O turismo em Cuba, um dos motores econômicos mais importantes da ilha, enfrenta uma das crises mais profundas das últimas décadas. Apesar da riqueza cultural, da hospitalidade do povo e das praias paradisíacas, 2024 registrou o menor número de visitantes internacionais em 17 anos — exceto o período da pandemia de COVID-19.
Com apenas 2,2 milhões de turistas internacionais, a ilha ficou bem longe de alcançar a meta de 3,4 milhões projetada pelo governo para aquele ano. E isso não é só um número: a situação impacta diretamente o dia a dia dos cubanos.
O turismo é um setor estratégico para a estabilidade econômica e social de Cuba, já que é uma das principais fontes de divisas, só perdendo para os serviços profissionais oferecidos pelo país. Esses recursos são usados pelo Estado para financiar boa parte do investimento social, que mantém serviços essenciais para a população.
Mesmo com tantos desafios econômicos, Cuba está entre os países que mais investem em áreas sociais. Mais de 60% do orçamento estatal vai para garantir acesso universal à educação e à saúde pública, além de programas de assistência alimentar, subsídios a serviços básicos e iniciativas culturais, como projetos educacionais e a venda de livros a preços acessíveis.
Graças a essas políticas, o país consegue manter altos padrões sociais em comparação com outras nações de desenvolvimento econômico similar. No entanto, com a queda na renda do Estado e a contínua redução da produtividade nos últimos anos, a qualidade de vida da população tem piorado. Tudo isso contribuiu para criar uma situação em que Cuba enfrenta desafios quase sem precedentes em sua história.
2024 foi um ano especialmente difícil. Além de uma grave crise energética, a ilha foi atingida por dois furacões que causaram grandes estragos. Isso teve um impacto negativo enorme no turismo, mas a queda não pode ser explicada por um único fator: é resultado de uma combinação de elementos que afetaram tanto a imagem quanto a operação do setor.
Turismo (apesar das sanções)
Em entrevista ao Brasil de Fato, José González, guia do Freetour Revolución, explica que, para entender a queda atual no turismo, é preciso considerar vários fatores: desde as sanções econômicas que afetam o país até as campanhas negativas da mídia, passando por problemas internos como a escassez de produtos, a crise energética e algumas falhas na gestão do setor.
González destaca que há “muitos problemas que não podem ser ignorados, porque existem e são reais”, como a situação da eletricidade, que sem dúvida impacta negativamente o turismo. No entanto, ele também ressalta que o peso das políticas impostas pelos Estados Unidos contra a ilha é algo que nenhum outro destino turístico da região precisa enfrentar.
“Nos últimos anos, os Estados Unidos aplicaram medidas restritivas para dissuadir cidadãos de outros países a visitar Cuba. Um exemplo claro é o caso dos europeus: se visitam a ilha, enfrentam dificuldades para obter vistos para entrar nos EUA. Isso não é pouco, pois levou à perda de uma parte importante do mercado turístico. Na verdade, muitas agências de viagem europeias pararam de operar em Cuba por medo de que seus clientes tenham problemas para viajar aos Estados Unidos”, explica.
O objetivo do bloqueio dos EUA sempre foi sufocar a economia cubana. Por isso, também buscam interromper ou dificultar qualquer atividade que permita ao país obter recursos.
“Sem entrada de moeda estrangeira, o Estado fica enfraquecido e tem dificuldades para investir em novos projetos, não só no turismo, mas também em áreas científicas, sociais e agrícolas. Ou seja, o objetivo não é apenas afetar o turismo, mas prejudicar diretamente a população cubana”, afirma.
Além disso, González ressalta que não se trata apenas da perda de receita para o Estado, mas também dos efeitos sobre toda a cadeia econômica ligada ao turismo.
“O Estado não controla todo o setor. Há muitos atores privados ou autônomos que são afetados: desde casas de aluguel, taxistas e guias turísticos até restaurantes e até mesmo o mercadinho da esquina. No fim das contas, o turismo tem um efeito indireto sobre a população”, comenta.
Todos os dias, González conversa com estrangeiros que chegam à ilha com ideias preconcebidas sobre o que acontece em Cuba. “Para o bem ou para o mal, as pessoas vêm com uma visão muito formada, mas também com muita desinformação”, diz.
Um dos principais objetivos do Freetour Revolución é mostrar o cotidiano dos cubanos, com seus aspectos positivos e negativos. Entre esses desafios, González destaca a tarefa de explicar como é viver em um país bloqueado.
Vai pra Cuba
Enquanto enfrenta o peso das sanções, Cuba também é alvo de uma maciça campanha de difamação. Apesar das constantes e ricas atividades culturais que o país realiza ao longo do ano, as referências a Cuba na imprensa internacional são praticamente inexistentes.
Em conversa com o Brasil de Fato, Beatriz Ponce, que trabalha há anos no setor de turismo, destaca que essas campanhas de desinformação se multiplicaram recentemente, contribuindo para a queda do turismo no país.
“Infelizmente, criou-se todo um negócio em torno de ‘influencers’, muitos até cubanos que não vivem no país, que se dedicam a criar conteúdo contra Cuba. Aí acontecem coisas que até dão risada, como pessoas dizendo para não ir a Cuba porque ‘você vai comer a pouca comida dos cubanos’. Agora, o triste é que, se não vêm a Cuba e não comem nos restaurantes cubanos, então esses empregos são perdidos”, afirma Ponce.
No entanto, Ponce ressalta que muitos dos problemas atuais do turismo também são resultado de decisões internas. Apesar das enormes dificuldades externas, a gestão do setor turístico em Cuba há muito tempo é cercada de polêmicas.
Caminhando pelas ruas de Havana, é comum ouvir críticas da população sobre a construção de novos hotéis, especialmente quando os já existentes operam com baixos níveis de ocupação.
Ponce enfatiza que o que diferencia Cuba do resto do Caribe é sua história e cultura, além das conquistas da Revolução em áreas como ciência, esporte e arte. No entanto, o desenvolvimento do turismo ainda está longe de explorar plenamente esses aspectos. Além disso, o envolvimento das comunidades na criação de circuitos turísticos continua sendo muito limitado.
“Precisamos buscar novas formas de fazer as coisas. E isso significa mais diálogo com os trabalhadores e as comunidades”, afirma.