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A grande traíra na Ilha da Fantasia

Estamos vendo se consolidar no Brasil um momento decisivo para a história da América Latina. Uma fase de transição  onde se unem a oportunidade de resgate de um passado vergonhoso até aqui intencionalmente mantido oculto, à possibilidade de construção de um futuro apoiado (como referido na denúncia  da Procuradoria Geral da República) no reconhecimento das dimensões morais e materiais de atitudes e atores comprometidos com o caos, o fascismo, a destruição da democracia e, no oposto, à valorização de ações e compromissos éticos assumidos por aqueles e aquelas empenhados em seu enfrentamento. 

Mas neste momento devemos nos limitar a examinar o que se passa dentro e no entorno de cada um de nós. Afinal, somos resultado dos que nos antecederam. E quem não tem, na memória familiar, nomes e imagens de civis e militares, pessoas queridas, perseguidas , transformadas em menos do que eram ou desaparecidas, por se colocarem em oposição às barbaridades cometidas em nome do golpe de 1964? Dá para pensar, com base no que estamos a ver, que o espírito daquelas pessoas retoma seu espaço, induzindo a que passemos a limpo a história deste pais. Somos o produto daqueles e aquelas que assopram “ainda estamos aqui”, garantindo conexão entre os crimes do passado e os terrores que ressurgiriam entre nós, se o golpe de 2018 não houvesse sido frustrado. 

E é evidente que a história avança com todas as possibilidades (incluindo as piores) em aberto e em andamento. Isso não deixa de ser assustador, pois estamos em meio a um processo de internacionalização do fascismo. E os representantes da direita tresloucada, com destaque especial para aqueles golpistas até aqui não indiciados, tratarão de espernear até o limite para que, como de praxe em suas derrotas, tudo acabe em pizza. 

Por isso, estarmos aqui, participando da construção desta história, deve ser encarado como um privilégio. Uma excepcionalidade. Algo que resulta do fracasso das maquinações  daqueles criminosos de alto escol,  cuja audácia só pode ser compreendida pelo fato de que, até este momento, neste pais, os golpistas sempre escaparam da justiça. 

Principalmente os maiores responsáveis. E neste caso, como se pode ler nos documentos disponibilizados, os 200 bagrinhos ainda em cana, aquela sobra residual dos mais de 1500 detidos pela intentona de 8 de janeiro, não passam de bobos oportunistas, irrelevantes em comparação a cada um dos 34 trairões agora indiciados. Daí os pedidos de anistia. Não se trata dos 1500, que são apenas 200, e nem  destes 34 intimados, ou sequer do próprio mito (ainda que para ele, só isso importe)… de fato, temos milhares de vendilhões da pátria escondidos atrás das moitas, contando com o “apaziguamento da nação” para que possam elaborar em paz o próximo golpe.

Provavelmente muitos de nós devem esta oportunidade (de estar aqui, acompanhando o desenrolar dos fatos) ao Lula, à Policia Federal e ao STF. Por isso, não podemos permitir que a sociedade esqueça o papel destes, ou minimize o fato de que este golpe de estado frustrado previa campos de concentração, assassinatos seletivos (inclusive do presidente da República, seu vice e do presidente do STE) expurgos e destravamento da bestialidade oculta entre seguidores daquele ser abjeto, que elogiava torturadores, estimulava atitudes que levaram a 700 mil óbitos na pandemia da covid e ainda debochava de mortos por sufocação, ao mesmo tempo em que confessava  sentir um pintar “clima”, no trato com meninas desprivilegiadas e que se gabava de usar regalias do serviço público para “comer gente”.

Por essas e muitas outras, a denúncia apresentada pela PGR e  a liberação das declarações de seu Tatoo, o coronel Cid, permitirão a desmistificação da ilha da fantasia com que sonhavam os golpistas e ainda haverão de cumprir papel decisivo na história do sul da américa. 

Há muito a discutir sobre isso. Até porque ainda agora, não existem réus, apenas alguns poucos suspeitos indiciados. E, embora relevante neste particular do julgamento (inclusive porque as provas são inequívocas), se trata de algo que vai adiante. Pelo medo e pela culpa, o desenrolar dos fatos deve estar mobilizando os golpistas que ficaram de fora, e podemos esperar ações radicais que lhes permitam (tentar) se manter à sombra da crise que se avizinha. 

E este é o ponto que me ocorre de comentar: Bolsonaro precisa ser protegido, para não ser morto por seus pares. Nada mais interessante para os grandes financiadores, os articuladores, os até aqui não imputados e os planejadores que usaram aquele tolo, paranoico e narcisista para controlar e vampirizar o brasil, do que uma espetaculosa queima de arquivo. Algo que lhes permita culpar os comunistas, os ambientalistas, ou o Lula. Tanto faz, se tratará ocultar o canalha e deificar o messias .

E dá para entender. Os golpistas sabem quem de fato é o mito, e que ele não merece confiança. Como podem manter fidelidade a alguém que avança por uma  trajetória é repleta de amigos descartados (vide Bebiano, Roberto Jefferson e Adriano)? O que pensarão os aliados que se agruparam em função das delicias da ilha da fantasia, nesta hora de afundamento no mar de lama?  Que possibilidades de sucesso pessoal se desenham para aqueles dispostos a colocar a mão no fogo por alguém deste tipo, que com certeza já maquina (para si) algum novo plano de fuga? Por isso, creio que seu carisma murchará no caminho da detenção e que até lá, a cada dia, o mito se metamorfoseará mais e mais numa espécie de homem bomba, disposto a explodir no colo dos golpistas.

Não acredito que seu espólio tenha algum valor como condenado, após a desmoralização de um julgamento publico e televisionado. Também não creio que seus aliados confiem nele ou que acreditem na possibilidade de transferência da idolatria para seus filhos. Aliás como todos os filhos também serão objeto de avaliação judicial, e tão somente os indícios de enriquecimento inexplicável são suficientes para execração pública, penso que a história da familia Bolsonaro acaba aqui. Inclusive, e  posso estar doido, mas creio que nem a Michele terá grande valor no mercado de futuros .

Portanto, tendo a crer que para os grandes golpistas, para os financiadores por detrás dos bonecos de pano, e mesmo para os fascistas da rede internacional, o mito vale mais morto do que vivo. E neste sentido, creio que nós, os democratas, precisamos que ele seja protegido, julgado, condenado e inserido nos livros de história como o ser desqualificado que sempre foi, e que como tal deve ser lembrado. 

Se a cadeia é o melhor lugar para isso, que assim seja. E tão breve quanto possível. Portanto, sem anistia e com compaixão, longa vida ao Bolsonaro na prisão.

Música? Feito Fel, Feito Ouro – Samuca e a Selva

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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