A delegada Marília Ferreira Alencar, da Polícia Federal (PF), foi denunciada pela Procuradoria-Geral da República (PGR) por atuar na organização de blitzes em diversas partes do país no dia 30 de outubro de 2022, durante o segundo turno, na tentativa de impedir que eleitores do então candidato à presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), chegassem aos seus locais de votação.
De acordo com conversas investigadas pela PGR em denúncia divulgada nesta terça-feira (18), o órgão concluiu que a ex-subsecretária de Segurança Pública do Distrito Federal (DF) integrou uma organização criminosa cujo intuito era manter o então presidente Jair Bolsonaro (PL) no poder. Os detalhes foram divulgados nesta sexta-feira (21) pelo portal Metrópoles.
Segundo mensagens trocadas pelo celular logo após o primeiro turno de 2022, a delegada solicitou uma pesquisa com os locais onde Lula teve uma votação expressiva visando coordenar estratégias para interferir no resultado das eleições.
Alencar era diretora de Inteligência do Ministério da Justiça durante a gestão de Anderson Torres, que também foi denunciado pela PGR por participar da tentativa de golpe de Estado. Em um grupo com colegas da pasta e da PF, ela escreveu, quatro dias após o primeiro turno: “[Em] Belford Roxo (RJ), o prefeito é vermelho. Precisa reforçar PF. Menos 25.000 votos no 9 [nine (nove, em inglês), termo usado para se referir a Lula]”.
“Pelotas [RS] foi 52×36 [%] pro Lula. 202 mil habitantes”, postou na conversa. “Os caras têm que rodar essas bases”. Em resposta, o delegado da PF e colega no Ministério da Justiça, Fernando de Souza, recomenda o envio de equipes ao Rio Grande do Sul, onde “tem muito eleitor do PT”.
A 15 dias do segundo turno, o coordenador de operações Leo Garrido anunciou no grupo a finalização dos planos para Bahia, Ceará e Pernambuco, estados do Nordeste com número expressivo de votos em Lula.
“Desvio de finalidade das ações policiais”
As informações sobre os votos nas eleições presidenciais, organizadas em uma planilha pela delegada, segundo a PGR, “foram acolhidas por Silvinei Vasques [diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal à época], que direcionou os recursos da PRF para o objetivo de inviabilizar ilicitamente que Jair Bolsonaro perdesse o poder”.
Segundo a PGR, a investigação deixa “claro o desvio de finalidade das ações policiais do grupo, orientadas ao propósito comum dos integrantes da organização criminosa de impedir, também mediante o emprego de atitudes de força, que o candidato agora denunciado fosse afastado do Poder”.
“Esses e tantos outros diálogos revelam intensa coordenação de estratégias para interferência no pleito. As investigações revelaram, afinal, uma forte rede de comunicações desenvolvida pelos denunciados, com evidências de reuniões e decisões tomadas para garantir, por meio de ações conjuntas, apoiadas na força até policial, a vitória de Jair Bolsonaro. A análise das comunicações confirma o esforço incessante, crescente e coordenado para manipular o processo eleitoral – não somente pelas narrativas infundadas de fraude, mas também pelo empenho de força material impeditiva do acesso de presumidos eleitores do adversário às urnas temidas”, completa a denúncia.
Atos golpistas de 8 de janeiro
Após a derrota nas urnas, apesar dos esforços do grupo, a denúncia da PGR aponta que as tentativas para manter Bolsonaro na presidência desembocaram em outras estratégias, como os atos terroristas de 8 de janeiro, em Brasília (DF). Na ocasião, Alencar e Souza integravam a Secretaria de Segurança Pública do DF, responsável por monitorar as ações antidemocráticas.
A denúncia destaca a “inércia” do órgão distrital já que, Alencar, então subsecretária de Inteligência, informada das movimentações golpistas por volta do meio-dia, apenas às 16h50 enviou uma mensagem ao grupo que coordenava a operação de segurança naquele dia, dizendo que a Força Nacional estava a caminho.
Defesa da delegada
Procurada pelo Metrópoles, a defesa de Marília Alencar declarou que a delegada cumpria suas atribuições como diretora de Inteligência do Ministério da Justiça, determinando a coleta e a análise de dados acerca de possíveis crimes eleitorais, o que não implicaria em qualquer tentativa de intervenção nas eleições de 2022.
“Da mesma maneira, ao exercer a função de subsecretária de Inteligência da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF) há apenas três dias, [Alencar] atuou para prevenir os atos de 8 de janeiro de 2023, o que será demonstrado por seus advogados”, completou a defesa, em nota.