, contra o racismo estrutural. O que se passa e transmite é o saber. Os intolerantes contra corpo, pele e espírito, não passarão.