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Há 50 anos, a desobediência civil

Em muitos momentos dos anos 1970, a desobediência civil aconteceu, mesmo em meio à ditadura, ou por causa dela, porque era o único caminho de protesto

Os tempos eram de ditadura militar, nos anos 1970. Portanto, tempos difíceis e sem democracia.

25 de fevereiro de 1975: três estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Carlos Dayrell, Marcos Sarassol, Teresa Jardim, resolveram subir numa árvore, uma tipuana, na Avenida João Pessoa, centro de Porto Alegre, em frente à Faculdade de Direito. O movimento estudantil, muitos estudantes e gente do povo, cercaram a árvore, para evitar que fosse derrubada. Assim como, obviamente, estavam cercados pelas forças militares da ditadura, que levaram estudantes para o Palácio da Polícia, para serem ou presos ou devidamente fichados pelo Departamento de Ordem Política e Social (DOPS). E diziam, os que estavam na tipuana e em torno das árvores: Mais verde, menos concreto. Natureza sim, destruição, não.

José Lutzenberger, presidente da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), que tinha sido fundada algum tempo antes, estava presente e disse para as-os estudantes: “Nós já fizemos bastante coisa, mas não fomos ouvidos. Façam vocês. Subam nas árvores.” Subiram e, embora a repressão, foram vitoriosos. A tipuana não foi derrubada. (Eugênio Bortolon, Há 50 anos 3 estudantes salvam árvore em POA e viram notícia mundial, Brasil de Fato RS, 25.02.25).

25 de fevereiro de 2025, 50 anos depois. A tipuana continua lá, na Av. João Pessoa, Porto Alegre, em pé, na frente da Faculdade de Direito. Algumas dezenas de lideranças daqueles tempos marcaram presença em ato político, entre os quais Marcos Sarassol, junto com lideranças e militantes dos tempos atuais.

Em muitos momentos dos anos 1970, a desobediência civil aconteceu, mesmo em meio à ditadura, ou por causa dela, porque era o único caminho de protesto. E foi vitoriosa em muitos momentos, como no caso da tipuana. Era o movimento estudantil, eram as CEBs, Comunidades Eclesiais de Base, e Pastorais Populares, como a Pastoral da Juventude através do Centro de Treinamento para a Ação (CETA), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), criada em 1975, o Conselho Indigenista Missionário (CIMI).

O livro de Rafael Guimaraens e Ivanir Bortot, ‘Abaixo a repressão – Movimento estudantil e as Liberdades Democráticas’, faz um bom relato deste tempo, inclusive com uma referência de página inteira ao acontecido em 25 de fevereiro de 1975, com o título ‘O Protesto da Árvore‘(p. 50, Ed. Libretos). Diz Carlos Dayrell no livro e página citados: “Fiquei chocado com o que vi. Um monte de árvores já no chão. Me chamou muito a atenção porque todo mundo passava indiferente. Eram árvores belas, que davam uma sombra muito agradável. Também vale a pena ler o romance ‘BARRA/77‘ de Rafael Guimarães, da Ed. Libretos, sobre o movimento estudantil da UFRGS nos anos 1970.

E preciso fazer análises mais profundas sobre o que acontece no Brasil e no mundo hoje, em 2025, com a crise climática, as guerras, a falta de paz, a violência generalizada nas ruas e nas comunidades, a falta de cuidado com a Casa Comum.

E continua acontecendo também, ou mais que nunca, a destruição da natureza. Como por exemplo o que está acontecendo com o Parque  Saint’Hilaire, que fica entre Porto Alegre e Viamão (‘Nosso Parque Saint’Hilaire pede socorro’, Selvino Heck, Brasil de Fato RS, 28.11.24) . Diz um material de divulgação dos movimentos de luta que tentam salvar o Parque Saint’Hilaire: “O Parque está sendo destruído para a construção de um centro de eventos, estacionamentos e comércio. Milhares de árvores foram cortadas. A prefeitura de Viamão não divulga se os milhares de metros de madeira foram vendidos e onde foi parar todo esse dinheiro. A população de Porto Alegre não foi consultada se queria que o Parque deixasse de ser um ambiente natural de preservação.”

O que está acontecendo com o Parque Saint’Hilaire é apenas um exemplo das urgências do momento. Pode ser uma árvore, como a tipuana de 1975, pode ser o Parque Saint’Hilaire, pode ser a Amazônia, pode e deve ser o planeta no cuidado com a Casa Comum.

Felizmente, em muitos momentos e espaços, a desobediência civil marca presença como resistência popular. Os acontecimentos e lutas do início dos anos 1970 abriram o caminho para as greves, o sindicalismo combativo, as lutas no campo, as Oposições Sindicais, as Ocupações urbanas e rurais, os amplos processos de formação na base. Sempre com desobediência civil, porque tudo era proibido em tempos de ditadura militar.

Fatos revividos como o da tipuana e tantos outros iluminam 2025 e anunciam os próximos anos e o futuro com esperança. Haverá sempre luta popular, mobilização social, Formação na Ação, na urgência da construção coletiva de um projeto de sociedade do Bem Viver, com soberania, justiça social, políticas públicas com participação popular, direitos para trabalhadoras e trabalhadores, paz e democracia.

* Este é um artigo de opinião e não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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