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 Champagne amarga

Olá!

A esquerda e os progressistas estão divididos entre a esperança de que Bolsonaro seja preso e as apreensões quanto ao futuro do governo. 

.Vivo ou Morto. A apresentação da denúncia da PGR é mais um passo em direção a um futuro que mesmo a família Bolsonaro e o PL já consideram inevitável: a condenação e, posterior, prisão do ex-capitão. Ainda que já fosse esperada, a denúncia de 24 militares (entre os 34 denunciados), incluindo quatro generais e um almirante, é histórica e uma ruptura na tradição de impunidade aos impulsos golpistas dos quarteis. É verdade, porém, que a contrapartida é a adoção da “narrativa Múcio”, expressa no próprio documento da PGR, de que o “Exército foi vítima e que foi a não-adesão dos oficiais que impediu o golpe”. Para um avanço maior, seria preciso contrariar Múcio e reformar o artigo 142 da Constituição, recomenda Maria Cristina Fernandes, aquele que os militares interpretam como uma fictícia autorização para atuar como “poder moderador”. Quanto a Bolsonaro, se ele pessoalmente é carta fora do baralho de 2026, seria precipitado imaginar que já está morto na política. O bolsonarismo ainda respira mesmo depois do atentado ao STF e da prisão de Braga Netto e, mesmo que menor, o ex-capitão ainda detém um espólio eleitoral considerável. Como se viu pelas manifestações de solidariedade imediatas de líderes da extrema-direita, como Nikolas Ferreira e o Tenente Coronel Zucco, mas também do governador e do prefeito de São Paulo. Bolsonaro precisa manter sua força social para tentar quaisquer chances de sobreviver ou de negociar no julgamento e quem quiser disputar as eleições pela faixa da direita também precisa deste espólio. Assim, é bem possível que pequenas escaramuças como o projeto de Anistia no Congresso ou o projeto de Ficha Limpa percam força, mas não significa que o bolsonarismo está extinto ou outras reações não sejam tomadas, como o ato convocado para março. Até ter certeza que o bolsonarismo abandonou Bolsonaro, a direita também não o abandonará. Até lá, Bolsonaro vai continuar fingindo uma candidatura para esquentar a cadeira para o filho Eduardo, enquanto bloqueia a emergência de outros pretendentes. E quem quiser protagonismo vai ter que se arriscar agora e se afastar do clã.  Neste cenário, a aposta do Planalto é deixar o protagonismo para o Judiciário e acompanhar o dilema do centrão, apostando que a turma mais pragmática da política brasileira vai ficar com o governo, mesmo que por falta de opção. 

.Salvo pelo gongo? Antes da denúncia da PGR contra Jair Bolsonaro e mais três dezenas de golpistas, só se falava da queda da popularidade do governo, confirmada pelo Instituto DataFolha. Mas a denúncia contra Bolsonaro apagará o mau desempenho de Lula? Provavelmente não. Isso porque os problemas do governo ganharam dimensões estruturais, alerta Felipe Nunes. Afinal, a pesquisa mais recente confirmou as mesmas tendências já apontadas pelo Instituto Quaest: queda na aprovação entre mulheres, população de baixa renda e moradores da região nordeste, ou seja, as bases de sustentação de Lula. Ainda para Felipe Nunes, a questão central é que o individualismo e o pensamento meritocrático avançaram na sociedade, deixando o eleitorado menos fiel. A consequência é que os programas econômicos e sociais já não surtem os mesmos efeitos de antigamente. Já para Luiz Eduardo Soares, o principal problema seria a falta de disposição do governo em enfrentar a cartilha neoliberal da Faria Lima e do Congresso. Em qualquer dos casos, isso significa que a estratégia de Lula de dar “pau na máquina”, apostando nos efeitos positivos do crescimento econômico, talvez não dê o resultado desejado. Já a avaliação de Zeina Latif é que o erro básico de Lula foi acreditar que o novo arcabouço fiscal apaziguaria as relações com o mercado de forma a permitir uma expansão da arrecadação e dos gastos sem oposição significativa. Mas agora, tanto a direita quanto o mercado já farejaram que o governo está sem rumo e tomaram gosto pela brincadeira. Mesmo que a aposta dos bolsonaristas de sair às ruas por um impeachment de Lula tenha perdido força depois da denúncia da PGR, a pauta animou o centrão, sempre disposto a inflacionar as negociações com o governo por cargos e recursos. Sem contar a sanha privatista dentro do Senado, que agora pretende bombardear os Correios com uma CPI. E não é que a queda na popularidade do governo levou Luís Roberto Barroso a desenterrar, mais uma vez, a proposta de semipresidencialismo

.O preço do amanhã.A boa notícia para Lula é que o cenário econômico está longe de uma crise similar àquela que levou Dilma à lona. O dólar está baixando e mesmo a tão falada inflação dos alimentos, frequentemente responsabilizada pela insatisfação popular, é menor agora do que foi durante o governo do candidato a futuro colega de cela de Braga Netto. Porém, mesmo com um alívio no preço dos alimentos, a inflação deverá continuar pressionando nos próximos meses. Da mesma forma, as prévias do PIB de 2024 apontam um crescimento em torno de 3,6 e 3,9%, com destaque para um bom desempenho no quarto trimestre. E mesmo que as projeções para este ano apontem uma desaceleração, não há nada catastrófico no horizonte. Onde está o grande problema então? “É a política,estupido!”, lembra Luís Nassif. A começar pela falta de foco e consistência nos programas governamentais. Depois do Pé de Meia, agora a aposta para recuperar a confiança da população mais pobre é o Gás para Todos. Enquanto na política econômica continuam as incertezas sobre o futuro da política de juros do Banco Central, agora nas mãos de Gabriel Galípolo. Na dúvida, Lula tem jogado a solução do problema dos juros para um futuro incerto. Outro erro, avalia Valdo Cruz, seria a incapacidade de apresentar uma solução para a alta no preço dos alimentos e dos combustíveis, ignorando que de qualquer jeito a população responsabiliza o governo. Além disso, a pauta ambiental, que seria o carro-chefe da política internacional, foi rifada pela insistência de Lula em avançar com a exploração de petróleo, levando o Brasil para a Opep+. Outra coleção de problemas pode ser atribuída ao fogo amigo, como aquele que sapecou Haddad esta semana quando, na sua ausência, os demais ministros jogaram a culpa da impopularidade sobre o Ministério da Fazenda

 .Ponto Final: nossas recomendações. 

.A expectativa de vida dos palestinos caiu mais de 11 anos nos primeiros três meses do genocídio. O Instituto Tricontinental denuncia as sequelas de longo prazo deixadas pelo genocídio em Gaza. 

 .Calor na escola: 2,5 milhões de crianças estudam em locais 3°C mais quentes que as cidades. Análises de satélite mostram o impacto do aquecimento global nas instituições de ensino. Na Agência Pública.

 .Centrão: esboços de uma biografia. Beatriz Zaterka Giroldo e Tânia Gerbi Veiga discutem as origens do centrão, da constituinte de 1988 aos dias atuais. No Le Monde.

 .Tucanos em extinção: entenda a crise que pode resultar no fim do PSDB. O Congresso em Foco mapeia o ocaso de um partido que migrou do progressismo ao neoliberalismo. 

.Nikolas e os trabalhadores. No Le Monde, Marina Basso Lacerda alerta para o movimento de apropriação das demandas dos trabalhadores por parte da extrema direita.

 .Mulheres trabalham na prisão, mas têm dificuldade para receber pagamento. Egressas do sistema prisional levam anos para receber remunerações e temem recorrer ao Estado. Na Revista Azmina.

 .O comunista italiano cujos livros infantis radicalizaram uma geração. A Jacobin apresenta a obra de Gianni Radari, que fez da fantasia uma arma contra a injustiça e o autoritarismo.

 .Um completo conhecido. Jotabê Medeiros analisa o filme que desvenda a trajetória de Bob Dylan e que  concorre a oito indicações ao Oscar. Na Farofafá.

Ponto é escrito por Lauro Allan Almeida Duvoisin e Miguel Enrique Stédile.

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