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Projeto de saúde do governo Ibaneis-Celina é precarizar para privatizar

Avanço da terceirização, via Iges, tem contribuído para o caos na saúde que vive o DF

No dia 7 de fevereiro, o governador Ibaneis Rocha surpreendeu toda a população do Distrito Federal ao criar, por meio do Decreto nº 46.833, um Comitê Gestor da Saúde. Vinculado à Secretaria de Economia, e não à de Saúde e sendo flagrantemente inconstitucional, o referido Comitê seria composto pelo Secretário de Economia, Ney Ferraz, e por três membros titulares e suplentes do Instituto de Gestão Estratégica de Saúde (Iges), da Secretaria de Estado de Saúde (SES-DF), do Hospital da Criança de Brasília José Alencar e do Instituto de Cardiologia e Transplante do DF.

Para Jorge Henrique, presidente do Sindicato dos Enfermeiros do DF (SindEnfermeiro), “a ausência de competência técnica da Economia combinada com o apoio político dos serviços terceirizados na gestão do Comitê, evidencia o interesse do governo em fortalecer e ampliar o processo de terceirização na cidade”.

Após mobilização de parlamentares, entidades sindicais, conselho de saúde, movimentos sociais e demais militantes e usuários de saúde, Ibaneis recuou, revogando o Decreto 46.833, e criando o Comitê de Planejamento da Saúde do DF, de caráter orientador e não gestor.

Não vamos aqui adentrar no fato de que, se este Comitê é orientador, passando a ser coordenado pela Secretária de Saúde, então, ele não tem razão de existir, já que existe a própria Secretaria de Saúde e instâncias de controle e participação social do Sistema Único de Saúde (SUS), como os conselhos, para isso. O que queremos argumentar é que este caso desnuda, uma vez mais, qual é o projeto de saúde (ou contra a saúde pública) do governo Ibaneis-Celina: precarizar para privatizar.

Projeto político de precarização

Para deixá-lo ainda mais nítido, vejamos rapidamente o caso da saúde mental do DF, mais especificamente da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS).

Como temos denunciado aqui na nossa coluna, a saúde mental do DF é uma das piores do Brasil. De acordo com dados do Ministério da Saúde, reforçados por instituições como o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), o DF tem uma das piores coberturas de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de todas as 27 unidades federativas. Se contarmos apenas os 13 CAPS que são habilitados pelo Ministério da Saúde, o DF passa a ter a pior cobertura de CAPS de todo Brasil. Mesmo com os CAPS prometidos pela SES-DF, ainda continuaremos a ter uma das piores coberturas de CAPS do país.

Esse cenário de ampla precarização não é um desvio da rota. Pelo contrário, faz parte da rota; ele é a rota em um projeto que se pauta justamente pela precarização, usando-a como argumento para os processos de privatização, seja de maneira direta ou indiretamente, como são os casos de terceirização – as chamadas parcerias público-privadas.

Esse é, por exemplo, o caso do Iges que avança seus braços por todo o SUS do DF, chancelado e induzido pelo próprio governo Ibaneis-Celina. Como temos visto, o avanço da terceirização, via Instituto, tem contribuído para o caos na saúde que vive o DF, além de ser alvo de inúmeras denúncias por corrupção de irregularidades.

A nomeação do até então presidente do Iges, Juracy Cavalcante, como novo secretário de saúde, no lugar de Lucilene Florêncio, que pediu demissão nesta quinta-feira (20), só reforça o projeto de privatização do SUS no DF. É inadmissível que o ex-presidente do Iges, com conflitos de interesse evidentes, seja o secretário de saúde.

Privatização na saúde mental

No caso da saúde mental esse avanço também está presente. Mencionamos, primeiramente, os casos das Residências Terapêuticas (RTs).

Trata-se de um serviço fundamental da Raps para as pessoas que foram historicamente institucionalizadas (cronificadas) em manicômios – como é o caso do Hospital São Vicente de Paulo – e que perderam vínculos e tiveram sua autonomia violentada, devendo habitar tais RTs em conjunto com outros usuários, potencializando seus laços, fortalecendo a vida em liberdade e em comunidade e sendo assistidas por equipes e profissionais de referência da própria RT e de outros serviços da Raps.

Apesar da relevância, e após mais de duas décadas de criação, o DF só foi ter a primeira RT no final do ano passado, com a segunda em processo de implantação. Há um edital aberto para habilitação de mais RTs e com previsão de abertura de mais vagas. No entanto, a gestão das RTs se dá e se dará por meio de parcerias público-privadas.

Citamos também outros dois casos. O primeiro é o contrato que vigora desde 2018 com a Clínica Recanto de Orientação Psicossocial Eirelli (EPP), uma instituição privada de caráter asilar. De acordo com a própria SES-DF, de 2018 a 2022, foram, no mínimo, R$ 2.038.946,00 por ano, sendo que em alguns anos foi necessário o acréscimo de diárias. Não basta o GDF sustentar e reproduzir a lógica asilar-manicomial – vide a manutenção do HSVP até os dias atuas, mesmo ele sendo ilegal há 25 anos – ele faz isso financiando entidades privadas.

O segundo caso é o das chamadas Comunidades Terapêuticas (CTs), instituições também privadas e asilares-manicomiais. De acordo com dados fornecidos pelo próprio GDF ou acessados pelo Portal da Transparência do DF, entre 2012 e 2021 houve um aumento de 694% no repasse de verbas públicas às CTs. A média por ano foi de R$ 2.312.970,00. Neste caso, o financiamento não vem da SES-DF, mas da Secretaria de Justiça e Cidadania (SEJUS-DF). Enquanto isso, só temos sete CAPSad e uma Unidade de Acolhimento, que são os dois serviços públicos especializados para álcool e outras drogas da RAPS. 

É evidente como a precarização está associada aos processos de terceirização e transferência de verbas públicas para instituições privadas que, na saúde mental, também têm sido asilares-manicomiais – indo na contramão de leis e demais normativas do SUS e da Reforma Psiquiátrica. Por fim, segundo o MPDFT: “[…] pode-se afirmar que a precarização dos serviços públicos de saúde, a desproteção social da população do DF e a não implementação correta da Rede de Atenção Psicossocial configuram-se como violações do direito à saúde em geral e, mais especificamente, do direito à saúde mental das pessoas que vivem no Distrito Federal”.

Ora, se tudo isso se trata de violação do direito à saúde, até quando perdurará a não responsabilização do GDF?

Perguntamos isso porque sabemos que, enquanto não for devidamente responsabilizado pelas violações de direitos que comete, o projeto de precarização e privatização do governo Ibaneis-Celina, que é contra saúde pública do DF, continuará e se expandirá. Precisamos pará-lo urgentemente!

Fora, Iges!

Em defesa do SUS!

Por uma sociedade sem manicômios!

:: Leia outros textos desta coluna aqui ::

*Pedro Costa é membro do Grupo Saúde Mental de Militância do Distrito Federal UnB.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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