A adesão do Brasil à Carta de Cooperação entre Países Produtores de Petróleo, um fórum de discussões ligado à OPEP+, foi anunciada pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, na quarta (19) como uma tática para discutir financiamentos para transição energética. A assinatura, porém, é analisada por especialistas e movimentos sociais como um possível retrocesso de grande risco ambiental e social, que coincide com outros fatos políticos recentes, como as declarações do presidente Lula em favor da liberação de pesquisa de petróleo na foz do rio Amazonas. Em algumas falas, o presidente chegou a criticar o Ibama.
Organizações ambientais defendem um posicionamento mais firme do Planalto contra os combustíveis fósseis, principalmente no ano em que ocorre a COP 30 na Amazônia, evento marcado para novembro.
“Na minha forma de ver, não é por acaso que o presidente Lula dê essas declarações dias após a reeleição de Davi Alcolumbre (União Brasil) para a presidência do senado”, avalia o professor Gustavo Moura, oceanógrafo da Universidade Federal do Pará. Para ele, há uma nítida divisão entre correntes de ambientalistas, e as alas em favor de usar a exploração de petróleo próximo à foz do Amazonas como um fonte de financiamento para a transição energética têm maioria de representantes na base do governo no Congresso, em detrimento aos que propõem um modelo de desenvolvimento econômico que respeite a soberania das comunidades tradicionais.
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“Aqui (na Amazônia) essa é uma área considerada estratégica para ser protegida, justamente porque deveria ser espelho do mundo, ainda mais no ano de COP 30. Eu estou dentro do grupo que pede mais pesquisas para entendermos melhor o impacto na biodiversidade, que considera os riscos apontados pelo Ibama e pela própria Petrobras como suficientes para não correr riscos desnecessários”, pondera o professor, que se coloca ao lado das comunidades que serão impactadas e que ainda não foram consultadas devidamente.
Uma das comunidades acompanhadas pelo professor Gustavo é a Vila Espírito Santo, no município de Santo Antônio do Tauá, região litorânea do Pará. Lá, vive um coletivo de pescadores e pescadoras artesanais. A pesca muitas vezes ocorre perto da área onde está prevista a exploração. Os trabalhadores do território relatam medo de que o aumento do tráfego de embarcações e possíveis acidentes causem a fuga do pescado e prejudiquem o modo de vida das populações tradicionais.
“A gente consegue ver o impacto que vai ocorrer na questão social se esses empreendimentos vierem ser instalados aqui na foz do rio Amazonas, porque é uma área de circulação da pesca artesanal, sem se falar do risco que corre a pesca também, porque o pescador artesanal não costuma ter sinalização na embarcação, até mesmo porque são poucas e são pequenas. De repente, numa viagem dessas, um navio pode chegar e passar por cima de uma embarcação, como já aconteceu”, se preocupa Adriano Barbosa.
Tensões num governo de frente ampla
“Quero dizer aqui da importância da gente fazer uma análise sobre como isso repercute nas comunidades atingidas, mas também do ponto de vista da política que a gente defende, porque nesse ano de COP 30, um dos desafios é fazer com que de fato a gente tenha uma transição energética. Inclusive, já existe uma nota técnica do Ibama informando que não é seguro, do ponto de vista ambiental. Já existem crítica das comunidades a respeito da falta da consulta prévia”, problematiza Vivi Reis, vereadora em Belém pelo Psol, que aponta preocupação por hoje não haver nenhum parlamentar do Pará ou do Amapá que milite contra a exploração de petróleo na foz do Amazonas. Ao contrário, além de Davi Alcolumbre, que é presidente do Congresso e do centrão, Randolfe Rodrigues (PT/AP), líder do governo no parlamento, é um dos defensores de que o Brasil precisa fortalecer a soberania energética.
“Agora, a gente tem uma empresa [a Petrobras], que a gente tem que se orgulhar dela, de explorar petróleo em águas profundas há tanto tempo e não ter nenhum vazamento de grande monta”, enfatiza Bruno Terribas, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Pará (Sindpetro). O sindicato tem se posicionado publicamente em favor do respeito à consulta prévia, da proteção ao meio ambiente, mas, ao mesmo tempo, também defende a empresa como vanguarda tecnológica na exploração de petróleo em águas profundas, e de que o Brasil amplie e modernize também a indústria de refinamento do óleo coletado.
“A gente fica numa posição complexa, porque o debate é complexo. Não adianta querer um sim ou não. Os nossos posicionamentos, de que o risco é controlável, são também baseados em estudos científicos, porque a ciência não pode servir só a um dado”, argumenta Bruno. “A gente tá na fase de pesquisa para saber qual o reservatório que tem ali, e eu vejo que é necessário termos essa informação em nome da nossa soberania, e depois se abre o debate se vai explorar ou não”, pontua.
Contudo, o Sindpetro também manifesta preocupação sobre o fato de que, sem um amplo debate, a Agência Nacional de Petróleo tenha aberto leilão de 47 áreas de exploração da foz do Amazonas para junho. “Se a gente está discutindo potencial risco de exploração da Petrobras, você imagina abrir essa região para empresas estrangeiras, que não têm os mesmos princípios e excelência técnica nesse manejo”, critica.
Para a cientista política Nirvia Ravena, do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da UFPA, a relação do presidente Lula com as alas mais à esquerda do governo de coalizão sempre foram tensas, mas estão ainda mais problemáticas num contexto de queda de popularidade, especialmente quando esses grupos são comunidades tradicionais que, de alguma forma, se interpõem à agenda desenvolvimentista. “A gente vê um processo que se repete, de uma desinformação espalhada por lideranças de organizações progressistas e de esquerda, fortalecendo um discurso de que os grandes empreendimentos são inevitáveis, e que resta às populações tradicionais debater royalties, mitigação”, argumenta a professora, citando exemplos recentes, como a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, e as obras para a Copa de 2014.
“Precisamos saber com quem a gente se alinha, do ponto de vista do combate às emergências climáticas. Como diz Carlos Nobre [referência no estudo sobre aquecimento global], nós estamos muito perto de um ponto de não retorno para algumas questões. Nesse sentido, há uma pressão muito grande de uma parcela poderosa do mercado de combustíveis fósseis, para quem não interessa uma transição energética”, continua a professora. Para ela, quando o governo cede à pressão pela exploração no Amazonas, ele, na verdade, está “abrindo a porteira” política para a exploração em toda a margem equatorial, do mesmo modo como Belo Monte o fez para a construção de usinas hidrelétricas na Amazônia e, ao mesmo tempo, “dizendo que não vai fazer uma transição energética, de fato”.