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Marujada acreana: uma tradição carnavalesca que resiste há mais de 80 anos

Conversa Bem Viver traz a história da Brig Esperança, manifestação cultural que atravessou o mar e encontrou seu porto no coração da Amazônia

No coração da Amazônia, o Carnaval ganha cores, ritmos e histórias únicas. Enquanto o Brasil inteiro celebra nas ruas, o Acre preserva uma autêntica manifestação cultural: a marujada. Com mais de 80 anos de história, essa tradição carnavalesca é mantida viva por gerações, encantando quem a conhece e resistindo ao tempo. Erlonilde de Souza Freire, filha de Seu Aldenor, mestre e fundador da Marujada Brig Esperança, é uma das guardiãs desse legado. Em entrevista ao  Conversa Bem Viver , ela compartilha a história, a importância e os desafios de manter viva essa manifestação cultural.

A marujada é uma celebração plural, que mistura música, dança e teatro. Suas canções abordam temas como o Rei Momo, Nossa Senhora e a paixão do marinheiro, trazendo à tona as raízes culturais do povo acreano. Erlonilde explica que a tradição surgiu nos anos 1980 em Cruzeiro do Sul, sua cidade natal, e foi liderada inicialmente pelo Mestre Galego. Após o falecimento dele, Seu Aldenor assumiu a liderança e, nos anos 1990, levou a marujada para Rio Branco, onde resgatou e fortaleceu a Brig Esperança.

“A marujada é uma brincadeira que vem desde os anos 1980. Meu pai assumiu essa tradição e a trouxe para Rio Branco, onde ela ganhou força”, conta Erlonilde. O nome Brig Esperança faz referência a um navio da marinha que enfrentou um motim, história que é encenada e cantada pelo grupo. “Nós contamos essa história, cantamos essa história. Temos pesquisas sobre as origens reais desse navio, que inspirou a criação da marujada”, explica.

Hoje, a Marujada Brig Esperança é a única do gênero que sobrevive no Acre. Erlonilde destaca que, apesar das dificuldades, o grupo tem levado a tradição para diversas cidades, como Xapuri, Cruzeiro do Sul e Rio Branco. “Já fizemos apresentações em várias cidades do Acre. Espero, do fundo do coração, que possamos levar essa manifestação para outras partes do Brasil, compartilhando essa cultura tão rica”, diz.

A marujada não é apenas uma celebração carnavalesca, mas também um elo entre gerações. Erlonilde relembra que seu pai, Seu Aldenor, brincou na marujada desde criança e dedicou a vida a manter viva essa tradição. “Meu pai sempre teve medo de que a marujada fosse esquecida. Ele dizia: ‘Se eu fechar os olhos, só você pode dar continuidade a isso’”, conta, emocionada.

Hoje, ela e sua família seguem honrando esse pedido, envolvendo até as crianças na manifestação. “Temos crianças que começaram na marujada desde que nasceram. Elas aprendem a tocar tambor, violão e outros instrumentos. É uma cultura que passa de geração em geração”, afirma.

Além de preservar a tradição, a marujada também tem se voltado para questões ambientais, refletindo a realidade do Acre, estado localizado no coração da Amazônia. Erlonilde, que cresceu no seringal, destaca a importância de lutar pela preservação da floresta. “O Acre é o coraçãozinho da Amazônia. Temos que conscientizar as pessoas para que essa floresta continue linda”, diz. Ela lembra que, em 2023, o estado enfrentou índices preocupantes de queimadas, reforçando a urgência desse debate.

A Marujada Brig Esperança é mais do que uma festa carnavalesca; é um símbolo de resistência cultural e ambiental. Em um país tão diverso como o Brasil, ela representa a força das tradições populares e a importância de preservá-las para as futuras gerações. Como diz Erlonilde: “A cultura salva, integra e nos motiva a seguir em frente, mesmo com todas as dificuldades”.

Confira abaixo a entrevista.

Para começar, Erlonilde, explica pra gente: o que é a marujada acreana?

A marujada é uma manifestação plural. Ela é levada adiante como uma brincadeira e surgiu nos anos 1980 em Cruzeiro do Sul, minha cidade natal. Atualmente, estou em Rio Branco para um tratamento de saúde, mas aproveitamos para dar continuidade à marujada aqui. Tudo começou com o Mestre Galego, quando meu pai ainda era criança. Após o falecimento do Mestre Galego, meu pai assumiu a liderança. Nos anos 1990, ele veio para Rio Branco e deu continuidade à Marujada Brig Esperança, resgatando essa tradição.

Ao fundo, Erlonilde de Souza Freire, que lidera a Marujada Brig Esperança. Imagem: Facebook Brig Esperança

Conta um pouco mais da história da Marujada Brig Esperança. Qual é a origem desse nome?

Nós encenamos a história de um navio da marinha, o Brig Esperança, que enfrentou um motim. É dessa história que surge toda a nossa tradição. Nós contamos e cantamos essa história, sabe? Falamos da noite de cerração fechada, quando o navio foi pego de surpresa, com as luzes apagadas, sem que ninguém pudesse navegar. Casco, leme, verde, macho, tudo sem luz. Até que, finalmente, chegou à terra e se transformou.

Essa parte também envolve teatro. Contamos toda a história dessa embarcação, desse navio da marinha. Além disso, temos feito pesquisas para descobrir as origens reais desse navio, o que nos ajuda a narrar essa linda história, que deu origem à Marujada Brig Esperança.

A Marujada Brig Esperança é um movimento cultural. Fazemos apresentações ao longo do ano, mas, no fundo, ela é carnavalesca, porque falamos do Carnaval. Como dizemos na música: “Amanhã é quarta-feira, acabou o Carnaval”.

Sobre a programação da marujada, ela acontece em Cruzeiro do Sul, mas também se apresenta em Rio Branco. Quais outras cidades do Acre são contempladas pela marujada?

Nossa marujada é a única que ainda sobrevive. Em Cruzeiro do Sul, havia outras marujadas no município de Mâncio Lima na década de 1980, mas elas não existem mais. Já a Brig Esperança resiste há mais de 80 anos.

Levamos a marujada aonde somos chamados. Já fizemos apresentações em Xapuri, Cruzeiro do Sul, Rio Branco e outras cidades. A Marujada Brig Esperança surgiu em Cruzeiro do Sul nos anos 1980 e, desde então, a expandimos pelo Acre.

Do fundo do coração, espero que possamos levar essa manifestação para outras cidades do Brasil, compartilhando esse conhecimento, essa cultura tão rica da nossa região, que também tem conexões com o Rio de Janeiro e outros lugares.

Em nossas pesquisas, encontramos fragmentos dessa história, dessa embarcação, por lá e em Manaus. A marujada, que originalmente tem raízes no mar, acabou chegando às águas do rio Juruá.

Como foi essa transição do mar para o rio, fazendo com que a marujada banhasse as águas do litoral brasileiro e chegasse ao rio Acre?

A história conta que um navegante, integrante da marinha, se deslocou para Manaus após um motim no Rio de Janeiro. De lá, ele veio para a Amazônia. Encantado com a região, criou essa história da embarcação, que hoje é contada por nós em forma de dança e teatro.

Como a marujada une gerações, desde seu pai, que era um grande mestre, até as crianças que estão começando a se envolver com a arte?

Nós somos fazedores de cultura. Essa é a intenção da nossa marujada: trazer o público infantil, mostrar a eles que a cultura existe, que ela salva e que ela integra. Por isso, abraçamos muito as crianças. Queremos levar esse conhecimento para elas, e o mais legal é que, ali, elas aprendem a tocar tambor, violão e outros instrumentos. Isso é muito bacana e importante para essa galerinha pequena. Temos várias crianças que participam da marujada conosco.

Um exemplo é o gageiro [marinheiro], que hoje tem 13 anos, mas começou na marujada desde que nasceu. Essa é uma cultura que se estende de geração em geração. Meu pai brincou na marujada quando era criança, criou o grupo, deu continuidade à tradição e, há quase dois anos, partiu, deixando o legado para mim. O gageirinho, que está na marujada desde a barriga da mãe, é neto do seu Aldenor.

Assim, seguimos levando a marujada adiante, enfrentando muitas dificuldades e lutas. Sempre foi assim. Não deixamos a cultura morrer, mas a realidade é que enfrentamos muitos desafios para mantê-la viva.

Seu Aldenor da Costa Souza, mestre e criador da Marujada Brig Esperança, faleceu em 2023, mas deixou seu legado permanece vivo na manifestação acreana. Imagem: Facebook Marujada Brig Esperança

Como foi a despedida do seu pai em maio de 2023? Foi uma comoção em Cruzeiro do Sul?

Meu pai já estava doente há algum tempo, mas nunca desistiu da marujada. Essa era uma de suas maiores preocupações. Ele sempre dizia que um de seus maiores medos era ver a marujada ser esquecida e essa cultura morrer. Meu pai não era homem de ter medo: seringueiro desde os 6 anos de idade, nascido e criado no meio dos seringais da floresta, e pai de 12 filhos.

Mas ele temia que, após sua partida, a marujada pudesse desaparecer. Ele sabia que, como muitas outras manifestações culturais populares, a marujada sempre enfrentou muitas dificuldades ao longo dos anos. Por isso, ele insistia em não deixar que essa tradição se perdesse. Ele costumava me dizer: “Minha filha, se eu fechar os olhos, não vejo ninguém além de você com coragem de dar continuidade à minha marujada”.

Eu sou integrante da marujada desde criança. Aprendi as músicas ouvindo meu pai cantar, embalando a gente na rede. Confesso que era desafiador para mim, mas sempre respondia: “Pai, a gente vai dar continuidade”.

Uma semana antes de ele falecer, eu, junto com Alexandre Anselmo, Patrícia e minhas irmãs, tivemos a ideia de fazer uma apresentação na casa da minha irmã, onde ele estava descansando em sua rede. Reunimos todo mundo e fizemos uma apresentação linda, com direito a churrasco e tudo. Ele ficou muito feliz.

O que me deixa em paz é saber que meu pai descansou em paz. Sua partida foi tão tranquila que isso me traz conforto. Antes de partir, ele fez um pedido: que não deixássemos a marujada morrer. E é isso que estamos fazendo. Às vezes, olho para minha irmã Leila e digo: “Diante de tantas dificuldades, dá vontade de desistir. Mas o que nos motiva é o pedido dele”. Não desistimos da marujada e continuamos ensinando essa cultura para as crianças. Há pessoas que amam essa tradição.

Recentemente, estive em Cruzeiro do Sul para uma apresentação de um projeto de carimbó. Quando falamos da marujada, os olhos das pessoas mais velhas brilham. Elas dizem: “Poxa, como queremos que você faça uma apresentação para a gente!”. E então começam a recordar, a trazer de volta essas memórias. Isso é encantador e é o que nos motiva a continuar de pé, levando a marujada adiante, mesmo com todas as dificuldades que enfrentamos.

Os trabalhos de vocês também abordam a questão ambiental, especialmente a preservação da Amazônia. Como isso se reflete na marujada?

Nosso propósito é lutar pela preservação da Amazônia. Crescemos no seringal, e as mudanças climáticas são evidentes. Temos conscientizado as pessoas sobre a importância de proteger a floresta. O Acre é o coração da Amazônia, e queremos que ele continue lindo e acolhedor. Este ano, tivemos índices preocupantes de queimadas, mas seguimos lutando para preservar nossa terra.



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