Toninho Geraes não venceu a disputa interna da Portela na escolha do samba-enredo que a escola vai usar no desfile da Sapucaí no Carnaval deste ano.
O compositor, que coleciona clássicos consagrados tanto na passarela como nas rodas de samba, segue convicto que o resultado foi injusto: “Escute os dois, o meu e o vencedor, do [Samir] Trindade… o meu é melhor”
Embora contrariado, o sambista concorda que a canção eleita é “bonita”, principalmente por conta do tema escolhido pela Portela, uma homenagem a Milton Nascimento.
“Parafraseando Nelson Cavaquinho: dê flores em vida! Eu acho muito importante. Afinal, depois que a pessoa se for, ela não vai mais se encher de emoção ao vê-la sendo homenageada”, explica em entrevista ao programa Bem Viver desta sexta-feira (21).
E o elogio não é apenas porque a Portela é sua escola. O sambista enxerga um bom momento para o Carnaval carioca em relação aos temas escolhidos pelas agremiações. Segundo ele, a temática da ancestralidade africana voltou com força por conta do fim de patrocinadores específicos para as escolas, que, assim, influenciavam no samba-enredo.
“Antigamente, a Portela chegou a fazer um tema sobre computador. Imagina eu, como compositor, fazendo um samba falando de computador. Um absurdo, não dá inspiração nenhuma”, critica.
“Como já não tem mais patrocínio que vem daqui e dali para marcar o enredo, aí todo mundo começou fazer esse resgate de ancestralidade, que é uma coisa muito linda. Eu sentia uma falta danada”.
“E com isso parou aquela coisa de fazer tema biônico, de plástico”, reforça o compositor.
Toninho Geraes é conhecido por ser o compositor de sucessos imortalizados grandes nomes do samba, como Zeca Pagodinho, com Mais Feliz, Beth Carvalho, com Se a Fila Andar, e Martinho da Vila, com Mulheres.
Confira trechos da entrevista
A Portela é a sua escola. O que você achou do tema deste ano, uma homenagem a Milton Nascimento?
Parafraseando Nelson Cavaquinho: dê flores em vida! Eu acho muito importante. Afinal, depois que a pessoa se for, ela não vai mais se encher de emoção ao ver-se homenageada.
No ano retrasado, eu disputei o samba-enredo da Grande Rio e eu fui para a final com Arlindinho Cruz e Dudu Nobre. Eu perdi, mas sigo achando que o meu samba era melhor. A gente sempre acha que o nosso é melhor, né?
Depois disso, eu disse que ia desistir, mas acabei voltando só porque o tema era Zeca Pagodinho, um camarada a quem eu devo tanto. Inclusive, foi ele que deu meu nome artístico.
Quando nós nos conhecemos, no Cacique de Ramos, nos anos 1980, o Zeca só me chamava de Geraes, isso porque eu sou de Minas Gerais. Na época, meu nome artístico era Toninho Ribeiro.
Então, ali no Cacique de Ramos, que é o bloco da minha vida, eu conheci o Zeca e fiz um pouco da minha história ali.
Isso porque, quando eu fui convidado para gravar o meu primeiro disco, a gravadora não concordou que eu assinasse como Toninho Ribeiro, porque tinha o Roberto Ribeiro na gravadora.
Eu me lembrei que o Zeca me se chamava de Toninho Geraes, aí aceitei o nome e assim ficou.
Qual a sua percepção sobre esse momento que os sambas-enredo, principalmente no Rio, mas também em São Paulo e outras capitais que estão vivendo uma retomada do tema da ancestralidade, da cultura afrobrasileira. Te parece que é um novo momento de retorno à origem do Carnaval?
O corcunda sabe como deita.
Antigamente, a Portela chegou a fazer um tema sobre computador. Imagina eu, como compositor, fazendo um samba falando de computador. Um absurdo, não dá inspiração nenhuma.
Como já não tem mais patrocínio que vem daqui, dali para marcar o enredo, aí todo mundo começou fazer esse resgate de ancestralidade, que é uma coisa muito linda. Eu sentia uma falta danada.
Graças a Deus o patrocínio para fazer o Carnaval, hoje, vem da Liesa [Liga Independente das Escolas de Samba] e da própria arrecadação da Escola, nos seus momentos, suas festas.
E com isso parou aquela coisa de fazer tema biônico, de plástico. É por esse motivo que hoje os sambas estão com essa tendência à africanidade, à ancestralidade, falar de personalidades.
Como teve a homenagem ao Zeca, tema da Grande Rio, o Milton [está agora] sendo homenageado pela Portela.
Antes já teve isso. Lá trás era muito comum. Clara Nunes foi homenageado pela Portela também.
A Mangueira cometeu o grande erro de não homenagear o Cartola em vida e até depois.
A escola não pode depender dessa grana de fora, não sei por quê que precisou tanto disso.
Hoje como eles perceberam que se fizer um tema que não inspira os compositores, não vai ter samba bom, isso tá mudando.
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