A ExxonMobil anunciou que vai aumentar a produção de petróleo em 250 mil barris por dia na Guiana, passando de 650 mil para cerca de 900 mil barris diários no país. O projeto, que inclui também um aumento de 28,3 milhões de metros cúbicos de gás, revela não só a importância das reservas guianenses, mas também o interesse estratégico da companhia estadunidense na região.
Desde que descobriu poços na Guiana em 2015, a ExxonMobil fortaleceu sua presença no país e se aproximou do governo local. A partir daí, a empresa fez um acordo com o governo local e conseguiu uma concessão vantajosa para explorar petróleo guianês. O Acordo do Petróleo (PA), assinado em 2016, teve como resultado condições favoráveis para qualquer companhia estrangeira que quisesse explorar poços na Guiana.
A participação nos lucros é a primeira delas. Enquanto a companhia – e neste caso, a ExxonMobil – fica com 85,5% das receitas, o governo da Guiana tem direito a apenas 14,5%. O acordo é tão benéfico para as empresas que, no artigo 15.1, é estabelecido que o ministro do Petróleo poderá pagar o imposto sobre a renda dessas empresas. Ou seja, apesar da margem de lucro imensa, as petroleiras estrangeiras nem pagam imposto.
A atuação política da ExxonMobil na Guiana também é forte na área ambiental. Um relatório do Instituto de Economia Energética e Análise Financeira (IEEFA) indica que a empresa pediu que o governo enfraquecesse leis de proteção ambiental para emitir a licença de exploração no campo offshore Liza 1.
A pressão feita pela ExxonMobil na política do país vizinho reflete os interesses econômicos da Casa Branca. O ex-engenheiro da estatal petroleira PDVSA, Johny Hidalgo, afirma que as empresas estabeleceram negócios que afetam a segurança energética e financeira dos países da região. De acordo com ele, essas medidas marcam uma influência política que é usada para “manter ou ajustar a ordem do mundo”.
“No caso da Guiana, vemos que seu aparelho econômico depende, cada vez mais, do negócio petrolífero que nem seu Estado nem seus empresários podem controlar. Sendo a Guiana membro pleno e sede do Caricom, afeta, por exemplo, a agenda de integração regional que se desenvolveu com o Petrocaribe. O conflito que se apresenta pela exploração ilegal de hidrocarbonetos em uma área geográfica que pertence aos venezuelanos e guianenses é tem um grau de tensão e só eles poderiam definir seus limites. O interesse internacional mantém o conflito latente”, disse ao Brasil de Fato.
O aumento da produção na Guiana a torna rival de sua vizinha Venezuela. Por ter as maiores reservas de petróleo do mundo (estimadas em 330 bilhões de barris), o país sempre teve uma proximidade grande com as companhias estadunidenses, que chegaram em 1922 ao estado de Zulia para explorar petróleo. A disputa comercial pelo mercado estadunidense coloca em xeque o governo venezuelano, que já denunciou a atuação da ExxonMobil na Guiana.
O próprio presidente Nicolás Maduro chegou a dizer que a participação da ExxonMobil é tão massiva na Guiana que a empresa é quem governa o país vizinho. Desde que assumiu a presidência dos Estados Unidos, Donald Trump tem falado em adotar uma política petroleira que dependa menos da Venezuela, que atualmente é o terceiro maior exportador do produto para os Estados Unidos.
Miguel Jaimes é doutor em geopolítica petroleira e entende que essa posição das relações exteriores dos Estados Unidos faz parte de uma agenda histórica do país e da relação com grandes empresas do setor.
“Os Estados Unidos são dirigidos pelos interesses de corporações e as relações exteriores não são promovidas pela sua chancelaria, mas desses grupos econômicos. São ditadas por essas empresas petroleiras transnacionais. Elas buscam o lucro e o dinheiro e relatam contratos que acabam levando a uma agenda de intromissão e de desequilíbrio que coloca em risco a paz e a estabilidade”, afirmou ao Brasil de Fato.
A petroleira atua desde 2015 na Guiana e começou a extrair e produzir petróleo e gás no país em dezembro de 2019. Com o impacto do aumento da produção, o Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que o país apresentará o maior crescimento econômico do mundo para o ano de 2024, com 43,8%.
As movimentações na produção de petróleo costumam mexer no mercado petroleiro, mas para Hidalgo, os impactos do anúncio feito pela ExxonMobil são difíceis de prever.
“Basta pensar que o preço do petróleo manteve um comportamento estável, apesar da situação no Mar Vermelho [ataques houthis contra interesses de Israel] , das sanções contra a Rússia, ou das tensões entre o Irã e Israel. Sim, é difícil prever o impacto que terá o transporte adicional que poderá fazer da Guiana, que no final do ano de 2025 poderá estar se aproximando a milhões de barris de produção diária, num mercado global em que a oferta e a procura se equilibram ao redor dos 100 milhões de barris diários”, afirmou.
Histórico político
Apesar de ter uma atuação recente na Guiana, a empresa chegou à Venezuela em 1922, quando ainda se chamava Standard Oil. Naquele momento, a Venezuela era governada por Juan Vicente Gómez, que foi responsável por uma série de concessões a empresas petroleiras estrangeiras. As empresas petroleiras começaram a ter, ao longo do tempo, uma interferência cada vez maior na política da Venezuela. O país criou em 1920 uma lei que concedia muitos benefícios para as empresas. David Paravisini é engenheiro e especialista em políticas públicas de energia e afirma que esse cenário ajudou com a chegada de mais investimento externo, mas que trouxe poucos resultados para o Estado venezuelano.
“Essa primeira lei de hidrocarburos, criada em 1920 e modificada várias vezes pelas petroleiras, tinha um regime concessionário com um imposto sobre a renda que era praticamente inexistente e não havia pagamentos de royalties. Então, se vendia petróleo praticamente de graça para o exterior. As características da lei exoneraram totalmente as empresas de qualquer tipo de cobrança ou de impostos. Ou seja, elas podiam trazer qualquer tipo de insumos que precisavam para a sua produção. Tamanha era a permissividade que se chegou a dizer que essa era uma terra de ninguém”, afirmou.
A Shell conseguiu contratos com o governo que chegavam a conceder cerca de 80% das reservas petroleiras conhecidas na Venezuela para a companhia. Os EUA tinham preferencia pela produção de petróleo mexicano, mas já começava a crescer o interesse no petróleo venezuelano e a Standard Oil passou a disputar mercado com a Shell. Os investimentos foram crescendo e em 1940 as duas empresas já começam a dividir espaço na produção.
Enquanto a Shell se concentrava no estado de Zulia, a Standard Oil tinha sua produção focada na região Oriente, no leste do país. As duas companhias passam a desenvolver refinarias, sistemas de tratamento, armazenamento e até infraestrutura para transporte de petróleo. Durante a reforma da lei de hidrocarburos, em 1942, a Standard Oil teve participação decisiva e tentou impor uma série de condições favoráveis.
A lei, no entanto, eliminou o regime geral de concessões que era privada, ou seja, os terrenos ficavam sob administração de empresários e empresas. O Estado passa a ser o único concessionário. Se estabelece o sistema 50-50, no qual os produtores pagavam metade do total dos benefícios que se produzia e se fortalece o papel fiscalizador do Ministério.
Em 1945, o governo criou a estatal petroleira PDVSA, dando ao Estado a responsabilidade por toda a produção venezuelana de petróleo. Nos anos 1990, a empresa passa por um processo de abertura de capital, permitindo compra de ações e investimento privado na estatal. Esse processo é revertido somente durante o governo de Hugo Chávez, que volta a tornar toda a produção de petróleo da PDVSA estatal.
Essequibo em pauta
A disputa pelo território de Essequibo também faz parte desse jogo político. A Venezuela e a Guiana possuem uma pendência histórica e reivindicam a região. No final de 2023, o governo venezuelano realizou um referendo para incorporar o território à Venezuela de maneira definitiva. A proposta surgiu depois de novas descobertas de petróleo na bacia do Essequibo e passou a ser encarada como prioridade, já que este território é reivindicado há um século pelos venezuelanos.
O presidente Nicolás Maduro promulgou em março uma lei sobre Essequibo. A “Lei Orgânica pela Defesa da Guiana Essequiba” pretende oficializar a decisão tomada em referendo pela população no ano passado de tratar o território do Essequibo, em disputa com a Guiana, como um estado venezuelano.
O interesse dos Estados Unidos nesse território voltou com força por conta desta descoberta de petróleo. A ExxonMobil passou a demonstrar interesse em explorar as reservas que estão na costa do Essequibo e, com isso, gera ainda mais tensão nessa disputa. A empresa pretende explorar dois poços na região e, para Miguel Jaimes, acaba atuando como um operador político na Venezuela.
“Esses contratos que estão sendo negociados vêm avaliados pela administração de Washington, pela agência internacional de energia, mas [a empresa] atua como um operador político. O impacto nos preços é o seu principal jogo, o que eles buscam. E com isso, acontece uma série de ações que são bastante delicadas e arriscadas para o mercado petroleiro da região”, afirmou.
Para Hidalgo, todo esse modelo de contratos já estabelecidos pela Guiana com a ExxonMobil acendem um alerta para o governo do país vizinho.
“De tudo isso foi tratada a política das empresas petrolíferas que chegaram ao país, como a agora a ExxonMobil. A Guiana está recebendo esse caminho; deveria conhecer a história, os testes ocultos, da Venezuela para não cometer os mesmo erros e não deixar de guiar-se por interesses ajenos que configuram um sistema político e econômico que não funciona para as multas declaradas pelo Estado”, afirmou.