No início de janeiro deste ano, a Prefeitura de São Leopoldo informou a aprovação do Governo do Estado para o dragagem do rio dos Sinos. O anúncio foi feito pelo atual prefeito Heliomar Franco (PL), em sua rede social. A ação está prevista no programa de Reconstrução, Adaptação e Resiliência Climática do Rio Grande do Sul. Com objetivo de debater o tema, a bancada do PT promoveu, nesta quarta-feira (19), reunião pública, no plenário da Câmara de Vereadores. Proposta pelo vereador Anderson Etter, o encontro teve como encaminhamento a criação de um comitê popular em defesa do sistema de proteção contra cheias.
Em maio de 2024, o nível do rio dos Sinos bateu recorde histórico nos municípios por ele banhados. A elevação trouxe enchente a cidades como São Leopoldo, Novo Hamburgo e Campo Bom, consequência dos extremos eventos climáticos. Das 497 cidades que formam o estado, 30 delas estão na bacia do rio dos Sinos. Com quase 3.700 km², atende em torno 1,44 milhões de habitantes, sendo cerca de 70 mil em áreas rurais e o restante em área urbana.
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Na ocasião do anúncio, a secretária do Meio Ambiente do município, Cláudia Costa, enfatizou que a aprovação do estado para a dragagem do rio dos Sinos é um passo fundamental para proteger a cidade contra enchentes e melhorar a qualidade do rio. “Nos próximos 30 dias, iremos formalizar a documentação e mapear os lugares que precisam ser desassoreados. Após isso, faremos um levantamento de custos para o trabalho, lembrando que precisamos sempre cuidar as áreas próximas ao dique para não desestabilizar esse local”, afirmou. A empresa Gama Minerador tem a licença para dragar o rio.
Para o vereador Anderson Etter afirmar que vai se resolver os problemas de inundação com dragagem e desassoreamento é uma mentira. “O tema é complexo e exige um conjunto de ações. É com responsabilidade, seriedade e consciência, conversando e ouvindo como estamos fazendo aqui, que vamos avançar nesse processo”, ressaltou.
O evento teve como palestrantes o biólogo Rafael Altenhofen, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Caí, e do geólogo Sérgio Cardoso, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Gravataí. Também contou com a participação de parlamentares gaúchos, ex-vereadores, movimentos sociais e comunidade em geral.
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Ação coletiva
Ao abordar a situação geográfica do RS, Sérgio Cardoso ressaltou que as ações têm que ser pensadas coletivamente. “Nosso estado foi fatiado em 497 cidades, com diferentes construções. Entender a espacialidade da água é fundamental dentro desse processo. É necessário que as pessoas se enxerguem dentro da bacia hidrográfica em que vivem, embora nosso ponto de referência territorial seja municipal.”
Para resolver as questões ambientais, prosseguiu o geólogo, é necessário o envolvimento de todos os municípios que compõe a bacia. “Não pode um município mais montante fazer uma interferência que possa prejudicar um município jusante. Não pode o município do Caraá fazer uma intervenção que possa prejudicar São Leopoldo, ou São Leopoldo prejudicar Sapucaia, Esteio”, exemplificou.
Para Cardoso, o grande desafio é a organização política social e controle social. “Nós vamos ter que agregar as outras prefeituras dentro do processo e fazer a construção (…). Nunca antes, nesse processo, nós tivemos tanto dinheiro público investido. Esse debate do investimento da bacia dos Sinos vai ter que passar pelo controle social. Vai ter que passar pelo entendimento dessa comunidade que não se resolve o problema do Sinos só com as ações da Prefeitura de São Leopoldo. Não podemos pecar pela falta de debate. Sem democracia e sem ciência não tem como avançarmos.”
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Riscos
Ao falar dos impactos da dragagem e desassoreamento, Altenhofen ressaltou que a água se gere no todo e não no município isolado. “Não é cada um por si. Onde é que a gente debate? Onde é que a gente organiza a coisa? Dentro dos comitês de bacia que tem entre outras, a função de combater os efeitos das enchentes e das estiagens.”
O biólogo também abordou os principais destaques da legislação do estado no que tange a questão hidrográfica. Na avaliação de Altenhofen a maioria dessas soluções mirabolantes que apresentam não existe. “A gente não faz essa água desaparecer. Dragagem custaria centenas de milhões de reais e pode ser ineficiente. Não é achismo. É gente que estuda isso aqui há mais de um século.”
Citou, como exemplo, a nota técnica elaborada pelo Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) sobre considerações de dragagem como medida de redução de cheias no estado. “A dragagem é uma medida reconhecidamente positiva para pequenos rios e córregos, principalmente em bacia com significativa urbanização, como o caso do Arroio Dilúvio em Porto Alegre”, pontua a nota.
Para trechos de grandes rios, prossegue a consideração, a dragagem, eventualmente, também pode ser uma medida nos casos em que houve um processo de assoreamento significativo. “Porém, essa necessidade deve ficar demonstrada por meio de medições ao longo do leito do rio. No momento não temos, ou não está disponível publicamente, este tipo de informação para recomendação desta medida.”
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Conforme destacou Altenhofen, os desassoreamentos, sem controle por bacia, contradizem a legislação e o conhecimento técnico. Assim como a dragagem, que é importante para a navegabilidade, mas não é garantia de acabar com as enchentes. (..) Quanto mais desmatamento, mais erosão, mais assoreamento. Isso é algo óbvio. Mas onde é que vai parar a areia no assoreamento? Ela fica na parte de cima do rio? Não, ela vai pras partes mais baixas. Faz diferença para a velocidade com que passa o rio? Não nas grandes cheias. Isso acarreta em enchente.”
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Recursos
Participando da reunião, o deputado estadual Miguel Rossetto (PT), presidente da Frente Parlamentar das Águas, pontuou que estamos vivendo uma condição climática diferenciada, o que impõe urgência e emergência, e outra qualidade desse debate. Em sua intervenção trouxe os recursos federais aplicados no estado, iniciando com a suspensão da dívida do Rio Grande do Sul com União, no período de três anos, gerando R$ 14 bilhões em recursos.
“O Governo do Estado não paga a dívida com Brasília e esse dinheiro fica no RS para ser investido em programas de reconstrução, de qualificação, de melhoria nas cidades e nas estruturas por conta das enchentes. Sobre esse dinheiro, as prefeituras, os movimentos populares, a sociedade, os vereadores, todos nós temos que disputar esses recursos. Para onde vão esses recursos? Esse é um tema central para esse debate”, afirmou.
De acordo com o parlamentar um dos pontos centrais da disputa desse recurso deveria ser para programa de proteção de matas ciliares, contudo não existe nada nesse sentido. “O governo estadual fala em R$ 700 milhões desse fundo livre de 14 bilhões, para dragagem. Não há um centavo para não assoreamento para os rios e açudes. É preciso preparar as cidades, os bairros, para cuidar das pessoas, e evitar esse tipo de situação.”
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Também citou o recurso de R$ 6,5 bilhões do Governo Federal para sistema de proteção contra inundações. Destes, cerca de dois bilhões seriam para executar a atualização do sistema do Vale dos Sinos. “A gestão destes recursos para a qualificação, melhoria e ampliação do sistema de proteção contra a cheia foi delegado ao Governo do Estado que tem a responsabilidade da execução dos mesmos.”
Conforme ressaltou Rossetto, há recursos liberados, e quatro projetos em execução, produzidos pela Metroplan, de diques e bombas. “Um deles sobre o rio dos Sinos. E temos um projeto aprovado para extensão de diques e bombas para o alto sinos. A sociedade tem que conhecer o que está sendo preparado. E esse projeto do dique que é colocado aqui, não pode ser um projeto divorciado da cidade, da comunidade, da ocupação territorial, do planejamento ambiental.” Afirmou que a Assembleia Legislativa promoverá audiências públicas para a apresentação e debate dos projetos.
Monitoramento contínuo
“Não é lá na Holanda que a gente vai conseguir resolver os problemas aqui do Rio Grande do Sul. Estamos falando de outro tipo de geografia, uma outra topografia, outra vegetação, outra realidade. Não podemos nos basear em soluções que são colocadas em um local que não nos cabe”, ressaltou a bióloga e presidente do Movimento Roessler, Luana da Rosa, representante do Comitê Sinos.
Conforme apontou a representante, o desassoreamento é necessário para algumas regiões, mas isso não quer dizer que todo leito do rio precisa ser desassoreado. Citou parte da manifestação técnica feita em parceria entre o Comitê Sinos, Comitê Gravataí e o Comitê Caí, sobre o projeto de lei 145, de 2024, propõe a criação de uma Política Estadual de Apoio e Fomento ao Desassoreamento.
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“O desassoreamento deve ser precedido por estudos detalhados que avaliam os impactos ambientais e hidrológicos das intervenções propostas, incluindo análises topobatimétricas e modelagens hidrológicas prévias, tanto quantitativas quanto qualitativas. Essas medidas são fundamentais para mitigar por potenciais conflitos intermunicipais, assegurando que a gestão das águas siga o princípio de bacias hidrográficas. Ademais, é imprescindível a implementação de um monitoramento contínuo para garantir que as ações não resultem em impactos ambientais adversos inesperados e que estejam em estrita conformidade com as normas ambientais vigentes.”
Líder da bancada do PT e uma das afetadas pela enchente de maio, a vereadora Karina Camila destacou que a água impactou a cidade. “Temos um problema para resolver nessa cidade, precisamos buscar conhecimento e entender. Eu já estava convencida que se começasse a fazer a escavação do rio seria a solução, e hoje estou compreendendo que não é bem assim, que é preciso pensar outras alternativas.”
Conforme frisou é importante que a população entenda que precisa debater. “Precisamos aprender e compreender para podermos cobrar as autoridades de como resolver o problema das cheias da forma certa.”
“É impressionante o que nos foi mostrado aqui, e o que se cria no imaginário da população quando se diz que o desassoreamento do rio resolve o nosso problema. São falas que dão mídia, que agradam porque dão uma resposta à população, mas que na realidade não resolvem o problema das cheias e ainda podem agravar essa questão. (…) Essa não é uma batalha apenas de São Leopoldo, como nos foi mostrado aqui. Precisamos pensar os vales do Sinos, do Caí, do Paranhana, para que possamos ter soluções que façam a diferença na vida das pessoas”, expôs o vereador Fábio Bernardo (PT).
Por sua vez, o vereador Ricardo Luz (PT) frisou que nada poderá ser resolvido de forma simples, pois ninguém tem a solução isolada. “A luta é coletiva, nós precisamos nos unir e cobrar do Executivo que sejam feitas as obras necessárias.”
* Com informações da Assessoria Parlamentar do vereador Anderson Etter.
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