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A pior gestão da Secretaria de Cultura do DF?

“Tanta coisa boa na vida, tanta mulher bonita no mundo e eu aqui morto”.

E como o Leleco do filme Lisbela e o Prisioneiro (2003), se sentem centenas de artistas completamente desamparados pela atual gestão da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Distrito Federal (Secec-DF): tanta arte, cultura, tanto evento para produzir e a classe artística mendigando o simples cumprimento do que foi proposto e a transparência com o uso do dinheiro público.

No dia 21 de janeiro de 2025 faixas estampavam os “des-mandamentos da cultura Ibaneis”, uma lista de 10 denúncias feitas a atual gestão cultural. O protesto foi organizado a partir de uma audiência pública realizada na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-DF) cinco dias antes. 

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Para entender o contexto coletivo e todo o desmanche que vem sendo realizado durante a atual gestão da Secec, a equipe do Brasil de Fato DF publicou duas boas matérias. O que me cabe, é ilustrar como esses números se apresentam na rotina cultural da cidade:

Imagina que você encontra um edital para ter um programa na Rádio Cultura FM 100,9 Brasília e decide se inscrever. O programa é semanal e voluntário. A Rádio Cultura é um equipamento da Secec. A quem interessa que o alcance de uma rádio tão expressiva na cultura da cidade seja entregue a voluntários? E como eu sempre vou racializar tudo, me pergunto quantas pessoas negras, indígenas e PcDs estão à frente da programação da Rádio Cultura?

Eu passei no edital, e durante a 1ª temporada do Pretinhosidade eu gastei em torno de 30 horas para fazer cada programa de 1h. Entre pesquisa, roteiro, gravação, edição e seleção musical, eu acrescentei toda uma jornada de trabalho VOLUNTÁRIA a todas as coisas que eu já tinha para fazer. Dessa vez eu pergunto a você: quantas pessoas negras, indígenas e PcDs você acha que têm condições de estar à frente da programação da Rádio Cultura?

Pois é. A Rádio opera basicamente na força do compromisso e do amor que os poucos funcionários têm por ela, uma vez que cumprem o trabalho de pelo menos o dobro de pessoas. A matéria citada acima, afirma que atualmente existe um déficit de 789 profissionais na Secec-DF.

A quem interessa que os mecanismos e equipamentos culturais da cidade estejam por um fio?

Depois de alguns meses de Pretinhosidade no ar, pedi aos meus milhares de seguidores nas redes sociais que me mandassem recadinhos falando sobre a importância do meu conteúdo. Tendo feito um mestrado em Artes Cênicas (UnB) pesquisando a construção da identidade negra brasileira pelo viés das teatralidades negras, desde 2022 me dedico a ser uma educadora popular das coisas que aprendi: nas redes sociais, na Rádio Cultura FM e no Brasil de Fato DF, onde sou colunista.

Pois bem, montei um lindo portfólio de programas e relatos e consegui um patrocínio de R$ 100mil para um ano de Pretinhosidade. Não apenas ganhei o edital, como fiquei em 1º lugar tendo sido avaliada com 99% de mérito cultural. No entanto, o edital de radiodifusão do Fundo de Apoio à Cultura do DF (FAC-DF), gerido pela SECEC-DF escreveu no edital 14/2024 no item 

“12.4 Finda a seleção, o proponente do projeto contemplado deverá, no prazo de 10 dias corridos (…) apresentar os seguintes documentos”. O edital foi publicado em 30/04/24. Quase um mês depois, dia 23/05/24 a Secec-DF lançou silenciosamente uma retificação que dizia:

“12.4 Após a publicação de resultado final de Mérito Cultural, o proponente do projeto contemplado deverá, no prazo de 10 dias corridos (…) apresentar os seguintes documentos”. Basicamente uma documentação que durante ao menos uma década foi entregue em janeiro/ fevereiro com prazo de 30 dias, agora foi antecipada – por uma retificação publicada quando grande parte dos proponentes já haviam enviado seus projetos e sem absolutamente nenhuma publicidade -, para novembro do ano anterior com um prazo de 10 dias.

Nos Objetivos do Sistema de Arte e Cultura do Distrito Federal (SAC-DF), publicados no Artigo 4º na Lei Orgânica da Cultura (LOC), encontramos no inciso X “ampliar o acesso da população à fruição de bens e serviços culturais, efetivando direitos culturais, especialmente para a população em situação de vulnerabilidade social”. 

Quem se beneficia com o sucateamento?

Acontece que a pessoa X em situação de vulnerabilidade social que se inscreveu no edital, está inadimplente com a União e agora com o projeto aprovado e o trabalho certo, pode pegar um empréstimo para quitar sua dívida e entregar o nada consta para recebimento do prêmio do edital. Certo? Errado. A União leva em torno de 15 dias para regularizar a situação dessa pessoa e o edital deu 10 dias para entregar. 

“Mas Nai, quando o resultado foi publicado no Diário Oficial do DF, estava escrito que você teria 10 dias para entregar!”

De fato. Eu estava no aeroporto, na fila do embarque, quando vi o resultado. Abri o documento, li o cabeçalho e procurei meu nome “convocado para a habilitação”, aparentemente tudo certo, tudo como sempre foi. Eu não sabia que no pé da página 59 do documento me aguardava a informação mais importante, aquela que por não ter sido lida me fez perder o patrocínio de um ano de programa.

A quem interessa que 103 propostas reconhecidas pelo seu Mérito Cultural por pareceristas especializados tenham perdido seus patrocínios por armadilhas da Secec-DF? 

Sim, ao que tudo indica meu programa está nos últimos episódios e recentemente entendi que, se tivesse conseguido o patrocínio, teria de procurar outra rádio porque os programas voluntários da Cultura FM não podem ser patrocinados pela Secec-DF. De novo: A quem interessa que os programas que compõem a programação da Rádio Cultura FM Brasília sejam voluntários?

Com R$100 mil eu teria uma equipe de pesquisadoras e pesquisadores, editora, assessoria de imprensa, filmagem, fotografia e uma diversidade de profissionais afroindígenas para enriquecer o Pretinhosidade durante 2025. Não tenho mais condições de mantê-lo no ar sem um patrocínio, não uma vaquinha online. Um patrocínio. Eu e ao menos 103 agentes culturais do DF, as maiores pontuações do edital FAC I/2024 estamos com o mesmo amargo na boca.

Não somos três pessoas que perderam seus projetos por artimanhas burocráticas. Somos 103. Os 103 melhores colocados nas nossas respectivas linhas de apoio.

Perguntas sem respostas?

A quem interessa que esta gestão da Secec tenha eliminado as vagas de patrocínio exclusivas para PcDs? Que tenha destruído completamente o regime de cotas de patrocínio pelas Regiões Administrativas do DF, nomeado originalmente como Editais Regionalizados?

A quem interessa que R$ 4 milhões da Lei Paulo Gustavo tenham sido devolvidos por pura inoperância administrativa? Quantos lindos projetos poderiam ter sido executados? Quantos artistas premiados? 

E por que terceirizar os eventos da cidade para Organizações da Sociedade Civil (OSCs)? Por que sempre a mesma OSC, Amigos do Futuro, mesmo que esta esteja sendo investigada pelo Ministério Público do DF (MPDFT) pelo desvio de R$ 6 milhões?

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E a Política Nacional Aldir Blanc (PNAB)? Que priorizou linhas de apoio de R$ 700 mil e reservou centavos para as poucas vagas de pequeno porte? E, como se não fosse suficiente, lançou um resultado contemplando vários membros da mesma família. Já que o processo foi suspenso, onde está a transparência nas investigações?

Na reunião do dia 16 de janeiro na OAB, meu amigo Gustavo Letruta, artista que interpreta a drag queen Larissa Hollywood, me contou que ganhou um projeto em 1º lugar e não se preocupou com a fase recursal. Muitos recursos foram aceitos e ele foi empurrado para fora das vagas. Para que serve um processo seletivo se os recursos podem mudar completamente os projetos originalmente aprovados? Um recurso sem transparência que a gente nem sabe se foi lido mas que, de repente, muda todos os resultados?

“Amiga, eu perdi um projeto de R$ 100 mil, você sabe como esse dinheiro faz diferença pra gente que trabalha com periferia. Você sabe o que é perder um 1ºlugar?”

Sei. Sei também o que é perder um projeto por não chamarem suplentes. Em 2023 meu festival, o Fest Lira, ficou em 4º lugar de um edital com três vagas. Eu acompanhei o processo e vi que o 3º lugar foi desclassificado. Por que eu não fui chamada? Para onde foi o dinheiro que não foi entregue aos projetos desclassificados e nem aos próximos colocados?

“Mas Nai, você consegue uma reunião com o secretário de cultura? O Cláudio Abrantes?”

Consigo. Consegui duas vezes por insistência dos meus seguidores que marcaram ele centenas de vezes. Ele sabe. Eu mesma disse em reunião em que convidei a atriz Camila Guerra e o produtor Lucas Formiga. Na mesa, quatro projetos aprovados em primeiro lugar criaram esperança para outros 100 agentes culturais do DF. Esperança de que não seríamos vencidos por burocracias ardilosas.

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As duas reuniões foram excelentes e alcançaram um total de zero resultados. Com todo o respeito que tenho ao Cláudio Abrantes, me parece que o poder está na mão de absolutamente outras pessoas. E se assim é, quem detém de fato o poder de resolver nossas demandas? 

A arte da capital federal sangra aos pés dos nossos dirigentes que inundam suas redes sociais enaltecendo um trabalho porco realizado por funcionários sobrecarregados.

A quem interessa que a burocracia entregue o fomento conquistado pelo mérito cultural de dezenas de artistas a empresas que têm um funcionário contratado para checar o rodapé da página 59 do Diário Oficial? 

Segundo reportagem do G1 de dezembro de 2014 “um grupo de 15 artistas e produtores culturais se acorrentou uns aos outros e em móveis da sede da Secretaria do Planejamento, em Brasília, para cobrar o pagamento de cachês e verbas de convênio não repassados pelo governo do Distrito Federal”.

É hora de lembrar 2014, levar correntes, barracas, tirar a roupa e fazer uma ação que de fato chame atenção suficiente para uma situação que chegou no limite. Eu trabalho com a Secec-DF desde 2012 e honestamente nunca a vi tão escancaradamente contra a cultura do DF.

O capitalismo tardio, corrupto e sempre genocida, nos obriga à movimentação. Meu desejo hoje é que a revolução da classe trabalhadora venha por todos os lados.

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* Naiara Lira é atriz, cantora e produtora cultural na capital.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato – DF.

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