Após mandado de segurança impetrado pelo Instituto Internacional Arayara, a audiência pública sobre o licenciamento ambiental da Usina Termelétrica (UTE) Brasília foi adiada. O evento, que deveria acontecer no dia 12 de março, foi cancelado conforme decisão da 9ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal (SJDF), com base em mandado de segurança coletivo.
A Arayara argumentou que a alteração de data da audiência comprometeu a mobilização social para discutir os impactos do projeto. O período entre a data corrigida e a audiência original seria insuficiente para permitir uma análise aprofundada do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e do Relatório de Impacto Ambiental (Rima), conjuntamente chamados de EIA-Rima, com cerca de 4 mil páginas que abordam questões ambientais complexas com grande impacto na qualidade de vida da população do Distrito Federal. O adiamento foi comunicado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e uma nova data será divulgada futuramente.
Segundo John Wurdig, engenheiro ambiental e gerente de transição energética da Arayara, o adiamento deve inviabilizar muitos planos da empresa Termo Norte, que necessitava da emissão da licença até 8 de abril para concorrer ao leilão de energia em junho. “Temos a chance de adiar a entrada dessa empresa no leilão.” Além do mandato de segurança coletivo, a organização entrou com uma ação civil pública contra a Agência Reguladora de Águas, Energia e Saneamento Básico do Distrito Federal (Adasa–DF) e a Termo Norte devido à emissão de uma outorga para captação de água.
A autorização, que permite a obtenção de até 110 m³/hora pela empresa, é baseada em um estudo de 2012, sem levar em consideração a situação hídrica de Brasília. “O DF passou por sua maior crise hídrica dos últimos 60 anos”, lembra o engenheiro. “Ficamos 167 dias consecutivos sem chuva”, observa.
Ainda de acordo com o engenheiro, a água extraída do rio Melchior ameaça o corpo hídrico, que já é receptor de águas poluentes e recebe a classificação “Classe 4”, a pior na atual legislação sobre a qualidade da água.
Região de sacrifício ambiental
A oposição contra a implantação da UTE vem de vários setores da sociedade, que estão insatisfeitos com a obra. O movimento adquiriu força após a apresentação de uma carta de repúdio contra a obra, durante a 5ª Conferência Distrital do Meio Ambiente, que ocorreu entre os dias 22 e 23 de fevereiro de 2025. Além disso, começou a circular uma petição contra o projeto, que conta com mais 500 mil assinaturas.
A movimentação contrária à UTE decorre dos diversos perigos que ela representa para o bioma e os grupos sociais da região. Segundo John Wurdig, a implementação da usina vai dobrar as emissões de gases prejudiciais no Distrito Federal. “No ano da COP30 [Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas], um momento de discussão de combate e mitigação de mudanças climáticas, Brasília está fazendo um péssimo projeto.” Há também a previsão da remoção de 31 hectares de vegetação nativa, destruindo parte do Cerrado da região.
O engenheiro ressalta que a região escolhida para a construção da termelétrica, a Fazenda Guariroba, em Samambaia, já é uma região de sacrifício ambiental. Nela, existe um aterro sanitário, uma estação de tratamento de esgoto e diversas indústrias poluidoras. “É uma região periférica, com uma população que sofre muito com a má qualidade ambiental de seu território.”
Além do agravamento da destruição do bioma da região, o projeto de implantação da usina prevê a remoção da Escola Classe Guariroba, que atende 350 estudantes.

A escola, que já passou por um processo de realocação devido à construção do aterro sanitário e foi inaugurada novamente em 2018, já teve mais de R$ 4,5 milhões investidos em sua estrutura. Além do desperdício monetário, a destruição da instituição de ensino afetará o acesso à educação dos moradores da região. Segundo John Wurdig, não há planos para a construção de uma nova escola, o que forçaria crianças a frequentar instituições longe de suas casas.
O rio Melchior, que corta a região, sofrerá efeitos devastadores, segundo Newton Vieira, integrante do Movimento Salve o Rio Melchior. “De acordo com o projeto da termelétrica, serão retirados do rio 110 mil litros por hora e serão devolvidos 104 mil. Durante um período de 24 horas, o rio perderá 144 mil litros de água, e, em um ano, o rio terá perdido 51 milhões de litros de água”.
De acordo com o ambientalista, outros aspectos da construção causam alerta: a Termo Norte ainda não informou de forma clara onde serão despejados os resíduos tratados por ela, situação delicada para um rio tão poluído quanto o Melchior, que recebe três vezes mais esgoto do que sua capacidade de vazão.
Procurado pelo Brasil de Fato DF para responder sobre os impactos socioambientais gerados pelo projeto, o diretor executivo da empresa Termo Norte Energia Isaac Mizrahi disse, via contato de whatsapp, que: “nesse momento preferimos não comentar o assunto”.
‘A quem interessa a construção de uma usina a combustível fóssil aqui no DF’
Movimentos populares, lideranças e moradores se reuniram na quarta-feira (12) para protestar contra o projeto de construção da UTE Brasília (DF). “Nós, da população, devemos estar atentos, unidos e mobilizados a todo instante. É importante ter a consciência total de que esse projeto não é bom para a população, para a saúde pública e para o meio ambiente”, afirma Newton.
Segundo o engenheiro John Wurdig, a expectativa é que as mobilizações tenham efeito, “que o Ibama indefira a licença e leve em consideração o que a população quer e tem a dizer”. Para ele, a vontade do povo é óbvia: “Eles não querem a termelétrica. E a gente acredita que sociedade civil e toda essa mobilização podem barrar a emissão da licença e impedir o projeto”.
“A quem interessa a construção de uma usina a combustível fóssil aqui no DF, em pleno agravamento da crise climática? Com certeza não beneficia a população, pois o que vai trazer é somente poluição do ar, desmatamento do Cerrado e aumento da escassez de água, quando já sofremos com secas extremas”, afirma Isabelle Avon, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
Ela lembra ainda que não existe gás fóssil disponível no Distrito Federal: a termelétrica depende da construção de um gasoduto de 800 quilômetros, o Brasil Central, que partiria de São Carlos (SP). Segundo estimativa do Instituto Arayara, o projeto deve dobrar as emissões de gases de efeito estufa com relação ao que já é emitido pelo DF.

O que é a UTE Brasília?
A Usina Termelétrica (UTE) Brasília é um projeto de 1.470 megawatts (MW) de potência, movida a gás fóssil, com chaminés mais altas que as torres do Congresso Nacional. A termelétrica deve ser construída em parte da Fazenda Guariroba, em Samambaia Norte, a 35 quilômetros da Praça dos Três Poderes. Quase metade da área, de 70 hectares, é formada por vegetação nativa do Cerrado, que deverá ser desmatada.
A usina deve consumir 5,80 milhões de metros cúbicos (m³) de gás por dia, além de usar 110 mil litros de água por hora para o resfriamento da planta. Essa água deverá ser captada do rio Melchior, considerado “Classe 4”, segundo a Legislação Ambiental Brasileira, o pior na classificação de poluição. Um dos temores dos manifestantes é que o projeto agrave ainda mais a crise hídrica no Distrito Federal, que já vem piorando cada vez mais devido às mudanças climáticas e o avanço do desmatamento.
A previsão é de geração de apenas 80 empregos, e os moradores do entorno, das regiões administrativas de Samambaia Norte, Recanto das Emas, Ceilândia, Pôr do Sol e Sol Nascente temem que a usina seja mais um fator de degradação da qualidade de vida, além de desvalorização do local. “Esses projetos que degradam ainda mais as condições socioambientais de seu entorno sempre são escolhidos para as regiões mais pobres e periféricas, evidenciando a desigualdade socioespacial no Distrito Federal”, comenta Isabelle Avon, do MAB.
“Do nosso ponto de vista, além de todos esses impactos, a população também enfrentaria graves riscos à saúde, não só em Samambaia e Recanto das Emas, mas em todo o Distrito Federal, além do aumento dos ruídos e impactos na qualidade de vida. As regiões administrativas precisam de investimentos em energias renováveis e sustentáveis”, afirma Ivanete Silva dos Santos, integrante do Movimento Salve Arie JK e Rio Melchior.
*Com informações de Elisa Estronioli, do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB)
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