Quando a Acadêmicos do Tucuruvi entrou no sambódromo do Anhembí, em São Paulo, na madrugada deste domingo (2), a pesquisadora Glicéria de Jesus da Silva, conhecida como Célia Tupinambá, ficou emocionada. “Estou vendo aqui! Está muito lindo!”.
Em sua casa, na aldeia Serra do Padeiro, sul da Bahia, ela acompanhou o desfile pela televisão. “Emocionante ver o desfile contando toda a feitura do manto”, diz.
Célia é pesquisadora e dedica parte do seu tempo a recriar os Assojaba, ou Mantos Tupinambás, elementos sagrados da cultura desse povo e enredo da Tucuruvi em 2025, com o título “Assojaba – A busca pelo manto”. Ela teceu o primeiro manto em 2005, a partir de orientações de seu pai, Pajé Liro.
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Os Assojaba são como capas ou vestimentas, feitas em malha e adornados com penas, usados em rituais e ocasiões especiais. “O manto não é um objeto. Ele é tem sua própria agência, tem toda sua espiritualidade”, conta Célia, que foi consultada pelos pesquisadores da escola de samba e compartilhou seus conhecimentos sobre essas peças ancestrais.
Durante as preparações para o desfile, ela esteve na quadra da escola para conhecer o projeto e ensinou uma das técnicas da tecitura da malha para a confecção do manto.
“Eu fiquei muito encantada, porque ele estavam trazendo várias dimensões… O sonho, toda a evolução do trabalho da minha pesquisa, dando voz para os Encantados, para o manto e para o sonho”, diz.
O retorno do Assojaba
Até julho de 2024, havia 11 mantos espalhados por museus na Europa, levados para lá sem o consentimento dos seus criadores. No ano passado, uma dessas peças retornou ao Brasil, depois de mais de 300 anos exposto no Museu da Dinamarca. Outras dez permanecem na Europa.
A peça devolvida ao Brasil tem cerca 1,20 metro de altura, por 80 centímetros de largura, confeccionada com penas de guarás e plumas de papagaios, araras-azuis e amarelas.
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“A gente nem imagina o que aconteceu lá pra trás, embora a gente estude história, a gente não aprende a história toda”, avalia Rodinei de Souza Freitas, técnico de treinamento e participante de uma das alas da Acadêmicos do Tucuruvi.
“O enredo vem trazer pra gente algo que a gente nunca aprendeu na escola, o que fizeram com os nossos indígenas, mas a gente nunca imaginava”, disse, na concentração do desfile, enquanto esperava para entrar na avenida.
No enredo faz, a escola faz uma crítica à apropriação do manto pelos europeus. “Não foi feito pra você / Não fei feito pra vender /A vontade do manto vai prevalecer”, diz a música. “Não é todo dia que temos um trabalho na avenida do Anhembi”, comemora Célia.