Após as sanções contra Ruanda anunciadas por Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido, o ministro das Relações Exteriores ruandês disse na quarta-feira (26) que o país não teme ficar cada vez mais isolado por causa da guerra no leste da República Democrática do Congo.
“Qualquer conversa sobre medidas punitivas e sanções contra Ruanda não pode nos impedir de proteger nossas fronteiras e nossa população”, disse o ministro das Relações Exteriores, Olivier Nduhungirehe, à associação de correspondentes da ONU, Acanu. “Ruanda não teme ser isolada. Estamos enfrentando uma ameaça existencial contra nosso país, vinda de uma força genocida. Portanto, falar sobre estar diplomaticamente isolado não é realmente uma preocupação por enquanto.”
Nas últimas semanas, o grupo armado M23, apoiado por Ruanda, tomou duas grandes cidades no leste da República Democrática do Congo, dando a eles importante ponto de apoio na região, desde que voltou a pegar em armas no final de 2021.
Os combatentes do M23 – que, segundo especialistas da ONU, contam com o apoio de milhares de soldados ruandeses – assumiram o controle da capital da província de Kivu do Sul, Bukavu, há pouco mais de uma semana, depois de capturar Goma, a capital de Kivu do Norte e principal cidade do leste do país, no final do mês passado.
Alexandre dos Santos, professor do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da PUC-Rio e um dos coordenadores do Lepecad (Laboratório de Estudos e Pesquisas Interdisciplinares sobre o Continente Africano e as Afro-Diásporas) analisa que o conflito na República Democrática do Congo, representa o ápice de uma situação geopolítica que se arrasta desde os anos de 1990.
“Soldados das Forças Armadas de Ruanda estão junto com os guerrilheiros do M23, ajudando a tomar as duas cidades. Isso demonstra que há envolvimento direto do governo de Ruanda, que tem obviamente pretensões imperialistas ali naquela região”, disse ao Brasil de Fato.
A área ocupada pelos rebeldes do M23 é rica em minérios com destaque para o coltan, utilizado na fabricação de eletrônicos, o que teria motivado o apoio de Ruanda aos rebeldes, para ocupar o território e explorar minérios. “Uma parte desse coltan está saindo por Ruanda, indo para lá em troca de armas e munições. Há envolvimento direto com os militares de Ruanda, treinando, ajudando em operações como a tomada de Goma e agora de Bukavu. Então, o que a gente tá vendo ali é o que a gente poderia chamar de pretensões imperialistas de Ruanda naquela região.”
Sanções
O Reino Unido anunciou na terça-feira (25) a suspensão da maior parte da ajuda bilateral direta a Ruanda devido a sua participação no conflito. Kaja Kallas, alta representante da política externa da União Europeia, disse na segunda-feira (24) que a situação na República Democrática do Congo foi discutida em Bruxelas e também anunciou que estão sendo preparadas sanções contra Ruanda.
Os movimentos na Europa seguem na mesma direção das medidas adotadas na última semana pelos Estados Unidos, que anunciaram sanções financeiras a Ruanda, após acusarem o governo de Paul Kagame de orquestrar apoio ao movimento rebelde M23 e contribuir para o conflito na República Democrática do Congo.
Tentativa de mediação
Dois blocos regionais africanos – a Comunidade da África Oriental (EAC) e a Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC) – debateram nas últimas semanas formas de estabelecer um cessar-fogo na RDC.
Eles disseram na segunda-feira (24) que o ex-presidente do Quênia Uhuru Kenyatta, o ex-primeiro-ministro da Etiópia Hailemariam Desalegn, e o ex-presidente da Nigéria Olusegun Obasanjo, foram nomeados “facilitadores” de um novo processo de paz.
A EAC e a SADC concordaram, em uma cúpula realizada em 8 de fevereiro, em fundir dois processos de paz separados – sediados em Luanda e Nairóbi – que estavam em funcionamento antes da última escalada de violência. No entanto, vários pedidos de cessar-fogo não foram atendidos até o momento, pois o M23 continua seu avanço, encontrando pouca resistência do exército congolês.
Angola, que está assumindo a presidência da União Africana, tenta forçar uma mediação por meio do Conselho de Paz e Segurança. O presidente da RDC, Félix Tshisekedi, aceitou conversar com Paul Kagame, mas diz que é inaceitável dialogar com o M23, porque eles não representam nenhum Estado e nenhuma força reconhecida pelo governo do Congo
“Esse é o grande entrave, por mais que você tenha presidentes ali da região envolvidos diretamente em tentar mediar um fim do conflito, esse simples fato do Paul Kagame bater o pé de que ele quer a presença do M23 mostra que ele não está interessado na mediação, ao contrário do que todo mundo está tentando fazer ali”, aponta Santos.
Governo da RDC enfraquecido
A investida de Ruanda contra o território da RDC, em aliança com o M23, ocorre no momento em que o governo de Félix Tshisekedi sofre uma forte oposição interna desde agosto do ano passado.
Sob o pretexto de modernizar as instituições e a relação entre os poderes dentro da RDC, Tshisekedi anunciou uma Reforma Constitucional, mas embutiu no texto alguns “jabutis” que aumentam o poder presidencial, estabelecendo um desequilíbrio a favor do Executivo em relação aos poderes Legislativo e Judiciário.
Além disso, o presidente da RDC embutiu no texto uma tentativa poder ser reeleito mais duas vezes – apesar de já ter sido reeleito em 2023, o que não permitiria que ele concorresse novamente pela legislação atual do país. “Quando a oposição descobriu essa manobra, houve uma grande associação entre todos os partidos de oposição em todas as regiões da RDC, o que fragilizou muito a figura do presidente”, aponta Santos.
Outro fator de desgaste para o governo foram as sucessivas mudanças no comando das Forças Armadas da RDC. “São duas situações se tornaram tanto as Forças Armadas quanto aPresidênciaa da República muito frágeis e o governo do Ruanda se aproveitou dessa fragilidade e deu mais apoio ao M23. Então, esse contexto também precisa ser levado em consideração.”
*Com AFP