A superlotação e as condições precárias das UTIs neonatais da rede pública do Distrito Federal acendem um alerta para o colapso no atendimento a recém-nascidos na capital federal. Atualmente, todos os 98 leitos públicos de UTI neonatal estão ocupados ou bloqueados, resultando em uma taxa de ocupação de 100%. A crise não é recente, denúncias sobre a falta de vagas, precarização do atendimento e escassez de médicos se acumulam desde o ano passado, gerando investigações e ações judiciais.
Integrantes da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) realizaram uma diligência no Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB), na Asa Sul, no dia 5 de março. O objetivo foi avaliar as condições estruturais e assistenciais da unidade após a interdição parcial do centro obstétrico pela Defesa Civil, no dia 23 de fevereiro, devido a rachaduras nas paredes.
“A comissão faz um trabalho cotidiano de encaminhamento e acompanhamento de demandas relacionadas à saúde pública no Distrito Federal”, explicou o presidente da comissão, o deputado distrital Fábio Felix (Psol-DF). Afirma também que “os órgãos de justiça são acionados para ajudar nesse monitoramento e para que também façam cobranças de soluções junto ao Governo do Distrito Federal”, conclui Felix.
Outro episódio ocorreu no hospital em 23 de fevereiro, quando servidores da UTI neonatal do HMIB enviaram um documento à Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES) pedindo medidas emergenciais, alertando que a unidade, com capacidade para 25 bebês, estava atendendo 29.
O HMIB presta atendimento a gestantes nas áreas de cardiopatia; diabetes tipo 1; doenças nefrológicas; má formação fetal; cirurgia fetal; gestantes de alto risco reguladas na Unidade Básica de Saúde de domicílio.
A crise no sistema de saúde não é de hoje, no ano passado, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ingressou com uma ação civil pública contra o governo e o Instituto de Gestão Estratégica (Iges). O objetivo foi cobrar a reestruturação da rede pública, especialmente nas áreas de pediatria e clínica médica. A ação exigiu um plano de ação para ampliar o número de leitos e garantir a reposição de profissionais.
CLDF cobra reestruturação do sistema de saúde
A partir da visita ao HMIB pela Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da CLDF, foi elaborado um relatório detalhando a situação do hospital e as medidas adotadas para garantir a segurança das gestantes e dos recém-nascidos, após a interdição pelas rachaduras nas paredes.
No documento consta que, entre as ações emergenciais do centro de saúde, foram improvisados uma nova área obstétrica para as parturientes e a transferência dos bebês internados na UTI Neonatal para a ala recém-construída da unidade Canguru.
Apesar de a UTI Neonatal do HMIB não ter apresentado problemas estruturais, a diretora de Atenção à Saúde, Andreia Regina Araújo, explicou que foi necessária a realocação dos bebês devido ao barulho intenso das obras de investigação da estrutura do prédio, construído nos anos 2000.
O relatório da CLDF também aponta um impacto significativo na capacidade de atendimento da rede neonatal do Distrito Federal. Com a interdição parcial do HMIB, aproximadamente 35 leitos neonatais foram desativados. Além disso, a falta de médicos especialistas levou ao bloqueio de outros 23 leitos em hospitais da rede pública.

A comissão destacou ainda a grave carência de profissionais no HMIB, incluindo um déficit de 38 neonatologistas, 300 técnicos de enfermagem e especialistas como neurologistas e cardiopediatras. Segundo o documento, essa escassez compromete não apenas o atendimento na unidade, mas afeta toda a rede neonatal do DF, ampliando os riscos para gestantes e bebês e sobrecarregando hospitais vizinhos, que já operam no limite de sua capacidade.
Diante desse cenário, a comissão cobrou medidas urgentes da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES) para restabelecer a capacidade de atendimento neonatal e obstétrico. Dentre as recomendações estão a recuperação da infraestrutura do HMIB, a contratação de profissionais de saúde, o fortalecimento da gestão de recursos humanos e materiais, a descentralização da rede neonatal para evitar a sobrecarga em unidades específicas e apoio aos hospitais da rede pública, oferecendo recursos financeiros e materiais necessários.
“O relatório detalhado com as falhas encontradas foi encaminhado à própria secretaria de Saúde do DF – para providências – e à Promotoria de Defesa da Saúde do Ministério Público para cobrança de soluções junto ao GDF”, explica o deputado distrital e presidente da comissão, Fábio Felix.
“A crise no HMIB não é um caso isolado, mas um reflexo da fragilidade do sistema público de saúde no Distrito Federal, que exige soluções urgentes para evitar o agravamento do colapso na rede neonatal”, conclui o relatório.
Crise no sistema de saúde nas regionais
O Hospital Regional de Taguatinga (HRT) também tem sido um dos mais afetados pela crise do sistema de saúde, bebês recém-nascidos têm sido acomodados de forma improvisada. Funcionários relataram que, diante da falta de leitos, as salas de parto estão sendo adaptadas para receber bebês que precisam de suporte neonatal.

Em um despacho interno, uma médica do HRT alertou que, em alguns plantões, apenas um profissional era responsável por toda a UTI neonatal e pelo atendimento de 13 recém-nascidos.
Mediante a crise, o governo anunciou a contratação temporária de 50 médicos neonatologistas para o HRT. A contratação foi publicada em edição extra do Diário Oficial do Distrito Federal (DODF), no dia 6 de março. Os profissionais atuarão por 12 meses, com carga horária de 20 horas semanais.
Para o parlamentar Fábio Félix, “a medida é emergencial, mas insuficiente diante da demanda por cuidados pediátricos no HRT e no DF”, aponta.
Em nota, o MPDFT afirmou que monitora a crise, especialmente devido ao aumento da demanda por leitos no período sazonal infantil, que começa em março. Segundo o órgão, os leitos bloqueados se devem ao grave déficit de neonatologistas. “O MPDFT tem cobrado da Secretaria de Saúde do Distrito Federal a reposição desses profissionais e, segundo as informações recebidas, existe um processo de contratação em andamento”, informou.
O que diz a secretaria de Saúde do DF?
Em resposta ao Brasil de Fato DF, a Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) afirmou que já adotou medidas para garantir o atendimento de gestantes e recém-nascidos diante da crise nos hospitais infantis do DF. Segundo a pasta, o Hospital Materno Infantil de Brasília (HMIB) continua responsável pelos partos de alto risco, conforme critérios estabelecidos na Portaria nº 1321/2018.
A secretaria também informou que houve uma reorganização do fluxo de atendimento. Gestantes com menos de 32 semanas da Região Leste passaram a ser direcionadas ao Hospital Universitário de Brasília (HUB), enquanto grávidas de risco habitual do Guará e Riacho Fundo 1 e 2 foram redistribuídas para o Hospital Regional da Asa Norte (HRAN) e o HUB.
Para ampliar a capacidade da rede neonatal, a SES-DF destacou que inaugurou 13 leitos de UTI Neonatal no Hospital Regional de Santa Maria e abriu concurso para a contratação temporária de 200 médicos generalistas e 50 neonatologistas.
Na tentativa de reduzir a sobrecarga nos prontos-socorros pediátricos, a pasta anunciou a contratação de mais de 14 mil plantões de pediatria, desde 1º de março, a serem realizados por profissionais de empresas privadas nos próximos seis meses. Com um investimento de R$ 15 milhões, o reforço atenderá emergências em diversas unidades da rede pública, incluindo o HMIB e os hospitais regionais de Ceilândia, Brazlândia, Guará, Taguatinga, Sobradinho, Planaltina e Paranoá.
Conforme informações do Portal da Transparência da Saúde do DF, na manhã desta quarta-feira (12), cinco bebês estão na fila de espera em UTI Neonatal nos hospitais públicos geridos pela Secretaria de Saúde.
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