Aos 94 anos, o ator, carnavalesco e produtor Haroldo Costa é uma das poucas pessoas vivas que participou de um momento emblemático do teatro nacional: a estreia da peça Orfeu da Conceição, em 1956, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro.
O espetáculo é um marco por levar o Teatro Experimental do Negro, liderado por Abdias do Nascimento, a um dos espaços mais prestigiados da cultura nacional na época.
Haroldo Costa foi convidado pelo autor da peça, Vinicius de Moraes, para interpretar o personagem principal, Orfeu. A obra foi uma adaptação, feita pelo poeta brasileiro, do mito grego de Orfeu e Euridice.
Por trás do elenco, a equipe de produção reuniu nomes como Oscar Niemeyer para a cenografia, Moacir Sclier e Jorge Amado, além da dupla que fazia seu encontro inédito, Vinicius de Moraes e Tom Jobim.
“Isso foi, podemos dizer, o lançamento da semente da bossa nova” explica Haroldo Costa na última entrevista da série que o podcast Conversa Bem Viver está lançando sobre o filme Orfeu Negro, longa baseado na peça que ganhou o Oscar de melhor filme estrangeiro, em 1960, prêmio que ficou para França.
Orfeu da Conceição foi o lançamento de Haroldo Costa no teatro nacional. Daí para frente, ele iria participar de outros momentos importantes da dramaturgia, como interpretar o Jesus negro, em Alto da Compadecida.
Confira a entrevista na íntegra
Aos 94 anos você segue curtindo o Carnaval?
Eu sou um carnavalesco permanente, porque, desde que eu me lembro, muito pequeno, eu já curtia o Carnaval, ainda em Maceió onde eu cresci, embora tenha nascido no Rio.
Carnaval como um todo é um grande acontecimento na vida brasileira, de uma maneira geral, porque ele reflete um pouco do nosso caráter. Ou melhor, eu diria, bastante do nosso caráter de povo.
A gente supera os desafios, os problemas nesse momento. A alma brasileira é uma alma que se expande no Carnaval.
Você recém lançou o livro 100 anos de Carnaval no Rio de Janeiro…
A gente, de maneira geral, sempre reclama que nós não temos memória. Eu não sei se é verdade, mas minha contribuição foi essa para combater essa imagem.
É um livro que fala sobre o Carnaval, que mostra os vários aspectos do Carnaval.
Como foi o processo para você ser escolhido como Orfeu?
É uma longa história. Eu conheci Vinicius em Paris quando eu estava com a companhia de danças Brasiliana. Nós estávamos fazendo uma temporada em um teatro famoso de Paris.
E estávamos fazendo um tremendo sucesso, repetindo apresentações. Tudo isso deu um grande status à dança brasileira. Nisso, o Vinicius se aproximou da gente e nos ajudou a seguir circulando na França.
Um dia, ele, que sempre gostava de cozinhar, nos chamou para uma feijoada na casa dele em Paris. Em dado momento, naquele dia, ele me chamou de canto para me apresentar o texto que ele tinha recém terminado, que era a peça de teatro Orfeu da Conceição.
Na hora eu vi e percebi que se tratava de algo importante. Claro que, naquele momento, entre o feijão e o samba, não deu para perceber muita coisa. Mas me impressionou e muito.
De qualquer forma, aquilo passou. Eu segui com a nossa turnê e só anos mais tarde nos reencontramos no Rio já de volta.
Nesse momento, ele já tava com tudo pronto, mas procurando recursos para pôr em prática a peça. Enfim, ele conseguiu o apoio de um marroquino e me avisou que ia sair.
Então ele começou a chamar a equipe, Moacir Sclier, Oscar Niemeyer, Jorge Amado, para dar cobertura. Depois, ele conheceu o Tom num bar que existe até hoje e chamou ele para fazer a partitura.
Isso foi, podemos dizer, o lançamento da semente da bossa nova.
Foi uma peça com elenco negro, incluindo o Abdias, Ruth de Souza, Lea Garcia… Enfim, foi um elenco legal e a peça foi muito bonita.
E, até hoje, Orfeu da Conceição é referência no teatro musical brasileiro.
Dava para perceber que era algo novo que estava surgindo?
Dava, sim. Era tudo muito diferente do que estava acontecendo naquele momento, né? O tom da música, a mistura com o bolero, enfim.
Claro que aquilo foi apenas o início, depois eles começaram a compor, basicamente, todos os dias, inovando mais, com mais elementos. Mas foi a semente, sim.
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